sábado, 29 de junho de 2024

Immanuel Kant: O Homem e Deus Anselmo Borges Padre e professor de Filosofia 29 Junho 2024

 Immanuel Kant: O Homem e Deus

Anselmo Borges

Padre e professor de Filosofia

29 Junho 2024

Neste tempo dominado por maquinarias de estupidificação, quando o que mais

falta é, por isso mesmo, pensar criticamente, não podia deixar passar o terceiro

centenário do seu nascimento sem uma brevíssima referência. Refiro-me a

Immanuel Kant, que nasceu no dia 22 de Abril de 1724 em Königsberg, antiga

Prússia, actualmente Kaliningrado, um enclave russo entre a Polónia e a Lituânia, e

que morreu nessa mesma cidade no dia 12 de Fevereiro de 1804. É lá, na catedral

de Kaliningrado, que se encontra uma lápide com a sua frase célebre: “Duas coisas

enchem a mente de uma admiração e um respeito sempre novos e crescentes

quanto mais frequentemente e com maior persistência delas se ocupa a reflexão: o

céu estrelado sobre mim e a lei moral em mim”.

Kant, um dos maiores filósofos de sempre, deixou um legado essencial: uma atitude

de pensamento crítico que vá ao essencial. “Sapere aude!” Ousa saber, ousa pensar,

atreve-te a saber, atreve-te a pensar! “Que é Iluminismo? O Iluminismo é a

libertação do ser humano da sua incapacidade culpada. A incapacidade significa a

impossibilidade de servir-se da sua inteligência sem a guia de outro. Esta

incapacidade é culpada porque a sua causa não reside na falta de inteligência mas

na falta de decisão e coragem para servir-se por si mesmo dela sem a tutela de

outro. Sapere aude! Tem a coragem de servir-te da tua própria razão!”

Em síntese, a obra de Kant vai ao encontro destas três perguntas essenciais: “Que

posso saber?”, “Que devo fazer?”, “O que é que me é permitido esperar?”

Na sequência do sua “revolução copernicana” quanto ao conhecimento, concluiu

que, escapando à experiência, Deus e a imortalidade não podem ser conhecidos.

Não são demonstráveis.

Como agir bem, moralmente? Há para isso um critério seguro? Este critério não

está em seguir os desejos ou inclinações pessoais, os hábitos de acção dos grupos

ou países. Esse critério também não se encontra na busca da felicidade. Para Kant,

esse critério consiste num “imperativo categórico”. Em que consiste? Se queremos

saber se uma acção é moral, deve-se sujeitar a máxima ou regra pela qual nos

guiamos a um teste de universalização. Assim, numa das suas formulações: “Age

como se a máxima da tua acção devesse ser erigida pela tua vontade em lei

universal de natureza”. Quando agimos, se queremos saber se estamos a agir

moralmente, perguntemos: o que aconteceria se todos aplicassem a regra ou

máxima. Um exemplo: a mentira. É moral mentir? Para sabê-lo, perguntemos: é

universalizável? O que sucederia se todos mentissem? É evidente que a própria

mentira se tornaria absurda, pois mentir só vale, isto é, só tem eficácia, no

pressuposto de que as pessoas confiam no que alguém lhes diz. Portanto, mentir é

imoral. Outro exemplo, este pela positiva: aliviar o sofrimento dos desgraçados.

Neste caso, os sofrimentos próprios da condição humana encontrariam sempre um

alívio. Aí está, pois, uma acção moral. Kant segue, portanto, na sua apreciação

moral, um critério racional em autonomia. Mas, uma vez que nem sempre é fácil

este critério da universalização, Kant propõe outra formulação do mesmo

imperativo categórico: “Age de tal modo que trates a humanidade tanto na tua

pessoa como na pessoa de todos os outros sempre como um fim, nunca como um

simples meio”. Cá está, pois: as coisas têm um preço, porque são meios, o Homem

não tem preço, mas dignidade, porque é fim.

Do dever moral enquanto imperativo categórico, seguem-se os chamados

postulados da razão prática.

Em primeiro lugar, a liberdade. Diz Kant: “Podes, porque deves”. Se deves, podes; é

pela lei moral que sabemos que somos livres; agir moralmente é afirmar a

liberdade, que não é arbítrio, e, por isso, educar tem de ser educar para a liberdade.

Neste sentido, há um célebre exercício mental na sua Crítica da razão prática, que

obriga a pensar. Suponhamos que alguém, sob pena de morte imediata, se vê

confrontado com a ordem de levantar um falso testemunho contra uma pessoa que

sabe ser inocente. Nessas circunstâncias e por muito grande que seja o seu amor à

vida, pensará que é possível resistir. “Talvez não se atreva a assegurar que assim

faria, no caso de isso realmente acontecer; mas não terá outro remédio senão

aceitar sem hesitações que tem essa possibilidade.” Existem as duas

possibilidades: resistir ou não. “Julga, portanto, que é capaz de fazer algo, pois é

consciente de que deve moralmente fazê-lo e, desse modo, descobre em si a

liberdade que, sem a lei moral, lhe teria passado despercebida.”

A esperança da felicidade, imortalidade e Deus. Não é critério da moralidade a

busca da felicidade. Mas quem cumpre o seu dever moral incondicional torna-se

digno de ser feliz. Este merecer ser feliz mostra-se no exemplo acabado de

apresentar. Suponhamos que a pessoa preferiu de facto ser morta a levantar um

falso testemunho contra o inocente. Casos destes acontecem, há muitos exemplos

históricos. Ora, a ligação entre o dever cumprido e a felicidade não se dá neste

mundo, pelo contrário, o cumprimento do dever implicou dar a vida. Por isso,

postula-se a imortalidade e exige-se moralmente que Deus exista.

Embora nunca tenha saído da sua cidade natal, tinha ideias cosmopolitas e é dele a

expressão Völkerbund (Liga de Povos) como organização internacional em ordem à

paz mundial, concretizada no século XX na Sociedade das Nações e na ONU.

P. S. Estimados leitores e leitoras, até Agosto!

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