A liberdade religiosa na Declaração
Digitatis Humanae e a realidade actual
A Declaração Conciliar Dignitatis Humanae
(Dignidade Humana) aprovada no dia 7 de dezembro de 1965, refere-se ao direito
da pessoa e das comunidades à liberdade social e civil em matéria religiosa,
demonstrando grande sensibilidade para com os problemas da liberdade e dos
Direitos Humanos, em consonância com a GS.
Ainda hoje, o direito à liberdade religiosa
não é corretamente entendido e nem suficientemente respeitado e, de modo
particular, no Oriente Médio, na Ásia, na África e na Europa se registram
perseguições, discriminações, atos de violência e intolerância baseados na
religião. Em algumas regiões não é possível professar e exprimir livremente a
própria religião sem pôr em risco a vida e a liberdade pessoal.
Todas as formas de violação da liberdade
religiosa, assim como aquelas que incidem sobre os outros direitos fundamentais
da pessoa humana, são extremamente prejudiciais. Por isso a preocupação deste
documento é destacar que a pessoa humana tem direito à liberdade religiosa: os
homens todos devem ser imunes da coação tanto por parte de pessoas particulares
quanto de grupos sociais e de qualquer poder humano. De modo que, em assuntos
religiosos, cada qual tem o direito de procurar a verdade em matéria religiosa,
a fim de chegar por meios adequados a formar prudentemente juízos retos e
verdadeiros de consciência. Portanto, que ninguém seja forçado a agir contra a
própria consciência, nem impedido de proceder segundo a mesma, em privado ou em
público, só ou associado, dentro dos devidos limites; e que a liberdade das
pessoas e das associações não seja restringida, no que se refere ao livre
exercício da religião na sociedade.
A DH declara que o direito à liberdade
religiosa se fundamenta na dignidade da pessoa humana, que cada pessoa tem o
direito segundo a sua própria consciência de procurar a verdade e que a verdade
não se impõe pela violência, mas pela força da própria verdade. Com efeito, a
abertura à verdade, ao bem e a Deus, própria da natureza humana, confere
dignidade a cada um dos seres humanos e é garantia do respeito recíproco entre
as pessoas. Neste sentido, a religião exerce uma força positiva e propulsora na
construção da sociedade civil e política, pois orienta princípios éticos
universais aos quais o direito e a liberdade são plenamente reconhecidos e
realizados, como se propõem os objetivos da Declaração Universal dos Direitos
do Homem de 1948. Obscurecer essa função pública da religião significa gerar
uma sociedade injusta; negar ou limitar arbitrariamente esta liberdade
significa cultivar uma visão redutiva da pessoa humana e dos direitos
universais e naturais que a lei humana não pode jamais negar; e respeitar os
elementos essenciais da dignidade do homem, como o direito à vida e o direito à
liberdade religiosa, é uma condição da legitimidade moral de toda a norma
social e jurídica.
O Concílio Vaticano II ensina que a
liberdade religiosa está na origem da liberdade moral que garante respeito
recíproco a cada homem ou grupo social no exercício dos seus próprios direitos,
tendo em conta os direitos alheios, além de seus próprios deveres para com os
outros e o bem comum da sociedade. O documento afirma que o conjunto das
condições que possibilitam aos homens alcançar mais plena e facilmente a
própria perfeição, consiste na salvaguarda dos direitos e deveres da pessoa
humana, pertencendo essencialmente a qualquer autoridade civil tutelar e promovendo
os direitos humanos invioláveis. O poder civil deve assegurar eficazmente, por
meio de leis justas e outros meios convenientes, a tutela da liberdade
religiosa de todos os cidadãos e proporcionar condições favoráveis ao
desenvolvimento da vida religiosa, de modo que possam realmente exercitar e
cumprir os seus deveres, e a própria sociedade se beneficiar dos bens da
justiça e da paz que derivam da fidelidade dos homens a Deus e à Sua Santa
Vontade.
Quando a liberdade religiosa é
reconhecida, a dignidade da pessoa também é respeitada na sua raiz, reforçando
a índole e as instituições dos povos. De entre os direitos fundamentais da
pessoa, a liberdade religiosa possui um estatuto especial, reconhecido na
organização jurídica e convertido em direito civil. Neste sentido, a liberdade
religiosa é também uma aquisição da civilização política e jurídica, patrimônio
não só dos crentes, mas da família inteira dos povos da terra. Desse modo, a
autoridade civil deve tomar providências para que a igualdade jurídica dos
cidadãos nunca seja lesada por motivos religiosos, nem entre eles se faça
qualquer discriminação, não sendo lícito ao poder público impor por medo ou
qualquer outro meio, a profissão ou a rejeição de determinada religião, ou
impedir alguém de entrar numa comunidade religiosa ou dela sair.
