Onde estás? Fora ou dentro? Perdido ou encontrado?
Ano B - Tempo Comum – 10º domingo
Marcos 3,20-35: “Quem blasfemar contra o Espírito Santo nunca terá perdão”
Após o período da Quaresma e da Páscoa e as festividades de Pentecostes, da Santíssima Trindade e do Corpus Christi, retomamos agora os domingos do Tempo Comum,
que havíamos interrompido no início da Quaresma. Estamos no décimo
domingo. Neste ano litúrgico do “ciclo B” nos acompanha o evangelho de
São Marcos. Estamos no capítulo terceiro.
Onde estás?
Aproximemo-nos
do trecho do evangelho partindo da primeira leitura e, concretamente,
da primeira pergunta feita por Deus ao homem, após o pecado: “Onde
estás?”. Essa pergunta, aparentemente inútil porque Deus sabe bem onde
me encontro, é uma pergunta chave, fundamental para uma tomada de consciência da nossa realidade existencial. Trata-se de uma pergunta que Deus faz a todo homem e mulher de todos os tempos.
Em geral, evitamos fazer essa pergunta a nós mesmos, fugimos
dela. Para não a ouvir, enchemos a nossa vida de barulhos para
abafá-la. Porque o silêncio nos assusta! Para não a ouvir, enchemos a
nossa agenda de coisas para fazer, até mesmo de boas obras. Porque não
ter nada para fazer inquieta-nos! Para não a ouvir, vivemos a nossa vida
projetados para fora. Porque o encontro com o nosso interior
assusta-nos! Para não a ouvir, nos adequamo-nos ao pensamento comum.
Porque assumir a nossa responsabilidade nos parece muito arriscado! Para
não a ouvir, anestesiamo-nos com alguma diversão despreocupada, com os
prazeres da vida e as nossas pequenas “drogas”!
Onde estás? Esta pergunta, porém, persiste e não se rende, por
mais fraca que possa parecer. Emerge, até de repente, e não nos deixa
viver de forma medíocre! É uma interpelação que parece perseguir-nos e
não nos deixar em paz. Quando ignorada, esconde-se atrás da nossa
insatisfação, do sentir-se sempre fora de lugar, da inquietude sobre o
sentido da vida e da amargura que critica tudo e todos!...
A blasfêmia contra o Espírito Santo
Mas há um momento em que, pela nossa obstinação em silenciar essa voz, ela se cala para sempre. A pessoa fecha-se em si mesma, não se deixa questionar e identifica sua partícula de verdade com a verdade absoluta. Poderia ser também esta uma modalidade daquela inquietante “blasfêmia contra o Espírito Santo” de
que fala Jesus no evangelho de hoje? É uma situação dramática porque a
Luz é chamada trevas, a Verdade é chamada mentira e Deus é chamado
Satanás. É um pecado imperdoável porque a pessoa se auto-blinda na sua pretensão de autossuficiência. Não pensemos que tal circunstância seja inverossímil ou excepcional. Na realidade, é uma situação muito atual. As
suas manifestações são variadas: nas fake news, na inveja que denigre
ou difama o próximo, na justificativa do ódio, na proclamação de
“guerras santas”, na surdez ao clamor dos pobres, na justificativa da
injustiça sob o pretexto do direito à propriedade privada ou da
legalidade de um sistema económico iníquo!...
Essa “blasfêmia contra o Espírito Santo” não é algo que acontece de um dia para o outro. Trata-se
de um imperceptível deslizar na mentira existencial, de uma progressiva
habituação ao mal ou da corrupção da própria consciência.
Como avaliar “onde estamos”?
O evangelho de hoje sugere-nos critérios para avaliar “onde estamos”. De
fato, fala-se de três grupos de pessoas que se aproximam de Jesus: os
escribas que já julgaram e condenaram Jesus no seu coração; os
familiares de Jesus que “saíram para o prender” e que, “estando fora,
mandaram chamá-lo”; e, finalmente, aqueles “que estavam sentados ao
redor dele” e que Jesus define como sua verdadeira família, “pois quem
faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”.
Estes três grupos sugerem-nos três séries de questões para a nossa reflexão:
1) Quais poderiam ser os meus deslizes na falsidade? Quais
são meus hábitos em certos defeitos ou fraquezas que tento minimizar ou
justificar? Responder à pergunta “Onde estás?” significa reconhecer e
confessar a nossa situação real.
2) Onde estou? Estou
“fora”, na soleira da porta, talvez avançando pretensões diante do
Senhor porque “nos pertence”? Ou estou “dentro” no círculo da sua nova
família que ouve e faz a vontade do Pai? Não demos a resposta por
descontada, porque há aqueles que se creem dentro e estão fora e aqueles
que parecem fora e estão dentro, como é o caso da mãe de Jesus no grupo
dos familiares. O caso dos dois filhos da parábola do filho pródigo
pode ser um exemplo eloquente.
3) Poderíamos considerar outra situação em que todos, de certo modo, nos encontramos em
alguns momentos do caminho da vida. Há quem esteja “fora” e quem esteja
“dentro”, mas há também quem esteja ausente, distante, que se perdeu
nos muitos meandros da vida. Todos somos ou perdidos ou encontrados. Não
é fácil, no entanto, reconhecer diante de nós mesmos e dos outros que
nos perdemos. Falta-nos a coragem de nos reconhecermos uma “ovelha
perdida”. Então escondemo-nos atrás de uma bela fachada, atrás de um
papel ou de uma máscara. Talvez tentemos encontrar o caminho por conta
própria, sem pedir ajuda, e nos encontramos cada vez mais perdidos. A
única verdadeira saída é clamar pelo Senhor como o salmista: “Eu me
perdi como ovelha perdida; busca o teu servo.” (Salmo 119,176).
Para concluir...
Gostaria de citar uma reflexão de Martin Buber (filósofo e teólogo de origem judaica) sobre a pergunta de Deus “Onde estás?”.
“Adão
se esconde para não ter que prestar contas, para fugir da
responsabilidade pela própria vida. Assim se esconde todo homem, porque
todo homem é Adão e está na situação de Adão. Para fugir da
responsabilidade da vida que se viveu, a existência é transformada em um
mecanismo de ocultação. Justamente escondendo-se assim e persistindo
sempre nesse ocultamento “diante do rosto de Deus”, o homem desliza
sempre, e cada vez mais profundamente, na falsidade. Cria-se, assim, uma
nova situação que, dia após dia e de ocultamento em ocultamento, se
torna cada vez mais problemática. É uma situação caracterizável com
extrema precisão: o homem não pode escapar ao olhar de Deus mas,
tentando esconder-se d’Ele, esconde-se de si mesmo. Mesmo dentro de si
conserva algo que o busca, mas a esse algo torna sempre mais difícil
encontrá-lo. E é justamente nessa situação que o alcança a pergunta de
Deus: quer perturbar o homem, destruir o seu mecanismo de ocultação,
mostrar-lhe onde o levou um caminho errado, fazer nascer nele um ardente
desejo de sair dela.” (O caminho do homem).
P. Manuel João Pereira Correia mccj
Verona, 6 de junho de 2024
Para o texto completo, ver:https://comboni2000.org/2024/06/07/reflexao-do-domingo-onde-estas-fora-ou-dentro-perdido-ou-encontrado/
P. Manuel João Pereira Correia mccj
p.mjoao@gmail.com
https://comboni2000.org
Sem comentários:
Enviar um comentário