O Grande Domingo da Santa Alegria
Ano B - Tempo Pascal - 3º Domingo
Lucas 24,35-48: “Vós sois as testemunhas de todas estas coisas”
A Igreja celebra o mistério da Páscoa durante sete semanas,
da Páscoa ao Pentecostes, um período de cinquenta dias, o tempo da
“santa alegria”, chamado pelos antigos padres da Igreja como “o grande
domingo”. Estes sete domingos convidam-nos a celebrar a Páscoa... sete
vezes (a plenitude!). Durante todo este tempo, a oração litúrgica era
feita de pé, como sinal da ressurreição: “Consideramos que não nos é
permitido jejuar ou rezar de joelhos aos domingos. Praticamos a mesma
abstenção com alegria desde o dia de Páscoa até ao Pentecostes”
(Tertuliano).
No domingo passado, ouvimos as aparições do Ressuscitado aos
apóstolos, no primeiro e no oitavo dia, narradas por São João. Hoje
ouvimos a versão do acontecimento segundo o evangelista São Lucas.
Terminam assim os (três) domingos em que o evangelho nos apresenta os
relatos da ressurreição.
1. As três aparições segundo São Lucas
No capítulo 24, o capítulo conclusivo do seu evangelho, São Lucas relata-nos três aparições: 1)
a primeira, na manhã de Páscoa, a dos anjos às mulheres, junto do
túmulo vazio; 2) a segunda, na tarde do mesmo dia, a aparição do
Ressuscitado aos dois discípulos a caminho de Emaús; 3) a terceira, à
tardinha, a aparição de Jesus aos Onze, em Jerusalém.
A narração termina com a ascensão de Jesus ao céu. Notemos bem que tudo isto se passa no mesmo dia, o dia de Páscoa! É
um dia extremamente longo! De que modo se pode conciliar isto com o que
os outros evangelistas contam? É preciso lembrar que os evangelhos
foram escritos várias décadas mais tarde. Os factos eram então
conhecidos nas comunidades cristãs, transmitidos oralmente. Os
evangelistas, ao escreverem o seu evangelho, têm em conta não só a
história, mas sobretudo a situação das suas comunidades. Ou seja, têm uma intenção teológica e catequética. Aqui
Lucas quer apresentar-nos o que é o domingo típico do cristão. Trata-se
de um artifício literário. De facto, no início dos Actos dos Apóstolos,
apresenta as coisas de forma um pouco diferente: “E a eles se
manifestou vivo depois de sua Paixão, com muitas provas, aparecendo-lhes
durante quarenta dias e falando das coisas do Reino de Deus” (1,3).
2. A dificuldade em acreditar na ressurreição
Todos
os evangelhos sublinham a dificuldade dos discípulos em acreditar na
ressurreição, a ponto de Jesus “os repreender pela sua incredulidade e
dureza de coração” (Marcos 16,14; Lucas 24,25). Por outro lado, Jesus
faz questão de ser reconhecido, porque disso depende a continuação da
missão. “Vede as minhas mãos e os meus pés: sou eu mesmo!”. Como os
apóstolos têm dificuldade em acreditar, Jesus pede-lhes qualquer coisa
para comer. “Deram-lhe uma posta de peixe assado, que ele tomou e
começou a comer diante deles”. Um corpo ressuscitado pode comer? Talvez o
evangelista exagere para sublinhar a realidade da ressurreição do corpo de Jesus. Com
efeito, também Pedro dirá ao centurião Cornélio: “Comemos e bebemos com
ele depois da sua ressurreição de entre os mortos” (Actos 10,41). É um
modo para sublinhar que se trata do mesmo corpo de Jesus e que continua a
mesma relação de intimidade com os seus.
A fé na ressurreição foi fruto de um caminho árduo, onde
não faltaram dúvidas, incertezas e medos. Isto deve-se ao facto que há,
contemporaneamente, uma identidade (é o mesmo corpo de Jesus) e uma
diversidade (é um corpo ressuscitado, não sujeito às leis fisicas),.
