Retomar a vida como chamado!
Ano B - Tempo Comum - 2º Domingo: João 1,35-42: Vinde e vede!
Estamos
no segundo domingo do Tempo Comum, o tempo litúrgico do "quotidiano" da
vida. Durante este ano (ciclo B), leremos o Evangelho de São Marcos.
Começámos no domingo passado com a narração do batismo de Jesus. A
liturgia, porém, quis deter-se na cena pós-batismal. Contemplámos a
Palavra de Deus e assistimos à sua Epifania. Fomos chamados por João
Batista ao Jordão e mergulhados com Jesus nas águas do batismo. E agora,
o que é que fazemos? Cada um regressa à sua casa, à sua vida anterior? A
Palavra de Deus quer responder a esta pergunta.
As
leituras de hoje têm uma clara orientação vocacional. O que é que esta
Palavra sugere? Convida-nos a regressar à vida quotidiana com a
consciência clara de que a nossa vida cristã é uma vocação, um
chamamento a seguir Jesus, a ser seus discípulos. O que é que significa
ser discípulo de Jesus? O Evangelho mostra-nos.
"No dia seguinte [ao batismo de Jesus], João estava com dois dos seus discípulos" e, fixando o olhar em Jesus que passava, disse: "Eis o Cordeiro de Deus!"
Jesus passa e João fixa o seu olhar nele e aponta para ele. Esta é a vocação do cristão: ser um dedo que aponta para Jesus! "Penso
que o Senhor não mudou o seu estilo: passa, pelas ruas. Mas há alguém
que o aponte nas ruas? Ou estaremos todos ocupados a apontar para ele
nas igrejas?” (Ermes Ronchi).
O
olhar de João é um olhar penetrante, que vê para dentro, em
profundidade, como aquele que Jesus dirige a Pedro, logo a seguir.
"Fixar o olhar" (emblepein) é um verbo grego que só encontramos aqui,
duas vezes, em todo o Evangelho de João. Um olhar que questiona a nossa
maneira de olhar as pessoas e as situações, muitas vezes de uma forma
superficial que se detém nas aparências.
"Eis o Cordeiro de Deus!" João repete o que tinha dito no dia anterior: "Eis o cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do mundo!" Verdadeiramente
agudo e profundo é este olhar que perscruta o coração de Jesus, a sua
missão e o seu futuro. Em que cordeiro está João a pensar? Ao cordeiro
pascal? No servo de Javé de que fala Isaías 53,4-7: "como um cordeiro levado ao matadouro"?
A ambos, certamente! Neste primeiro capítulo do Quarto Evangelho,
encontramos inúmeros títulos atribuídos a Jesus: Rabi, Messias, Cristo,
Rei de Israel, Filho de Deus..., mas João utiliza este título muito
particular que, diria eu, ninguém imaginaria. Deus não vem para reclamar
um reino, mas para dar a sua vida e, assim, libertar a nossa. Este
olhar de João questiona profundamente o nosso, que luta para se libertar
de tantas imagens idólatras de Deus, que o apresentam como alguém que
faz exigências e limita a nossa liberdade.
"Os
seus dois discípulos, ouvindo-o falar assim, seguiram Jesus. Jesus
voltou-se e, percebendo que eles o seguiam, perguntou-lhes: "Que
procurais?" Eles responderam-lhe: "Rabi... onde moras?" Ele disse-lhes:
"Vinde e vede".
"O que procurais?"
São as primeiras palavras de Jesus no Evangelho de João, sob a forma de
uma pergunta. Jesus não começa com respostas, antes das perguntas.
Fá-lo-á também, como Ressuscitado, com Maria Madalena: "Mulher, quem procuras?" (20,15).
Ele coloca-nos também esta questão. O que é que queremos realmente? Que
desejos profundos temos no nosso coração? O que é que procuramos
realmente na nossa relação com Deus? É a primeira pergunta, mas talvez
nunca a tenhamos feito, pensando que é óbvio o que queremos, quando na
realidade ignoramos as necessidades profundas e verdadeiras que trazemos
no coração.
"Rabi, onde moras?"
Os dois respondem a Jesus com um pedido. É a pergunta de todos os
homens: onde é que encontramos Deus? Esta pergunta interroga-nos também a
nós, porque talvez nunca a façamos, pensando que já sabemos a resposta.
E assim arriscamo-nos a não ouvir o convite para entrar na sua
intimidade!
"Vem e vê!"
Jesus convida-nos a ver com os nossos próprios olhos. Muitas vezes
limitamo-nos a viver uma fé do "Antigo Testamento", feita apenas de
"escuta", esquecendo que Deus agora se tornou visível. Não é por acaso
que o verbo "ver" aparece aqui várias vezes. Jesus dirá a Natanael: "Verás coisas maiores do que estas!" (v. 1,50). Pergunto a mim mesmo se espero realmente ver algo de novo ou se penso que já vi tudo!
"Foram ver onde ele morava e ficaram com ele nesse dia; eram cerca de quatro horas da tarde".
Habitar e permanecer são
dois verbos com uma carga simbólica e espiritual muito profunda. Sem
"habitar" e "permanecer" com o Senhor, a nossa vida será plana e não
terá "horas" especiais de experiências que recordaremos para sempre.
"Um
dos dois que tinham ouvido as palavras de João e o seguiam era André,
irmão de Simão Pedro. Ele encontrou primeiro o seu irmão Simão e
disse-lhe: "Encontrámos o Messias" - que se traduz por Cristo - e
conduziu-o a Jesus."
Um
dos dois era André, e o outro? O outro permanecerá sempre anónimo ao
longo do Evangelho, porque representa todos e cada um de nós. E como
saberemos que experimentámos a presença do Senhor na nossa vida? Quando
dissermos espontaneamente àqueles que encontramos: "Encontrámos o Messias!", conduzindo-os a Jesus!
"Fixando nele o olhar, Jesus disse: "Tu és Simão, filho de João; serás chamado Cefas", que significa Pedro.
Esse
olhar está também fixo em cada um de nós. O Senhor conhece-nos
profundamente e olha-nos com amor. Recordar este olhar é fundamental
para sermos "curados" de tantos olhares que nos encolhem e
despersonalizam. Só o olhar de Cristo restitui a nossa dignidade e
revela a nossa verdadeira identidade e missão.
Exercício espiritual para a semana
1) Começar o dia reiterando a nossa disponibilidade para escutar o Senhor, repetindo como Samuel: "Fala, Senhor, porque o teu servo te escuta"; ou como o salmista: "Eis-me aqui, Senhor, para fazer a tua vontade".
2) Cultivar o olhar de Jesus sobre mim e sobre aqueles com quem me cruzo durante o dia.
P. Manuel João Pereira Correia
Castel d'Azzano (Verona) 13 de janeiro 2024
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