sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

CARTA ABERTA AO MENINO JESUS...Fernando Paulo

meu menino infinitamente bom
vindo da terra prometida
ao colo de nossa senhora
num jeriquinho ruço
puxado por uma trela de estrelas
pela mão calejada de teu pai josé
com um bornal de pirilampos
e de sonhos
às costas
e um casalinho
de pombas
poisadas nas abas
do seu capote coçado
e cheio de serrim

em toda a parte estarás
como de deus se diz

mas agora assim
a bater o dente
em cada lágrima de frio e fome
como quem
já não tem
nem pai nem mãe
e é sem abrigo
já não me lembro que te visse
nem mesmo no tempo em que à lareira
a minha avó ceguinha
me contava em seu regaço a tua história
de pastores e de grutas
em terras de belém

estes meninos de carne e osso
que destilam a dor em corpo e alma
por esse mundo fora
e que são seguramente os teus melhores irmãos
e os mais amigos
não sabem quem tu és
nem por que é que fizeste
tal viagem
não compreendem mesmo
que ainda não tenhas tido tempo
para vir ter com eles
jogar o pião
e saltar ao eixo
no largo do terreiro

tu que tens tanto poder
vê lá se fazes alguma coisinha
em que os possas ajudar

segue junto no correio
uma cestinha
de corras e de vimes
com ovos mel e requeijão
feito do leite daquela nossa ovelha
a preta
lembras-te dela
que me disse o meu avô
que era bisneta
da que te viu parir
e te lambeu e te deu o bafo quentinho
naquela noite gelada em que vieste ao mundo

vê lá se não te esqueces cá da gente
vem aqui ter
que nós cá ficamos à tua espera
junto à fogueira
para fazermos um magusto
e brincarmos ao rapa e aos pinhões

depois da ceia
levamos-te connosco à missa do galopara beijares também aquele menino tão lindo

Fernando Paulo
(carta do tempo em que ainda não sabia escrever)

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