Eu sou o pão da vida
Ano B – Tempo Comum – 18º domingo
João 6,24-35: "Eu sou o Pão da Vida"
Após o relato da multiplicação dos pães, hoje, e nos próximos três domingos, continuaremos a leitura do capítulo 6 do evangelho de São João, uma
longa catequese sobre o significado do "sinal" (milagre) operado por
Jesus. Retornando dos arredores de Tiberíades, estamos agora em
Cafarnaum, na sinagoga (v. 59). Lembremos o contexto. Após o milagre,
"Jesus, sabendo que viriam buscá-lo para o fazerem rei, retirou-se
novamente, sozinho, para o monte", enquanto seus discípulos, ao
entardecer, subiram no barco e se dirigiram para Cafarnaum. A liturgia
saltou esta segunda unidade do capítulo (6,16-21), que conta o episódio
de Jesus que, caminhando sobre as águas, alcança seus discípulos no
barco.
Um discurso em diálogo
A
reflexão sobre o "sinal" é apresentada em forma de diálogo entre a
multidão e Jesus. Encontramos três perguntas e um pedido da multidão,
aos quais Jesus responde com outras tantas intervenções.
1. "Mestre, quando chegaste aqui?". A
MULTIDÃO ficara surpresa porque não encontrara Jesus onde ele tinha
ficado no dia anterior, ou seja, nos arredores de Tiberíades.
-
JESUS, em vez de responder à questão deles, vai direto à intenção da
busca deles: "Em verdade, em verdade vos digo: vós PROCURAIS-ME, não
porque vistes milagres, mas porque comestes dos pães e ficastes
saciados"; e conclui com uma exortação: "Trabalhai, não tanto pela
comida que se perde, mas pelo alimento que dura até à vida eterna".
2. "Que devemos nós fazer para praticar as obras de Deus?". A MULTIDÃO pede uma explicação sobre o "fazer" e "praticar", ou seja, quais obras realizar.
- JESUS responde-lhes que uma única obra é necessária: "A OBRA de Deus consiste em acreditar naquele que ele enviou".
3. "Que milagres fazes tu, para que nós vejamos e acreditemos em ti? Que obra realizas?". Dado
que Jesus reclama uma confiança total na sua pessoa, a MULTIDÃO pede um
sinal adicional, uma obra maior do que a que Jesus havia feito. Jesus
havia alimentado uma multidão de cinco mil e uma única vez, enquanto,
segundo eles, Moisés com o maná havia nutrido todo um povo durante
quarenta anos!
Ao que JESUS responde: "Não foi Moisés que vos deu o
PÃO do Céu; meu Pai é que vos dá o verdadeiro pão do Céu". Ou seja, não
foi Moisés, mas o Pai que deu o maná no passado e agora oferece a eles o
pão verdadeiro, realmente descido do céu"!
Esta primeira parte do diálogo se conclui com a "oração" da multidão: "Senhor, dá-nos sempre desse pão".
Mas qual pão?! Jesus responde com uma revelação: "Eu sou o pão da
vida!" EU SOU ("Egō eimí", em grego) é uma alusão ao nome de Deus!
Até
aqui, poder-se-ia dizer que a multidão manifesta certa receptividade.
Afinal, eles procuraram Jesus, pediram explicações e formularam uma
espécie de "oração". Contudo, notamos uma persistente ambiguidade de
fundo. Enquanto Jesus tenta levá-los a uma leitura espiritual, profunda,
do "sinal" miraculoso, a multidão permanece fixada no pão material.
Veremos o que acontecerá nos próximos domingos. Não podemos, contudo,
julgá-los e muito menos condená-los, pois eles não são senão o espelho
de nossa realidade!
Aprofundar o sinal
Procuremos
aprofundar o "sinal", pedindo ao Pai que nos atraia para Jesus. Ele nos
dirá no próximo domingo: "Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me
enviou não o atrair" (v. 44). Façamos esse trabalho de aprofundamento
através de três palavras ou conceitos que sintetizam o diálogo entre
Jesus e a multidão: a procura, a obra e o pão.
1. A PROCURA. O
relato começa com a procura. A multidão procura Jesus e o encontra em
Cafarnaum. A procura é uma atitude natural de quem experimenta a sua
própria indigência, nas suas várias formas. É também a atitude daquele
que acredita e tem sede de Deus: "Desde a aurora eu te procuro, ó Deus"
(Salmo 63). O tema da procura é caro a São João. As primeiras palavras
de Jesus são: "Que procurais?", dirigidas aos dois discípulos que o
seguiam (João 1,38). Denunciando a não autenticidade da busca da
multidão, Jesus interpela também a cada um de nós. O que procuro eu no
meu relacionamento com Cristo? Simplesmente uma ajuda, um benefício, uma
graça ou uma consolação? Ou busco realmente estabelecer com ele um
vínculo autêntico de amor e confiança? Nossa resposta pode parecer quase
óbvia. Apenas um exame contínuo e sincero de nossas motivações mais
profundas levará a um longo, árduo e, por vezes, até doloroso trabalho
de purificação!
2. A OBRA. A
única obra daquele que acredita é buscar, conhecer e amar cada vez mais
o seu Senhor. Todos os dias nos esforçamos para ganhar o pão material.
Um compromisso semelhante deve ser assumido na busca de conhecer o
Senhor, através da Palavra de Deus, da oração e da reflexão sobre os
acontecimentos da vida. O dia em que não cresci no conhecimento do
Senhor foi um dia desperdiçado!
3. O PÃO. O
pão é o tema central das leituras: encontramo-lo mencionado inúmeras
vezes na primeira leitura, no salmo e no evangelho. De que pão se trata?
Sim, também se trata do pão material, pois quando falta o pão,
facilmente se perde a liberdade. Isso é bem retratado na primeira
leitura (Êxodo 16), onde Israel recorda com saudade o tempo da
escravidão em que podia comer carne e pão à vontade. Para comer, os
trabalhadores deixam-se explorar pelo patrão. Para comer, tantas jovens
mulheres são obrigadas a prostituir-se nas ruas de nossas cidades. Para
comer, vendemos a nossa dignidade, como Esaú por um prato de
lentilhas!...
Mas "não só de pão vive o homem"! A
Palavra de Deus convida-nos a tomar consciência dos diferentes tipos de
fome que há em nosso coração e de como e com o que os estamos saciando.
Jesus se propõe como o "Pão da Vida" que sacia a fome e a sede de vida
que carregamos dentro de nós. Jesus ainda não está a falar da
eucaristia, mas de si mesmo como a Palavra descida do céu. "A Palavra se
fez carne" (João 1,14). Podemos então orar verdadeiramente como a
multidão do evangelho: "Senhor, dá-nos sempre desse pão", o Pão que és
tu, Palavra do Pai, descida do Céu!
P. Manuel João Pereira Correia,
Verona, 2 de agosto de 2024
P. Manuel João Pereira Correia mccj
p.mjoao@gmail.com
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