1. No Público do dia 26
deste mês, Alexandra Lucas Coelho fez uma impressionante reportagem, de quatro
páginas, sobre o Natal em Belém. O Público e a autora estão de parabéns.
Conta-nos que uma artista pôs uma incubadora com um Jesus
morto pelas bombas e colocou-a no pátio da Basílica da Natividade, bem no
caminho de quem passa. Cristo nasceu aqui há
2023 anos, crêem os cristãos. Este ano, em Belém, não há festa, mas houve missa
de Natal. Na homilia, o patriarca destacou que guerra e ocupação têm de acabar.
Foi o Natal mais triste de sempre. «A Europa vem rezar na nossa igreja e
não faz nada contra este genocídio». Mais de 100 mortos num ataque de Israel em
Gaza na noite de Natal!
Quem não se cala e grita a sua indignação é o Papa
Francisco e insiste que também nós não nos devemos calar. Na sua Mensagem Urbi
et Orbi, deste Natal, disse que, na Bíblia, ao Príncipe da paz opõe-se o «príncipe deste mundo» que,
semeando a morte, actua contra o Senhor, «amante da vida». Vemo-lo actuar em
Belém, quando, depois do nascimento do Salvador, se verifica a matança dos
inocentes. Quantas matanças de inocentes no mundo! No ventre materno, nas rotas
dos desesperados à procura de esperança, nas vidas de muitas crianças cuja
infância é devastada pela guerra. São os pequeninos Jesus de hoje, estas
crianças cuja infância é devastada pela guerra, pelas guerras.
Deste
modo, dizer «sim» ao Príncipe da paz significa dizer «não» à guerra, a toda a
guerra, à própria lógica da guerra, que é viagem sem destino, derrota sem
vencedores, loucura indesculpável. Mas, para dizer «não» à guerra, é preciso
dizer «não» às armas. Com efeito, se o ser humano, cujo coração é instável e
está ferido, encontrar instrumentos de morte nas mãos, mais cedo ou mais tarde,
usá-los-á. E como se pode falar de paz, se cresce a produção, a venda e o
comércio das armas? Hoje, como no tempo de Herodes, as conspirações do mal, que
se opõem à luz divina, movem-se à sombra da hipocrisia e do escondimento.
Quantos massacres armados acontecem num silêncio ensurdecedor, ignorados de
tantos! O povo, que não quer armas, mas pão, que tem dificuldade em acudir às
despesas quotidianas, ignora quanto dinheiro público é destinado a armamentos.
E, contudo, devia sabê-lo! Fale-se disto, escreva-se sobre isto, para que se
conheçam os interesses e os lucros que movem os cordelinhos das guerras.
O
profeta Isaías deixou escrito que virá um dia em que «uma nação não levantará a
espada contra outra»; um dia em que os homens «não se adestrarão mais para a
guerra», mas «transformarão as suas espadas em relhas de arado e as suas lanças
em foices». Com a ajuda de Deus, esforcemo-nos para que se aproxime esse dia!
Isto foi proclamado para toda a gente, crentes e não crentes.
2. Nas felicitações de Natal aos
cardeais, Bergoglio lembrou que, à distância de
sessenta anos do Concílio, ainda se debate sobre a divisão entre
«progressistas» e «conservadores», mas esta não é a diferença. A verdadeira
diferença é entre «apaixonados» e «rotineiros». Esta é a diferença. Só quem
ama, pode caminhar.
Termina, dizendo que o Senhor Jesus, Verbo Incarnado, nos dê
a graça da alegria no serviço humilde e generoso. E, por favor (vo-lo
recomendo!), não percamos o humor, que é saúde! E pede para rezarem por ele
diante do presépio.
Bergoglio escolheu o nome de Francisco para que a orientação de
todo o seu pontificado nunca se desviasse da espiritualidade de S. Francisco de
Assis. Para ele, o Presépio é como um Evangelho vivo que transvaza das páginas
da Sagrada Escritura. Ao mesmo tempo que contemplamos a representação do Natal,
somos convidados a colocar-nos espiritualmente a caminho, atraídos pela
humildade d’Aquele que Se fez homem a fim de Se encontrar com toda a humanidade
e a descobrir que nos ama tanto, que Se uniu a nós para podermos, também nós,
unir-nos a Ele e ao seu caminho[1].
Devemos agradecer ao Papa o ter alargado o tempo de
preparação da última fase do Sínodo para que tenhamos, cada vez mais, lideranças
apaixonadas, nas comunidades cristãs, para superar as rotineiras que não andam nem
deixam andar.
3. Por iniciativa de Paulo VI, o primeiro dia de Janeiro de
cada ano é dedicado à reflexão, aos protestos, aos movimentos que procuram
despertar os cristãos para as formas de dizer não à guerra e descobrir caminhos
de paz. O impacto dessas Mensagens depende muito do que elas provocam, a nível
mundial, segundo os problemas de cada país e as movimentações e acções que suscita.
Não podemos esquecer, por exemplo, a importância clandestina e pública que
tiveram na denúncia das nossas guerras coloniais.
Para não se cair na rotina destes Dias Mundiais, é
importante estar atento aos problemas da guerra e da paz, segundo as situações
mais problemáticas de cada época. Não basta pensar nas circunstâncias de cada
país porque, mais uma vez, a Fratelli Tutti obriga a tomar, como
próprios, os problemas de toda a humanidade. Esta dimensão universal está bem
destacada na Mensagem para 2024, que intitula Inteligência Artificial e Paz.
Poderá parecer que se trata de um assunto limitado e abstracto. Pelo contrário,
está a afectar a vida de todos de várias maneiras:
«No
início do novo ano, tempo de graça concedido pelo Senhor a cada um de nós,
quero dirigir-me ao Povo de Deus, às nações, aos Chefes de Estado e de Governo,
aos Representantes das diversas religiões e da sociedade civil, a todos os
homens e mulheres do nosso tempo para lhes expressar os meus votos de paz».
O
progresso da ciência e da tecnologia deve servir a paz e não a guerra que é
devastadora. Como diz o Papa, a imensa expansão da tecnologia deve ser
acompanhada por uma adequada formação da responsabilidade pelo seu
desenvolvimento. A liberdade e a convivência pacífica ficam ameaçadas, quando
os seres humanos cedem à tentação do egoísmo, do interesse próprio, da ânsia de
lucro e da sede de poder. Por isso, temos o dever de alargar o olhar e orientar
a pesquisa técnico-científica para a prossecução da paz e do bem comum, ao
serviço do desenvolvimento integral do ser humano e da comunidade.
O
Papa insiste que «a dignidade intrínseca de cada pessoa e a fraternidade, que
nos une como membros da única família humana, devem estar na base do
desenvolvimento de novas tecnologias e servir como critérios indiscutíveis para
as avaliar antes da sua utilização, para que o progresso digital possa
verificar-se no respeito pela justiça e contribuir para a causa da paz. Os
avanços tecnológicos que não conduzem a uma melhoria da qualidade de vida da
humanidade inteira, antes pelo contrário agravam as desigualdades e os
conflitos, nunca poderão ser considerados um verdadeiro progresso».
Entramos
no novo Ano com velhas e novas incertezas políticas, sociais e eclesiais. As autênticas
formas de escutar e acolher os gritos do Papa serão novas iniciativas para vencer,
em 2024, as expressões que se tornaram rotineiras e perderam a capacidade de
nos fazer acreditar que podemos mudar.
Façamos
um ano mais feliz!
31 Dezembro 2023
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