quarta-feira, 21 de junho de 2023

POR UMA GRAMÁTICA DA FRATERNIDADE Frei Bento Domigues, O.P.

 

1. É tal a complexidade da vida do nosso planeta que não se deve ceder a simplismos nos meios de comunicação. Não há só más notícias a dar nem corrigir essa tendência intoxicante com um desejo de apresentar só boas notícias.

A eleição de um Papa não garante imunidade a qualquer doença. As pessoas envolvidas na sua vinda a Portugal, para as JMJ 2023 (2 a 6 de Agosto) chegaram ao ponto de dizer que, se Francisco não pudesse vir por questões de saúde, as Jornadas não se realizariam. Isto significaria, porém, desvalorizar o objectivo das Jornadas.

Para o dia 9 deste mês, estava agendada uma audiência do Grupo do Partido Popular no Parlamento Europeu (PPE) com o Papa Francisco, no Vaticano. Foi impossível realizar esse encontro por razões de saúde. No entanto, o Papa enviou uma mensagem do Hospital Gemelli ao presidente do PPE, Manfred Weber, na qual exorta os parlamentares a tomarem plena consciência da tarefa dos políticos cristãos «de traduzir o grande sonho da fraternidade em acções concretas de boa política a todos os níveis».

Recorda que, quando se realizaram as primeiras eleições para o Parlamento Europeu, as pessoas estavam interessadas, era uma novidade, um passo importante na construção de uma Europa unida. Mas, como sempre, com o tempo o interesse foi-se perdendo. Por isso, é preciso cuidar bem da relação entre cidadãos e parlamentares. Esse é um problema clássico das democracias representativas.

O Papa Francisco sublinha alguns princípios e valores éticos que exigem formação adequada dos seus membros. Mesmo nas correntes políticas cristãs é fundamental cuidar do pluralismo. Os políticos cristãos deveriam distinguir-se pela seriedade com que abordam os problemas, rejeitando soluções oportunistas e mantendo sempre firmes os critérios da dignidade da pessoa e do bem comum.

Os cristãos têm um património riquíssimo, por exemplo, a Doutrina Social da Igreja, na qual podem encontrar um contributo original para a política europeia.

Destaca, sobretudo, os princípios da solidariedade e da subsidiariedade e a sua dinâmica virtuosa. Estes princípios ético-políticos, partilhados com colegas de filiações diferentes, deveriam actuar sempre em conjunto, entrelaçados. Pede aos parlamentares cristãos que o Evangelho seja a estrela que os guia e a Doutrina Social da Igreja a sua bússola[1].

Desde o programa do seu pontificado, Evangelii Gaudium, nunca esqueceu as dimensões cristãs da política.

2. Para Francisco, o mundo não é apenas a Europa nem a Igreja Católica. O horizonte de todas as suas intervenções é global. Prova disso é o Documento sobre a Fraternidade Humana pela Paz Mundial e a convivência comum, assinado pelo Papa Francisco e pelo Grão Imame de Al-Azhar, Ahmad Al-Tayyeb, em Abu Dabhi (04.02.2019). Sucedeu-lhe a Carta Encíclica Fratelli Tutti sobre a fraternidade e a amizade social (03.10.2020), para reafirmar a voz da Igreja. Para a elaboração desta encíclica não esqueceu duas grandes referências católicas, Francisco de Assis e Carlos de Foucauld, e outros irmãos que não são católicos, Martin Luther King, Desmond Tutu, Mahatma Gandhi e muitos outros.

Estes gestos inovadores são muito aplaudidos no momento em que se realizam e, depois, tendem a ser esquecidos. Por isso, recebi com alegria a iniciativa de juntar 30 Prémios Nobel da Paz, que realizaram o I Encontro Mundial da Fraternidade Humana (#NotAlone), no Vaticano, no passado dia 10. Contavam com a presença do Papa Francisco. Este foi hospitalizado, mas o Encontro não foi cancelado.

A Igreja não tem só uma voz, a voz do Papa. É importante que essas vozes, na sua diversidade, sejam ouvidas. Com esta crónica, não pretendo mais do que fazer eco deste documento e dessas outras vozes.

Vieram dar o seu contributo para a construção de um mundo verdadeiramente fraterno e elaboraram a Declaração da Fraternidade, com o objetivo de reafirmar o não da Igreja à guerra e o compromisso com o diálogo ilimitado e a construção da paz. Foi assinada por essas 30 personalidades e pelo cardeal secretário de Estado, Pietro Parolin, como representante do Papa.

A Declaração começa com uma citação de Francisco, «Somos diversos, somos diferentes, temos diferentes culturas e religiões, mas somos irmãos e queremos viver em paz». E continuam dizendo que cada homem é meu irmão, cada mulher é minha irmã, sempre. Queremos viver juntos, como irmãos e irmãs no Jardim que é a Terra. É o Jardim da fraternidade a condição de vida para todos.

Os 30 signatários desse texto declaram que são testemunhas de como, em cada recanto do mundo, a harmonia perdida floresce quando a dignidade é respeitada, as lágrimas são enxugadas, o trabalho é remunerado de forma justa, a educação é garantida, se cuida da saúde, a diversidade é valorizada, a natureza é restaurada, a justiça é honrada e as comunidades abraçam a sua solidão e os seus medos.

Terminam com um apelo. Cabe à nossa liberdade querer a fraternidade e construí-la juntos, na unidade. Junte-se a nós para assinar este apelo, para abraçar este sonho e transformá-lo em práticas diárias, para que chegue à mente e ao coração de todos os governantes e daqueles que, em todos os níveis, têm uma pequena ou grande responsabilidade cívica.

O Papa não pôde estar presente, mas enviou uma mensagem, onde reconhece esta Declaração como uma gramática da fraternidade[2].

3. De 14 a 20 deste mês, está a decorrer, em Tallinn, Estónia, a Assembleia geral do Conselho das Igrejas Europeias (CEC, na sigla em inglês) com o tema Sob a bênção de Deus – moldar o futuro.

O programa deste evento quinquenal inclui como conferencistas principais Hartmut Ros, que intervirá sobre Qual é o contexto sociológico da Europa? Sviatlana Tsikhanouskaya, sobre O que é que as Igrejas podem oferecer na sociedade europeia? e Rowan Williams, que falará sobre Como é que trabalhamos teologicamente com o nosso papel na sociedade europeia? O patriarca ecuménico Bartolomeu responderá à questão: Quais são as nossas tarefas ecuménicas na Europa do futuro?

O CEC é uma associação de 113 igrejas ortodoxas, protestantes, anglicanas e católicas de toda a Europa, e de mais de 40 conselhos nacionais de igrejas e organizações em parceria. A organização, fundada em 1959, após a Segunda Guerra Mundial, afirma representar mais de 380 milhões de cidadãos europeus em todo o continente[3].

 

 

 

18. Junho. 2023



[1] Cf. www.vatican.va

[2] Cf. www.vatican.va

[3] Cf. 7Margens, 09.06.2023

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