1. A Suma de Teologia
de S. Tomás de Aquino, contra as aparências, é uma vasta obra de iniciação a
uma forma de Teologia Medieval. Depois de condenada, pelas suas ousadas
inovações, tornou-se um monumento de teologia da Igreja. Assisti, uma vez, a
uma sua apresentação com este comentário: é um grande monumento acerca de nada,
porque Deus não existe, dizia o apresentador.
Tomás de Aquino também dizia que a existência de Deus não
é evidente. É preciso mostrá-la. As suas tentativas de mostrar que Deus existe
percorrem várias vias de investigação. Este Santo Pregador não era ateu. Era,
pelo contrário, um místico, mas de olhos abertos sobre toda a realidade que lhe
era apresentada, fosse ela qual fosse. Tinha, acerca das ciências humanas e das
filosofias, uma concepção em que as obras da razão e da fé se robusteciam
mutuamente.
O primeiro objectivo da sua Teologia partia do princípio
que «o propósito principal da doutrina sagrada está em transmitir o
conhecimento de Deus não apenas quanto ao que Ele é em si mesmo, mas também
enquanto é o princípio e o fim das coisas, especialmente da criatura racional. Para
expor esta doutrina, temos de tratar: 1. de Deus; 2. do movimento da criatura
racional para Deus; 3. do Cristo, que, enquanto homem, é para nós o caminho que
leva a Deus.
A consideração de Deus será tripartida: 1. O que se
refere à própria essência divina; 2. O que se refere à distinção das Pessoas
[divinas]; 3. O que se refere às criaturas enquanto procedem de Deus.
Quanto à essência divina, deve-se considerar: 1. Deus
existe? 2. Como é Ele ou, antes, como não é? 3. Como age, isto é, a sua
ciência, a sua vontade e o seu poder?
Acerca da realidade primeira, são três as perguntas: 1. A
existência de Deus é evidente por si mesma? 2. Pode-se demonstrá-la? 3. Será
que Deus existe?»[1].
A Teologia negativa ou teologia apofática é a menos inadequada
para falar de Deus. Se por um lado a teologia afirmativa faz proposições e
descrições acerca de Deus e dos seus atributos, a teologia negativa segue o
caminho oposto: ela percebe que toda a descrição que a inteligência humana
consegue elaborar sobre Deus está muito aquém daquilo que Deus é. A teologia
negativa percebe que todo o esforço de racionalidade, tentado definir Deus e os
seus atributos, acaba por limitar Deus, porque Este ultrapassa todo e qualquer
esforço racional. De Deus só podemos saber o que Ele não é e não o que é,
não se trata tanto de considerar como Ele é quanto não é[2].
2.
Hoje, celebramos o Domingo da Misericórdia. Não devia ser uma surpresa.
O Papa Francisco dedicou-lhe um ano inteiro, dizendo que a misericórdia é a missão da Igreja. Todos já ouvimos falar das Misericórdias, como
instituições dedicadas à realização do amor que Deus nos tem e a partilhar os Seus
dons, segundo a pergunta concreta: em que posso eu ajudar-te?
Tomás de Aquino
diz que a Misericórdia é a realidade suprema atribuída a Deus e S. Lucas
diz-nos que devemos ser misericordiosos como o nosso Pai é misericordioso[3].
Podemos, então, perguntar: religião ou misericórdia?
Deus não gasta religião. Da
religião e dos seus actos de devoção, oração, sacrifício, etc., precisamos nós
para nos situarmos correctamente, neste mundo, em relação a Deus, de quem somos,
e para que essa referência seja vivida pela pessoa toda, de forma excitante.
Mas aquilo que nos faz contactar com o próprio Deus e com o mundo, segundo o
coração de Deus, é a fé, a esperança, o amor, a vida teologal[4].
A Misericórdia – plenitude da justiça e da verdade de
Deus, nome de combate contra a miséria – é o nome que mais convém Aquele que
não cabe em nome nenhum[5].
É a raiz mais funda do mundo, da Incarnação de Deus e do testemunho de Jesus
até à morte, à verdade do amor que se encontra, perdendo-se, perdendo-se por
todos os perdidos da terra[6].
A Misericórdia brota da fonte trinitária e das suas
viagens criadoras e recriadoras, obra de diferenciação e união dos seres
humanos entre si e com Deus. Dom do Espírito Santo que é a alma da Igreja, lei
daquilo que mais conta no Novo Testamento e torna tudo o resto secundário. Lei
do amor libertador, habitação que nos habita[7].
A virtude da Misericórdia não é uma virtude entre outras,
mas a alma de toda a energia divina e humana. Fora da Misericórdia não há
salvação!
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