Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia
08 Dezembro 2024
Santo Agostinho é um génio. E a sua influência foi determinante para o homem
europeu e, depois, com a missionação, para a Humanidade, sendo necessário
acrescentar que esta influência foi para o bem e para o mal. Como exemplo da
influência negativa pense-se no seu pessimismo, que o levou à convicção de que o
prazer sexual está sempre ligado ao pecado, pois a finalidade da relação sexual devia
ser unicamente a procriação.
Baseado na tradução latina da Carta de S. Paulo aos Romanos, 5,12, referente a Adão:
“no qual todos pecaram”, Santo Agostinho, contra o texto original grego, que diz:
“porque todos pecaram”, interpretou - ele não sabia grego - que o pecado de Adão não
é apenas o primeiro da série de todos os pecados cometidos pelos homens e mulheres
ao longo da História, mas que esse pecado é um pecado hereditário, de tal modo que é
um pecado de todos, transmitido por geração no acto sexual. Portanto, o recém-
nascido não é inocente, nasce em pecado, do qual, para evitar a condenação eterna, só
o baptismo o pode libertar.
Foi pelo pecado de Adão que veio todo o mal ao mundo, incluindo a morte. Esse
pecado tornou a Humanidade toda “massa condenada” ao Inferno, do qual só alguns
são libertados pela graça imerecida de Deus.
Pelo pecado, Adão destruiu um bem que podia ser eterno, tornando-se merecedor, ele
e todos nele, de um mal eterno: “Daqui - escreve ele -, a condenação de toda a massa
do género humano, pois o primeiro culpado foi castigado com toda a sua posteridade,
que estava nele como na sua raiz. Assim ninguém escapa a esse suplício justo e devido,
a não ser por uma misericórdia e uma graça indevidas. E é tal a disposição dos homens
que nalguns aparece o valor de uma graça misericordiosa e, nos outros, o de uma justa
vingança.”
Assenta aqui a doutrina da dupla predestinação, que continuaria radicalizada
sobretudo em Calvino.
É neste enquadramento que surge a festa que se celebra hoje, 8 de Dezembro, com
feriado nacional: a Imaculada Conceição de Nossa Senhora. Quer dizer, Maria, a mãe
de Jesus, seria uma excepção, pois teria sido concebida sem pecado original.
É claro que, como já aqui expliquei, não há pecado original como o entendeu Santo
Agostinho. Jesus não falou no pecado original, e que mãe acredita que o seu bebé
acabado de nascer foi gerado em pecado?
Assim, o que de facto se celebra é a esperança de que no final se realize o Reino de
Deus na sua plenitude, pondo termo a todo o calvário do mundo, ao horror do
sofrimento sem nome, a esse cortejo infindo de ódio, de malvadez, de vingança, de
loucura, de pecado, que realizou todo o mal e toda a tragédia e todas as lágrimas que
causamos uns aos outros e o número incontável de vítimas inocentes...
Do ponto de vista filosófico, Theodor Adorno, agnóstico, exprimiu assim a ânsia de
redenção, que habita no coração de todos os homens e mulheres: “Face ao desespero,
o único modo que ainda resta à filosofia de responsabilizar-se é a tentativa de
considerar todas as coisas como aparecem desde o ponto de vista da redenção. A única
luz do conhecimento é a que brilha no mundo desde a perspectiva da redenção”; tudo
o mais é apenas técnica.
No fundo, o que se celebra é a “santa esperança”, como dizia Péguy, a esperança de
que a paz, a justiça, a fraternidade, a salvação, a vida eterna, um dia irrompam no
mundo para todos. Para que a história do mundo e da Humanidade não desemboque
pura e simplesmente no sem sentido.
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