A mulher na Igreja
Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia
15 Dezembro 2024
Se a verdade é mulher, não teremos razões para suspeitar que todos os filósofos, na
medida em que foram dogmáticos, pouco entenderam de mulheres?” É com estas
palavras que Nietzsche inicia a sua obra Para Além do Bem e do Mal, escrita em Sils-
Maria, 1885.
Esta afirmação aplica-se não só aos filósofos, mas também aos teólogos, e, em geral,
infelizmente, aos dirigentes, por princípio homens, da Igreja Católica.
Embora se não excluam traços maternos em Deus, a Bíblia chama a Deus Pai e não
Mãe. Em primeiro lugar, porque se vivia numa sociedade patriarcal, e, depois, porque
era necessário evitar toda uma linguagem que lembrasse as deusas pagãs da
fertilidade...
É claro que Deus não é sexuado; portanto, chamar-lhe Pai é uma metáfora. Assim,
tanto poderíamos dirigir-nos a ele como a ela, isto é, tanto poderemos chamar-lhe Pai
como Mãe. E acrescento mesmo: o Deus que Jesus anunciou é o Deus bom e os
cristãos deveriam dirigir-se-lhe sempre como Pai e Mãe (Pai/Mãe) - veja-se o famoso
quadro de Rembrandt “O Regresso do Filho Pródigo” e repare-se nas mãos do Pai...
No Credo cristão, referimo-nos a Deus como Pai omnipotente criador do céu e da terra.
Não dizemos: Mãe omnipotente. Isso está também vinculado à concepção da biologia
grega, concretamente aristotélica, que, no acto da geração, atribuía toda a actividade
ao sémen masculino. Portanto, a mulher era considerada essencialmente passiva. Não
se esqueça que o óvulo feminino só em 1827 foi descoberto. Por isso, Santo Tomás de
Aquino, na sequência de Aristóteles dirá expressamente que “a mulher é algo de
falhado”: de facto, de si, a força activa do sémen está orientada para gerar uma
realidade plenamente semelhante, portanto, do sexo masculino; a geração do feminino
acontece devido a uma fraqueza. Daqui concluirá que por natureza a mulher é
subordinada ao homem, que os filhos devem amar mais o pai do que a mãe, que o
sacerdócio está vedado às mulheres, que as mulheres não podem pregar, pois a
pregação é um exercício de sabedoria e autoridade, etc...
Estas e outras razões, como, por exemplo, influências gnósticas e o celibato obrigatório
dos padres, contribuíram para que a Igreja Católica se tornasse altamente
hierarquizada e masculinizada, patriarcal. Note-se como a própria língua, que é
sedimentação e forma de um mundo, está, no referente à autoridade, estruturada de
modo machista: basta pensar que, se já não nos causa hoje dificuldade ouvir falar em
ministra, por exemplo, ainda constitui autêntica agressão dizer, por exemplo, uma
bispa... E que nome dar a uma católica feita cardeal?!...
Padre e professor de Filosofia
15 Dezembro 2024
Se a verdade é mulher, não teremos razões para suspeitar que todos os filósofos, na
medida em que foram dogmáticos, pouco entenderam de mulheres?” É com estas
palavras que Nietzsche inicia a sua obra Para Além do Bem e do Mal, escrita em Sils-
Maria, 1885.
Esta afirmação aplica-se não só aos filósofos, mas também aos teólogos, e, em geral,
infelizmente, aos dirigentes, por princípio homens, da Igreja Católica.
Embora se não excluam traços maternos em Deus, a Bíblia chama a Deus Pai e não
Mãe. Em primeiro lugar, porque se vivia numa sociedade patriarcal, e, depois, porque
era necessário evitar toda uma linguagem que lembrasse as deusas pagãs da
fertilidade...
É claro que Deus não é sexuado; portanto, chamar-lhe Pai é uma metáfora. Assim,
tanto poderíamos dirigir-nos a ele como a ela, isto é, tanto poderemos chamar-lhe Pai
como Mãe. E acrescento mesmo: o Deus que Jesus anunciou é o Deus bom e os
cristãos deveriam dirigir-se-lhe sempre como Pai e Mãe (Pai/Mãe) - veja-se o famoso
quadro de Rembrandt “O Regresso do Filho Pródigo” e repare-se nas mãos do Pai...
No Credo cristão, referimo-nos a Deus como Pai omnipotente criador do céu e da terra.
Não dizemos: Mãe omnipotente. Isso está também vinculado à concepção da biologia
grega, concretamente aristotélica, que, no acto da geração, atribuía toda a actividade
ao sémen masculino. Portanto, a mulher era considerada essencialmente passiva. Não
se esqueça que o óvulo feminino só em 1827 foi descoberto. Por isso, Santo Tomás de
Aquino, na sequência de Aristóteles dirá expressamente que “a mulher é algo de
falhado”: de facto, de si, a força activa do sémen está orientada para gerar uma
realidade plenamente semelhante, portanto, do sexo masculino; a geração do feminino
acontece devido a uma fraqueza. Daqui concluirá que por natureza a mulher é
subordinada ao homem, que os filhos devem amar mais o pai do que a mãe, que o
sacerdócio está vedado às mulheres, que as mulheres não podem pregar, pois a
pregação é um exercício de sabedoria e autoridade, etc...
Estas e outras razões, como, por exemplo, influências gnósticas e o celibato obrigatório
dos padres, contribuíram para que a Igreja Católica se tornasse altamente
hierarquizada e masculinizada, patriarcal. Note-se como a própria língua, que é
sedimentação e forma de um mundo, está, no referente à autoridade, estruturada de
modo machista: basta pensar que, se já não nos causa hoje dificuldade ouvir falar em
ministra, por exemplo, ainda constitui autêntica agressão dizer, por exemplo, uma
bispa... E que nome dar a uma católica feita cardeal?!...
As mulheres têm toda a razão quando criticam a Igreja oficial, pois ela discrimina-as de
modo indigno. Mas têm obrigação de ser amigas de Jesus, pois ele não só não as
discriminou como as defendeu sempre. Pense-se - só exemplos - na samaritana, na
adúltera...; pense-se sobretudo em Maria Madalena, a primeira a fazer a experiência
avassaladora de fé de que Jesus, o crucificado, ressuscitou, está vivo em Deus para
sempre; ela reuniu de novo os discípulos, que tinham fugido, de tal modo que até
Santo Tomás a chamou a “Apóstola dos Apóstolos”...
Constitui, pois, uma amarga desilusão que o Sínodo que terminou em Outubro com a
aprovação do Papa mantenha as portas fechadas à possibilidade da ordenação das
mulheres. Contra o Evangelho e os direitos humanos, continua o “clericalismo” que
Francisco tanto diz ser “a peste” da Igreja.
(Continua
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