1. Não foi há muito tempo. Foi
no dia 20 de Maio deste ano que o Papa Francisco deu uma entrevista a Norah
O’Donnell a propósito da Jornada Mundial das Crianças (24 e 25 de Maio 2024).
Mesmo
as pessoas entusiasmadas com a pastoral deste Papa ficaram decepcionadas com a
resposta categoria – Não – quando a jornalista lhe pergunta: «para uma menina que cresce como católica hoje, ela algum
dia terá a oportunidade de ser diaconisa e participar como membro do clero na
Igreja?» O Papa repete, «se forem diaconisas com ordens sagradas, não»[1].
Isto fortalece a posição dos que rejeitam a ordenação das
mulheres na Igreja. Neste debate, o que é importante é alargar o horizonte e
não o estreitar. Fora disso não há avanço possível.
Não pretendo sustentar quem está certo ou quem está
errado, quem vence ou quem é vencido, mas não se preocupar com o que está certo
ou com o que está errado é desistir da inteligência.
O Papa João Paulo II, em Maio de 1994, disse às
mulheres que devem desistir dos ministérios ordenados, na Igreja:
«Embora
a doutrina sobre a ordenação sacerdotal, que deve reservar-se somente aos
homens, se mantenha na Tradição constante e universal da Igreja e seja
firmemente ensinada pelo Magistério nos documentos mais recentes, todavia
actualmente, em diversos lugares, continua-se a retê-la como discutível, ou
atribuir um valor meramente disciplinar à decisão da Igreja de não admitir as
mulheres à ordenação sacerdotal.
«Portanto,
para que seja excluída qualquer dúvida em assunto da máxima importância, que
pertence à própria constituição divina da Igreja, em virtude do meu ministério
de confirmar os irmãos (cfr Lc 22,32), declaro que a Igreja
não tem absolutamente a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às
mulheres, e que esta sentença deve ser considerada como definitiva por
todos os fiéis da Igreja»[2].
Portanto, é um assunto que não vale a
pena discutir, é um assunto arrumado. Ao dizer que este é um assunto arrumado,
faz com que mais de metade da Igreja esteja excluída. A teologia das mulheres
ou sobre as mulheres alimenta uma quimera.
2. No Novo Testamento
(NT), o único sacerdote é Jesus Cristo e todos os cristãos na medida em que
participam da Sua graça sacerdotal: Vós sois a raça eleita, o sacerdócio
real, a nação santa, o povo da sua particular propriedade, a fim de que
proclameis as excelências daquele que vos chamou das trevas para a sua luz
maravilhosa (1Pd 2, 9).
O Baptismo é a fonte do sacerdócio cristão. Como não há dois Baptismos,
as mulheres são tão sacerdotes, na sua diferença, como os homens. Chamar-lhe
sacerdócio comum resulta, precisamente, dessa condição primordial na qual
assenta toda a vida cristã. O NT chama sacerdote a Cristo e aos que receberam o
Baptismo. Aqueles que são designados, correntemente como “sacerdotes”, padres e
bispos, são antes de mais, sacerdotes como todos os cristãos. Os diáconos, os
padres e os bispos, pelo sacramento da Ordem, pela imposição das mãos, não
perdem a condição cristã, não se colocam num mundo à parte, ficam com o encargo
do sacerdócio de todos. Sto. Agostinho exprimiu esta realidade de forma
exemplar: convosco sou cristão, para vós sou bispo. Chama-se ministério
sacerdotal porque está ao serviço do povo sacerdotal.
Se o
principal é o sacerdócio baptismal, comum a homens e mulheres, que obstáculo
poderá existir, de ordem teológica, isto é, de condição cristã, para que seja
impossível conferir o sacramento da Ordem às mulheres? Se não existe obstáculo
a que as mulheres recebam o sacerdócio baptismal, que obstáculo haverá, na
condição feminina que as incompatibilize, para
sempre, com a possibilidade de serem chamadas a receber o Sacramento da
Ordem? Quem pode o mais também pode o menos.
Como nem todos os homens querem ser padres, também nem todas as mulheres
querem ser ordenadas. O que está em causa é uma outra interrogação: que
deficiência haverá nas mulheres para que não possam ser chamadas à ordenação
presbiteral ou episcopal para servirem, com a sua sensibilidade, as comunidades
cristãs, para as colocar ao serviço da sociedade?
3. As dificuldades com
os ministérios na Igreja afectam, sobretudo, a celebração da Eucaristia e não facilitam
a hospitalidade eucarística entre as Igrejas cristãs[3].
As pessoas que tomam a iniciativa de reunir e formar uma
comunidade que não tem ministros ordenados, para presidir à Eucaristia, por que
razão não poderá o bispo ordenar alguém que é reconhecido como competente e
zeloso na formação e no crescimento dessa mesma comunidade?
E. Schillebeeckx[4]
tentou, em 1980, uma solução para o serviço de presidência da Eucaristia, nas
comunidades eclesiais. Aparentemente não correu bem, mas ele não desistiu. Esse
caminho é, neste momento, aquele que nos pode abrir um presente e um futuro
para a vida eucarística das comunidades católicas. Em nome de uma disciplina
canónica inadequada, estamos a deixar as paróquias, os grupos e os movimentos
católicos à deriva.
Insiste-se na celebração da Eucaristia como o sacramento
dos sacramentos. Com toda a razão. As comunidades de baptizados têm direito a
participar na sua celebração. De facto, arranjam-se cenários para as impedirem.
O pretexto é sempre o mesmo: não há padres. Se não há, façam-nos. Não faltam
candidatos e candidatas preparados, ou que podem ser preparados, com desejo de
receberem esse ministério. Mas não nos moldes actuais. O modelo presente já não
pode ser o único. Sem imaginação, sem vontade de alimentar e dinamizar as
comunidades católicas, as lideranças da Igreja só se podem queixar de si
mesmas.
O espantoso é que Jesus não escolheu as mulheres para
discípulas. Foram elas que O escolheram, seduzidas pelo que ele era[5],
sem qualquer miragem de poder. Pelo contrário, seguiram-no até à cruz e ao
sepulcro, sem nunca lhe pedir nada em troca e prontas a financiar o seu projecto[6].
Destas discípulas, Jesus ressuscitado fez apóstolas do
futuro do Evangelho no mundo. São elas as encarregadas de evangelizar os
apóstolos, os discípulos.
Quando se voltar a ter em conta a força desta cena
ressuscitante, às discussões sobre os ministérios das mulheres na Igreja impôr-se-á
a pergunta: teremos autoridade para não ordenar
aquelas que Jesus ordenou?
[1] Norah
O’Donnell entrevista o Papa Francisco, com a âncora da rede de TV americana CBS
News, Maio 2024
[2] João
Paulo II, Carta Apostólica Ordinatio Sacerdotalis, nº 4
[3] Cf. Frei
José Nunes, Ministérios Laicais no Novo
Testamento e primeiros séculos da vida da Igreja, in Laicado Dominicano e a pregação, XII Jornadas Nacionais da família
dominicana, Fátima, 8 a 10 de Novembro de 2013)
[4] Cf. Edward Schillebeeckx, Je suis um théologien heureux, Paris, Cerf, 1995
[5] Lc 7,
36-50; 8, 1-3
[6] Mt 28,
1-10
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