sábado, 27 de julho de 2024

Cinco pães e dois peixes, a receita do milagre! Pe. Manuel João - MC

 Cinco pães e dois peixes, a receita do milagre!

 

Ano B – Tempo Comum – 17º domingo
João 6,1-15: "Este é realmente o profeta"

 

Neste domingo, a liturgia interrompe a leitura do evangelho de Marcos, quando havíamos chegado ao relato da multiplicação dos pães, para incluir a leitura da versão joanina deste milagre. Durante cinco domingos, ouviremos o capítulo 6 do evangelho de João, o capítulo mais longo e um dos mais densos dos quatro evangelhos. A multiplicação dos pães é o único milagre contado por todos os evangelhos. Na verdade, encontramo-lo seis vezes, já que é duplicado em Marcos e Mateus. Isso faz-nos entender a importância que os primeiros cristãos deram a este evento tão sensacional.

O capítulo 6 de João é particularmente rico e profundo do ponto de vista simbólico. Este “sinal” (assim João chama os milagres) é meditado e elaborado com grande cuidado, como ele faz com todos os sete “sinais” que recolhe no seu evangelho. No centro do relato encontramos o “pão”, mencionado 21 vezes (de 25 em todo o evangelho de João). No pano de fundo da narrativa e do discurso que se segue na sinagoga de Cafarnaum, encontramos a referência à eucaristia. Lembremos que João não relata a instituição da eucaristia, substituída pela lavagem dos pés. Aqui ele apresenta a sua meditação sobre a eucaristia.

O risco do reducionismo

Antes de nos aproximarmos do texto, parece-me oportuno sublinhar a necessidade de evitar alguns possíveis reducionismos:

1) Concentrar a nossa atenção quase exclusivamente no aspecto milagroso, ou seja, na dimensão histórica, no “facto” em si. Os quatro evangelistas dão versões com detalhes bastante diferentes. Isso ajuda-nos a entender que cada um deles já faz uma releitura em função da sua comunidade, por isso o “facto” é entrelaçado com a sua interpretação catequética;

2) Considerar do relato apenas a dimensão simbólica, esvaziando o “sinal” da sua referência histórica, reduzindo-o assim a uma “parábola”. Sem a veracidade do milagre não se explica porque os evangelistas e a primeira comunidade cristã deram tanta importância a este “sinal”;

3) Interpretar o relato exclusivamente em chave eucarística. Todos os evangelistas ligam o milagre à eucaristia, mas a narrativa tem um alcance mais amplo e mais rico. No texto de João 6 a referência explícita à eucaristia aparece apenas no final do discurso de Jesus;

4) Fazer uma leitura unívoca do texto, ou seja, apenas “religiosa” (o milagre como figura do alimento espiritual), ou unicamente “material” (como um simples convite à partilha e à solidariedade).

Alguns elementos simbólicos

1) A nova Páscoa. “Estava próxima a Páscoa, a festa dos judeus”. A referência à Páscoa não é apenas uma anotação temporal, mas tem um alcance simbólico. Esta “grande multidão” já não vai em direção a Jerusalém para celebrar a Páscoa, mas em direção a Jesus. Ele é a nova Páscoa que dá início ao êxodo definitivo da nossa libertação.

2) O novo Moisés. “Jesus subiu ao monte e sentou-se ali com os seus discípulos”. Este subir ao monte (primeiro com os discípulos e depois sozinho) lembra-nos Moisés. A comparação é ainda mais evidente se considerarmos que logo em seguida vem o relato de Jesus caminhando sobre o mar (Jo 6,16-21). Jesus é o novo Moisés, o novo profeta e líder do povo de Deus que está prestes a oferecer o novo maná.

3) O verdadeiro Pastor. “Façam-os sentar. Havia muita relva naquele lugar”. Esta anotação, além de ser uma referência à primavera e ao período da Páscoa, nos remete ao salmo 23: “O Senhor é o meu pastor, nada me faltará. Em verdes pastos me faz descansar”. Jesus, que reúne a multidão ao seu redor e percebe as suas necessidades, é o Pastor prometido por Deus (Ezequiel 34,23).

