1. Uma história breve:
o Papa Leão XIII (1810-1903) tinha pensado promover uma novena pela unidade dos
cristãos, aproveitando
a semana que vai do dia da Ascensão à festa de Pentecostes. Mais tarde, a ideia
foi muito divulgada por Paul Wattson (1863-1940), um anglicano que se tornou
católico romano. A proposta de data feita por Wattson era outra: de 18 de Janeiro
(festa da cátedra de S. Pedro em Roma) a 25 de Janeiro (festa de S. Paulo). Estariam
assim representados, nos dois apóstolos, estilos diferentes de vivência cristã
(1908). Mas, de acordo com a mentalidade católica da época, pensava-se em
unidade como retorno de todos os cristãos à Igreja com sede em Roma. Como era
de esperar, tal proposta não foi bem aceite por ortodoxos e protestantes. Em
1926, o movimento Fé e Constituição, que mais tarde esteve na origem da
formação do Conselho Mundial de Igrejas, lançou um apelo para a realização de
uma Semana de Oração pela Unidade, a ser feita nos dias que antecedem a festa
de Pentecostes.
Um grande
impulso veio do padre católico francês Paul Couturier (1881-1953), a partir de
1935. Mas desta vez, a proposta mostrava uma abertura da parte católica: não se
tratava de um retorno ao catolicismo, mas da reunião fraterna de Igrejas, cada
uma com a sua identidade. O Pe. Couturier dizia: «Que chegue a unidade do Reino
de Deus, tal como Cristo a quer e pelos meios que ele quiser!» Esta
atitude ficou mais fácil para os católicos depois do Concílio Vaticano II
(1962-1965), que reconheceu valores nos então chamados irmãos separados
e nas suas Igrejas, afirmando que a fé comum em Cristo é princípio de comunhão
e assumindo a proposta ecuménica que respeita a identidade religiosa do outro.
A partir
de 1968, a Semana é preparada conjuntamente pelo Pontifício Conselho para a
Unidade dos Cristãos e pelo Conselho Mundial de Igrejas, representado pela sua
comissão Fé e Constituição. A data pode variar. Na Europa, em geral, a
Semana vai de 18 a 25 de Janeiro, como é o caso em Portugal.
2. O movimento ecuménico assume as
características de cada época. Na crónica do Domingo passado, disse que o
Papa Francisco, no seu discurso anual ao Corpo Diplomático acreditado na Santa
Sé, mostrou-nos, de forma documentadíssima, a nossa tarefa urgente de
desenvolver todo o género de iniciativas para encontrar os caminhos da paz, num
mundo semeado de guerras. Estas não são inevitáveis, são um desafio à nossa
imaginação.
Um dos grandes teólogos do
movimento ecuménico, Hans Küng (1928-2021), sustentava que «não haverá paz
entre as nações, se não existir paz entre as religiões; não haverá paz entre as
religiões, se não existir diálogo entre as religiões; não haverá diálogo entre
as religiões, se não existirem padrões éticos globais; o nosso planeta não irá
sobreviver se não houver um ethos global, uma ética para o mundo inteiro».
As religiões andaram em
guerra e, em muitos sítios, ainda andam. Inclusivamente, as várias Igrejas
cristãs viveram em grandes conflitos.
Ao promover a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos
ao serviço de toda a Humanidade, não podemos esquecer que, presentemente,
países com grande presença de cristãos vivem em guerra entre si. Este facto nega
a condição de cristãos. No entanto, não se pode desistir da proposta de oração
porque a condição dos cristãos, neste mundo, é a de viver sempre em processo de
conversão.
Qual tem sido o papel do cristianismo na guerra entre a
Rússia e a Ucrânia e no interior da Rússia e da Ucrânia? O cristianismo é uma
força anti-guerra ou não?
Todos os movimentos tendem a envelhecer com o envelhecimento
dos seus membros. Não seria importante incidir a Oração pela Unidade dos
Cristãos no movimento da JMJ?
Em Agosto passado, Lisboa acolheu jovens cristãos de todo
o mundo que, durante uma semana, viveram em fraterno convívio, oração e
reflexão.
Na viagem de regresso a Roma, o Papa declarou que era a
sua quarta JMJ, a mais numerosa e a melhor preparada. «Os jovens são uma surpresa. Os jovens
são jovens, fazem brincadeiras – a vida é assim! –, mas procuram olhar para a
frente... eles são o futuro. A questão é acompanhá-los, o problema é saber acompanhá-los,
e fazer com que não se separem das raízes. Por isso insisto tanto no diálogo
entre idosos e jovens, avós com netos. (…) Os jovens são religiosos; procuram
uma fé não invasiva, uma fé não artificial nem legalista, mas um encontro com
Jesus Cristo. E isto não é fácil. É uma experiência...»[1].
Esta
proposta de combinar a oração pela unidade dos cristãos e a JMJ pode-se dizer
que corre o risco de se anularem mutuamente, em vez de ser um mútuo
robustecimento. De qualquer modo, seria uma possível perspectiva de futuro.
Neste mesmo período, realizou-se o Fórum Económico Mundial em
Davos (Suíça). O Papa Francisco enviou uma importante mensagem. Começou por
dizer que esta reunião anual «tem lugar num
clima muito preocupante de instabilidade internacional.
«A paz que os povos do nosso mundo desejam não
pode ser senão fruto da justiça (cf. Isaías 32, 17). Por conseguinte, não basta
pôr de lado os instrumentos bélicos, mas há que afrontar as injustiças que são
a raiz dos conflictos. Entre as mais significativas está a fome, que continua a
assolar regiões inteiras do mundo, enquanto outras se caracterizam por um
excessivo desperdício de alimentos»[2].
3. Em
cada ano, é um país diferente que elabora a Oração pela Unidade dos Cristãos.
Este ano foi Burkina Faso. Sentiram a necessidade de centrar a oração no
que há de mais decisivo no Cristianismo: o amor de Deus no amor do próximo
É um país localizado na África Ocidental que
inclui os países vizinhos do Mali e Nigéria.
Tem 21 milhões de habitantes pertencentes a
sessenta etnias. Em termos religiosos, aproximadamente, 64% da
população é muçulmana, 9% é adepto das religiões tradicionais africanas e 26%
professa a fé cristã (20% católicos, 6% protestantes).
O país tem sofrido com a proliferação de ataques
terroristas, a ilegalidade e o tráfico de pessoas. Esta situação já causou mais
de três mil mortos e cerca de dois milhões de pessoas foram deslocadas no
interior do país.
O convite para trabalhar em conjunto, nos textos da
Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos de 2024, desafia as diferentes
Igrejas de Burkina Faso a caminhar, orar e trabalhar juntas em amor mútuo
durante este período difícil para o seu país. O amor de Cristo, que une todos
os cristãos, é mais forte do que as suas divisões e os cristãos
de Burkina Faso comprometem-se a trilhar o caminho do amor de Deus no amor
ao próximo. Estão confiantes de que o amor de Deus vencerá a violência que
atualmente aflige o seu país.
A insistência na Oração pela Unidade dos Cristãos
lembra-nos que, sem espírito de abertura permanente ao mistério de Deus e do
ser humano, não conseguimos viver a fé cristã.
21 Janeiro 2024
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