Também à família compete o direito de
determinar a forma de educação religiosa segundo suas próprias convicções. Esse
direito não pode ser violado pela autoridade civil, no caso dos alunos serem
obrigados a assistir a aulas que não correspondam à sua convicção religiosa. E,
assim, a autoridade civil deve reconhecer aos pais o direito de escolher com
verdadeira liberdade as escolas e outros meios de educação sem que, como
consequência desta escolha, se lhes imponha injustos encargos, direta ou
indiretamente.
O direito civil e social da liberdade
religiosa, enquanto atinge a esfera mais íntima do espírito humano, revela-se
ponto de referência e medida dos outros direitos fundamentais. Trata-se do
respeito à autonomia da pessoa, permitindo-lhe agir segundo sua consciência,
quer nas escolhas privadas, quer na vida social, assim, ninguém e nem o Estado
pode reivindicar uma competência direta ou indireta quanto às convicções das
pessoas.
Em muitas constituições nacionais, a
liberdade religiosa já é declarada como direito civil e devidamente reconhecida
por documentos internacionais, sinais promissores de nosso tempo. Porém, em
vários países existem normas legais e praxes administrativas que limitam ou
anulam, com os fatos, os direitos que as Constituições reconhecem formalmente a
cada um daqueles que professam qualquer tipo de crença ou fé, e aos grupos
religiosos.
Têm surgido, nos últimos anos, várias
Organizações públicas e privadas, nacionais e internacionais (Comité Internacional da Cruz Vermelha, UNESCO, Movimento Nacional de Direitos Humanos entre outras) para a defesa daqueles que,
em muitas partes do mundo são vítimas, em razão das suas convicções religiosas,
de situações ilegítimas e humilhantes para a humanidade inteira. Para este fim,
a Santa Sé, através do Vaticano II e de suas exortações sobre o
desenvolvimento, o direito dos povos, o diálogo ecumênico e interreligioso, a
dignidade humana e a paz mundial, têm procurado dar a sua contribuição
específica nas reuniões internacionais em que são debatidas a salvaguarda dos
direitos humanos e da paz. Tendo em vista que a liberdade religiosa tem suas
raízes na Revelação divina, mais ela deve ser respeitada, principalmente pelos
cristãos, pois manifesta em sua amplitude toda a dignidade da pessoa humana,
mostra o respeito de Cristo pela liberdade do homem no cumprimento do dever de
crer na palavra de Deus, e ensina qual o espírito que os discípulos de um
Mestre devem admitir e seguir em tudo.
Considerado como um dos principais
ensinamentos da doutrina católica, o homem deve responder voluntariamente a
Deus com a fé, e isso não deve acontecer contra a sua vontade. Por isso, a
Igreja, fiel à verdade evangélica, segue o caminho de Cristo e dos Apóstolos
quando reconhece e fomenta a liberdade religiosa em conformidade com a
dignidade humana e a Revelação divina. Foi Cristo quem dotou a Igreja com uma
liberdade sagrada, adquirida com o seu próprio sangue.
A liberdade da Igreja é um princípio
fundamental nas suas relações com os poderes públicos e toda a ordem civil, e é
exatamente por essa liberdade que Ela e os cristãos são vocacionados a difundir
a mensagem de Cristo, mestre em humanidade que anunciou a paz aos que estavam
perto e aos que estavam longe (Ef 2,14-17) dizendo: "Deixo-vos a paz, a minha
paz vos dou; não vo-la dou como o mundo dá" (Jo 14,27). Que os homens e as
mulheres, as sociedades de toda a terra, se deixem iluminar por essa paz de
Cristo, na preservação do direito e da integridade de todos e todas. Disto nos
lembrou o Papa Bento em sua mensagem para Celebração do 44º Dia Mundial da Paz,
de 01 de janeiro de 2011:
Liberdade Religiosa, Caminho para a Paz.
( Grupo de trabalho da Diocese de Campinas, S. Paulo, Brasil)
A realçar a importância do tema nos dias de hoje, está:
1.
O
relatório da Comissão sobre a Liberdade Religiosa Internacional dos Estados
Unidos (USCIFR) que, conforme refere a Voz Portucalense de 14/05/2014, afirma
estarem documentadas violações em 232 países…
2.
O Pe Tolentino de
Mendonça declara num seu artigo publicado na revista do jornal Expresso de 2 de
Agosto último “ que ,hoje, um dos mais frequentes atentados à liberdade tem a
forma da perseguição religiosa...no Egipto só no último ano, quatro dezenas de
igrejas cristãs foram saqueadas e incendiadas; mais de duas dezenas foram
atacadas à pedrada ou alvo de tiroteio; seis escolas e conventos foram
arrasados; uma frota de autocarros, pertencente aos cristãos coptas, foi
violentamente desativada…”.
3.
O Papa Francisco,
entrevistado pelos jornalistas no avião aquando da viagem à Terra Santa,
referiu que a falta de liberdade religiosa não é só em alguns países asiáticos
e, afirmando que há mesmo perseguição, concretamente aos cristãos, disse: “
Hoje, se não me equivoco, há mais mártires do que nos primeiros tempos da
Igreja”.
Braga, 13 de Setembro de 2014
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