1. É tal a complexidade da vida do
nosso planeta que não se deve ceder a simplismos nos meios de comunicação. Não
há só más notícias a dar nem corrigir essa tendência intoxicante com um desejo
de apresentar só boas notícias.
A eleição de um Papa não garante imunidade a qualquer
doença. As pessoas envolvidas na sua vinda a Portugal, para as JMJ 2023 (2 a 6
de Agosto) chegaram ao ponto de dizer que, se Francisco não pudesse vir por
questões de saúde, as Jornadas não se realizariam. Isto significaria, porém,
desvalorizar o objectivo das Jornadas.
Para o dia 9 deste mês, estava agendada uma audiência
do Grupo do Partido Popular no Parlamento Europeu (PPE) com o Papa Francisco,
no Vaticano. Foi impossível realizar esse encontro por razões de saúde. No
entanto, o Papa enviou uma mensagem do Hospital Gemelli ao presidente do PPE,
Manfred Weber, na qual exorta os parlamentares a tomarem plena consciência da
tarefa dos políticos cristãos «de traduzir o grande sonho da fraternidade em
acções concretas de boa política a todos os níveis».
Recorda que, quando se
realizaram as primeiras eleições para o Parlamento Europeu, as pessoas estavam
interessadas, era uma novidade, um passo importante na construção de uma Europa
unida. Mas, como sempre, com o tempo o interesse foi-se perdendo. Por isso, é
preciso cuidar bem da relação entre cidadãos e parlamentares. Esse é um
problema clássico das democracias representativas.
O
Papa Francisco sublinha alguns princípios e valores éticos que exigem formação
adequada dos seus membros. Mesmo nas correntes políticas cristãs é fundamental
cuidar do pluralismo. Os políticos cristãos deveriam distinguir-se pela
seriedade com que abordam os problemas, rejeitando soluções oportunistas e
mantendo sempre firmes os critérios da dignidade da pessoa e do bem comum.
Os
cristãos têm um património riquíssimo, por exemplo, a Doutrina Social
da Igreja, na qual podem encontrar um contributo original para a política
europeia.
Destaca, sobretudo, os
princípios da solidariedade e da subsidiariedade e a sua dinâmica
virtuosa. Estes princípios ético-políticos, partilhados com colegas de
filiações diferentes, deveriam actuar sempre em conjunto, entrelaçados. Pede
aos parlamentares cristãos que o Evangelho seja a estrela que os guia e a
Doutrina Social da Igreja a sua bússola[1].
Desde o programa do seu
pontificado, Evangelii Gaudium, nunca esqueceu as dimensões cristãs da
política.
2. Para
Francisco, o mundo não é apenas a Europa nem a Igreja Católica. O horizonte de
todas as suas intervenções é global. Prova disso é o Documento sobre a
Fraternidade Humana pela Paz Mundial e a convivência comum, assinado pelo Papa
Francisco e pelo Grão Imame de Al-Azhar, Ahmad Al-Tayyeb, em Abu Dabhi (04.02.2019).
Sucedeu-lhe a Carta Encíclica Fratelli Tutti sobre a fraternidade e a
amizade social (03.10.2020), para reafirmar a voz da Igreja. Para a elaboração
desta encíclica não esqueceu duas grandes referências católicas, Francisco de
Assis e Carlos de Foucauld, e outros irmãos que não são católicos, Martin Luther King, Desmond Tutu,
Mahatma Gandhi e muitos outros.
Estes gestos inovadores são
muito aplaudidos no momento em que se realizam e, depois, tendem a ser
esquecidos. Por isso, recebi com alegria a iniciativa de juntar 30 Prémios
Nobel da Paz, que realizaram o I Encontro Mundial da Fraternidade Humana
(#NotAlone), no Vaticano, no passado dia 10. Contavam com a presença do
Papa Francisco. Este foi hospitalizado, mas o Encontro não foi cancelado.
A Igreja não tem só uma voz,
a voz do Papa. É importante que essas vozes, na sua diversidade, sejam ouvidas.
Com esta crónica, não pretendo mais do que fazer eco deste documento e dessas
outras vozes.
Vieram dar o seu contributo
para a construção de um mundo verdadeiramente fraterno e elaboraram a Declaração
da Fraternidade, com
o objetivo de reafirmar o não da Igreja à guerra e o compromisso
com o diálogo ilimitado e a construção da paz. Foi
assinada por essas 30 personalidades e pelo cardeal secretário de Estado,
Pietro Parolin, como representante do Papa.
A Declaração começa com uma
citação de Francisco, «Somos
diversos, somos diferentes, temos diferentes culturas e religiões, mas somos
irmãos e queremos viver em paz». E continuam dizendo que cada homem é
meu irmão, cada mulher é minha irmã, sempre. Queremos viver juntos, como irmãos
e irmãs no Jardim que é a Terra. É o Jardim da fraternidade a condição de vida
para todos.
Os
30 signatários desse texto declaram que são testemunhas de como, em cada
recanto do mundo, a harmonia perdida floresce quando a dignidade é respeitada,
as lágrimas são enxugadas, o trabalho é remunerado de forma justa, a
educação é garantida, se cuida da saúde, a diversidade é valorizada, a natureza
é restaurada, a justiça é honrada e as comunidades abraçam a sua solidão e os
seus medos.
Terminam
com um apelo. Cabe à nossa liberdade querer a fraternidade e construí-la
juntos, na unidade. Junte-se a nós para assinar este apelo, para abraçar este
sonho e transformá-lo em práticas diárias, para que chegue à mente e ao coração
de todos os governantes e daqueles que, em todos os níveis, têm uma pequena ou
grande responsabilidade cívica.
O
Papa não pôde estar presente, mas enviou uma mensagem, onde reconhece esta Declaração como uma gramática
da fraternidade[2].
3. De 14 a 20 deste mês, está a
decorrer, em Tallinn, Estónia, a Assembleia geral do Conselho das Igrejas
Europeias (CEC, na sigla em inglês) com o tema Sob a bênção de Deus – moldar
o futuro.
O programa deste evento quinquenal inclui como conferencistas principais
Hartmut Ros, que intervirá sobre Qual é o contexto sociológico da Europa?
Sviatlana Tsikhanouskaya, sobre O que é que as Igrejas podem oferecer na
sociedade europeia? e Rowan Williams, que falará sobre Como é que
trabalhamos teologicamente com o nosso papel na sociedade europeia? O
patriarca ecuménico Bartolomeu responderá à questão: Quais são as nossas
tarefas ecuménicas na Europa do futuro?
O CEC é uma associação de 113 igrejas ortodoxas, protestantes,
anglicanas e católicas de toda a Europa, e de mais de 40 conselhos nacionais de
igrejas e organizações em parceria. A organização, fundada em 1959, após a
Segunda Guerra Mundial, afirma representar mais de 380 milhões de cidadãos
europeus em todo o continente[3].
18. Junho. 2023
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