Esta dificuldade dos discipulos, por um lado, anima-nos na nossa
caminhada de fé; por outro lado, prova-nos que a ressurreição não pode
ser uma invenção dos apóstolos.
3. A ressurreição, chave do sentido da vida
A ressurreição é a maior das verdades da nossa fé e o objeto primordial do nosso anúncio: “Vós
sois as testemunhas de todas estas coisas”. A ressurreição é o
“evangelho”, a boa nova que o cristão é enviado a anunciar. Tudo o resto é uma consequência. E
a primeira consequência é que, se Cristo ressuscitou, também nós
ressuscitaremos com ele. A sua ressurreição e a nossa são, de certo
modo, intercambiáveis, segundo São Paulo: se Jesus ressuscitou, também
nós ressuscitaremos com ele (ver Romanos 6) e, por outro lado, “se não
há ressurreição dos mortos, também Cristo não ressuscitou” (1 Coríntios
15,13). Com a ressurreição, professamos que a vida tem um “sentido”: não
se dirige para o nada, mas para a sua plenitude. Se não acreditamos na
ressurreição, professamos o não-sentido da vida: “o homem é uma paixão
inútil” (Jean-Paul Sartre), um “ser destinado à morte” (Heidegger).
Para
um cristão, acreditar na ressurreição pode parecer uma coisa óbvia mas,
infelizmente, não é. Há quinze anos (2009), numa sondagem realizada em
França, apenas 13% dos católicos responderam que acreditavam na
ressurreição, enquanto 40% disseram acreditar que há “algo” depois da
morte e 33% que não há nada! Há três anos (2021), um inquérito realizado
em Itália revelou que apenas 20% dos italianos acreditam na
ressurreição dos mortos. Neste domingo muitos afirmarão: “Creio na
ressurreição da carne e na vida eterna” ou “Espero a ressurreição dos
mortos e a vida do mundo que há-de vir”, mas não é de modo algum um dado
adquirido que todos acreditem verdadeiramente no que dizem com os
lábios. Que é um verdadeiro contrassenso dizer-se cristão sem acreditar na ressurreição,
já São Paulo o afirmava perentoriamente: “Se Cristo não ressuscitou, vã
é a nossa pregação, vã é também a vossa fé. Somos, pois, falsas
testemunhas de Deus! (...) Se esperamos em Cristo apenas para esta vida,
somos, de todos os homens, os mais dignos de lástima” (1 Coríntios 15,
14-15.19). Se excluirmos a ressurreição, todo o edifício da mensagem cristã desmorona-se e o cristianismo seria a maior farsa da história.
4. Testemunhas da ressurreição
“Vós
sois as testemunhas de todas estas coisas”, diz Jesus aos apóstolos na
conclusão do Evangelho. Hoje, ele diz-nos isso a nós. Como é que nós
damos testemunho da ressurreição? Cultivando em nós, com a ajuda da
graça, a consciência de que já ressuscitámos com Cristo e que vivemos no “terceiro dia”, o Dia final e definitivo, o da ressurreição, mesmo que ainda continuem a sangrar as feridas da nossa cruz. Jesus não quis que as suas sarassem antes das nossas. Ele
carrega as nossas feridas e as de todos os crucificados da história.
Como é que podemos curar essas feridas? Colocando-nos ao serviço da
humanidade sofredora!
Para uma reflexão pessoal: confrontar a nossa fé na ressurreição com o que diz São Paulo na Primeira Carta aos Coríntios, capítulo 15.
P. Manuel João Pereira Correia mccj
Verona, 11 de abril de 2024
Para a reflexão completa, ver: https://comboni2000.org/2024/04/11/la-mia-riflessione-domenicale-la-grande-domenica-della-santa-allegrezza/
P. Manuel João Pereira Correia mccj
p.mjoao@gmail.com
https://comboni2000.org
Sem comentários:
Enviar um comentário