4) O novo maná. “Recolham os pedaços que sobraram, para que nada se perca”. O maná não devia ser recolhido para o dia seguinte, exceto para o sábado (Êxodo 16,13-20). Aqui, no entanto, Jesus recomenda recolher os pedaços que sobraram. Não tanto para que nada se desperdice, mas como uma alusão à eucaristia. “Eles recolheram-nos e encheram doze cestos”, tantos quantas as doze tribos de Israel, como as horas do dia e os meses do ano.

Dois pontos de reflexão

1) Converter-se a uma visão global, integral do Reino. Notamos, antes de tudo, que Jesus se preocupa não apenas com a fome espiritual das pessoas, mas também com a fome física. Não podemos ignorar que, além da fome da Palavra, há também uma fome dramática de pão no mundo. O Reino de Deus diz respeito à totalidade da pessoa. No entanto, em nossa mentalidade persiste uma visão dualista da vida, uma separação entre a esfera espiritual e a material. “As pessoas vão à igreja para rezar; para comer, cada um volta para sua casa e se arranja!”: esta é a nossa lógica, muito prática! E era a dos apóstolos, como vemos na versão do relato do evangelho de Lucas, onde eles dizem a Jesus: “Está a ficar tarde, manda a multidão embora para que vá às aldeias e campos ao redor para encontrar hospedagem e comida”. Jesus, no entanto, parece carecer de senso prático e responde-lhes: “Vocês mesmos deem-lhes de comer” (Lucas 9,12-13). A Igreja não pode alienar-se das condições em que a humanidade vive, “caída nas mãos dos ladrões”!

2) Da economia do comércio para a do dom. “Onde poderemos comprar pão para que estes tenham de comer? Ele disse isso [Jesus a Filipe] para testá-lo”. Por que ele pergunta justamente a Filipe? Porque é um tipo prático e esperto (veja Jo 1,46; 14,8-9). De facto, ele faz as contas rapidamente: “Duzentos denários de pão não seriam suficientes para que cada um recebesse um pedaço!” Duzentos denários era muito, considerando que um denário era o salário diário de um trabalhador. Neste ponto, intervém André, seu amigo e conterrâneo, já que Jesus havia perguntado “onde” se podia encontrar pão: “Aqui está um rapaz que tem [para vender?] cinco pães de cevada e dois peixes”, mas percebendo o absurdo, acrescenta rapidamente: “mas o que é isso para tanta gente?”. Mas 5+2 dá 7, o número da plenitude. Para Jesus é mais do que suficiente. E o milagre acontece!

Hoje em dia, vemos poucos milagres deste tipo. Como Gideão, poderíamos perguntar-nos: “Onde estão todas as suas maravilhas que nossos pais nos contaram?” (Juízes 6,13). Mas se hoje não ocorrem “milagres”, não é porque “o braço do Senhor se encolheu” (Isaías 59,1). Ele gostaria de realizar muitos milagres: o milagre de acabar com a fome no mundo, de fazer desaparecer as guerras que matam seus filhos e filhas e desfiguram a sua criação, de instaurar definitivamente um mundo novo onde reina a paz e a justiça... No entanto, há um problema. Deus, depois de criar o homem, decidiu não fazer mais nada sem a cooperação dos homens. O Senhor gostaria de realizar milagres, mas faltam-lhe os ingredientes que só nós podemos oferecer. Faltam-lhe os cinco pães de cevada e os dois peixes, que insistimos em querer vender, em vez de compartilhá-los.

Para a reflexão semanal

1) Quais são os “cinco pães de cevada e os dois peixes” que o Senhor me está a pedir para mudar minha vida?
2) Que lógica predomina na minha vida: a do acúmulo ou a da solidariedade?
3) Para meditar:
- “Se compartilhamos o pão do céu, como não compartilharemos o da terra?” (Didaqué);
- “O pão do necessitado é a vida dos pobres, quem o priva dele é um assassino. Mata o próximo quem lhe tira o sustento, derrama sangue quem nega o salário ao trabalhador.” (Sirácide 34,25-27);
- “No mundo há pão suficiente para a fome de todos, mas insuficiente para a ganância de poucos” (Gandhi).

Pe. Manuel João Pereira Correia MCCJ
Verona, 25 de julho de 2024

P. Manuel João Pereira Correia mccj
p.mjoao@gmail.com
https://comboni2000.org

 

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