VIGÍLIAS
Frei
Bento Domingues, O.P.
19
Maio 2024
1. Estou a começar a escrever
este texto no dia 13 de Maio. A beleza deste dia começa na sua vigília, um mar
de luz em movimento, a procissão das velas. É a vigília mais escura e luminosa em
que já participei.
A verdade é que Fátima não se recomendava pela beleza das
suas construções. A fealdade e o comércio dos objectos religiosos inundavam e
comandavam tudo. Em várias intervenções, para que fui convidado, atrevi-me a dizer
que o único remédio para Fátima seria um buldózer. Mas, quando via chegar os
peregrinos cada um com o seu mistério e, depois, as multidões a despedir-se de
lenço branco, parecia-me que estava no cais das lágrimas de Portugal. Não
vou ter o mau gosto de me repetir nem de reproduzir o que outros já escreveram
sobre as páginas da Religião dos Portugueses[1],
mas como vivi vários anos, na Cova da Iria, em épocas diferentes, assisti às
suas transformações.
Muita coisa mudou. Fátima encontrou o caminho da beleza, mas
nunca se devia esquecer que o fascínio de Fátima era, e é, de outra ordem. Consolida-se,
cada vez mais, como um constante apelo da paz no meio das guerras. O que
parecia um nacionalismo pretensioso – Altar do Mundo – tem-se revelado um
verdadeiro encontro de povos.
Este ano, quem veio ajudar-nos a retomar o sentido
universal deste Santuário foi o cardeal Juan José Omella, de Barcelona: «Rezemos pela paz no mundo: na
Ucrânia, Rússia, na Terra Santa, na África, na América, na Ásia, quantos países
precisam e reclamam a paz».
O bispo de Leiria-Fátima, José Ornelas, voltou-se para a Ucrânia e
para a Terra de Jesus: é inconcebível o que se passa na Faixa de
Gaza.
O pior de tudo, o que não se pode permitir, é proibir que chegue a
ajuda alimentar necessária para mais de um milhão de pessoas que estão a morrer
de fome. Daqui, da Cova da Iria, apelamos à paz. É inconcebível para o coração
de Deus, mas é também inconcebível para um coração humano que isto esteja a
acontecer[2].
2. Temos,
de facto, de acolher o vendaval de Deus, o Pentecostes: Quando chegou este dia – contam os Actos dos
Apóstolos –, os discípulos encontravam-se reunidos no mesmo lugar. De repente, ressoou, vindo do céu, um som comparável ao de forte
rajada de vento, que encheu toda a casa onde eles se encontravam. Viram
então aparecer umas línguas, à maneira de fogo, que se iam dividindo, e poisou
uma sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo
e começaram a falar outras línguas, conforme o Espírito lhes inspirava que se
exprimissem. Ora, residiam em Jerusalém judeus piedosos provenientes de todas
as nações que há debaixo do céu.
Ao ouvir aquele ruído, a multidão reuniu-se e
ficou estupefacta, pois cada um os ouvia falar na sua própria língua. Atónitos e maravilhados, diziam: Mas esses que estão a falar não
são todos galileus?
Que se passa, então, para que cada um de nós os
oiça falar na nossa língua materna? Partos, medos, elamitas,
habitantes da Mesopotâmia, da Judeia e da Capadócia, do Ponto e da Ásia, da Frígia e da Panfília, do Egipto e das regiões da Líbia
cirenaica, colonos de Roma, judeus e prosélitos, cretenses
e árabes ouvimo-los anunciar, nas nossas línguas, as maravilhas de Deus![3].
D. Rui
Valério, Patriarca de Lisboa, convocou os jovens e adolescentes para entrarem
nesse vendaval, para serem contagiados pelo Espírito de missão, nos seus
diversos mundos que devem transformar numa festa.
Tanto a preparação como a celebração
do Pentecostes não devem ser entendidas como um momento evanescente. Todas as realidades,
na Igreja, são para contagiar, difundir e ampliar a sua missão.
Não é apenas dos jovens, mas dos que
se deixam rejuvenescer mediante um diálogo novo.
É porque acreditam no poder do
diálogo que Graça Machel, François Hollande, o Patriarca Bartolomeu I, assim
como líderes políticos e religiosos, representantes de organizações
internacionais e figuras-chave da sociedade civil, se encontraram, em Lisboa, de
14 a 16 deste mês, no 1º Fórum Global do KAICIID – Centro Internacional de
Diálogo.
Sentaram-se à mesa para procurarem construir
confiança, expandir visões e criar oportunidades para que seja possível sair do
plano das intenções e avançar para uma acção concreta e concertada, através do
desenvolvimento de iniciativas multilaterais para a construção de coesão social
e resolução de conflitos.
Com o mundo a atravessar «um momento
particularmente difícil» e a humanidade a enfrentar «enormes desafios – com guerras,
conflitos e profundas clivagens sociais a abrirem espaço para o medo, a
desconfiança e os discursos de ódio e de intolerância», o Fórum «ganha ainda
mais sentido»[4].
3. O relacionamento entre Ocidente e
Oriente é uma necessidade mútua indiscutível – diz o Papa Francisco –, que não
pode ser substituída nem descuidada, para que ambos se possam enriquecer
mutuamente com a civilização do outro, através da troca e do diálogo das
culturas, o que exige uma vigilância constante.
O Ocidente poderia encontrar, na civilização do
Oriente, remédios para algumas das suas doenças espirituais e religiosas
causadas pelo domínio do materialismo. E o Oriente poderia encontrar na
civilização do Ocidente tantos elementos que o podem ajudar a salvar-se da
fragilidade, da divisão, do conflito e do declínio científico, técnico e
cultural. É importante prestar atenção às diferenças religiosas, culturais e
históricas que são uma componente essencial na formação da personalidade, da
cultura e da civilização oriental. É importante consolidar os direitos humanos
gerais e comuns, para ajudar a garantir uma vida digna para todos os seres
humanos, no Oriente e no Ocidente, evitando o uso da política de duas medidas[5].
O mundo está a sofrer ameaças e guerras em
cadeia. O apelo ao diálogo parece uma ingenuidade. A verdade é outra: fora
do diálogo não há salvação. Vigiai!
[1] Frei
Bento Domingues, O.P., A religião dos portugueses. Testemunhos do tempo
presente, Temas e Debates, Círculo de Leitores, 2018; Cf. 7Margens, 12.05.2024,
António Marujo, Fátima foi também um “lugar de resistência silenciosa”
contra a guerra.
[2] Cf. Daqui,
da Cova da Iria, apelamos à paz!, 7Margens, 13.05.2024
[3] Cf. todo
o texto dos Actos dos Apóstolos, 2, 1-36
[4] Cf. Clara
Raimundo, 7Margens, 08.05.2024
[5] Fratelli
Tutti, 136
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