Domingo das Tentações
Ano B - Quaresma - 1º Domingo: Marcos 1,12-15: "O Espírito conduziu Jesus para o deserto".
Com
a imposição das cinzas na passada quarta-feira, entrámos na Quaresma.
Tal como o Advento, que nos prepara para o Natal, a Quaresma é chamada
um "tempo forte" que nos convoca, como povo, a iniciar um caminho de
êxodo, em direção à Páscoa!
1. A Quaresma, tempo de empenhamento e de graça!
A Quaresma é um tempo de empenhamento, sim, mas é sobretudo um tempo de graça (por
isso é "forte"!), uma nova oportunidade, um "kairos", um tempo
privilegiado, propício a um renascimento, a uma vida mais luxuriante. A
Quaresma é um regresso às fontes da nossa vida cristã, ao nosso batismo,
às nossas origens!
A Quaresma é um tempo "religioso", um tempo de exercício e de ginásio espiritual,
sim, mas é também uma proposta muito humana, porque cada homem, cada
mulher traz dentro de si o desejo de uma existência mais autêntica, mais
livre. Cada um sente a necessidade de ter periodicamente a sua própria
"Quaresma" para poder levar uma vida mais livre dos muitos
constrangimentos sociais que nos impõem uma existência frenética e nos
impedem de discernir o essencial do supérfluo. A Quaresma é um caminho
de libertação do nosso "eu", sufocado por tanta tralha, para respirar o
ar fresco da liberdade!
É por isso que a Quaresma não é um fardo que se acrescenta à nossa agenda já sobrecarregada (ai,
a Quaresma outra vez!), mas uma lufada de ar fresco, para ser vivida
com o entusiasmo de quem parte para uma caminhada na montanha, com uma
mochila leve às costas. Partir com a alegria e o entusiasmo de uma
caminhada por um caminho de paisagens novas e surpreendentes. Se o seu
coração não vibra com esta perspetiva e não sente um frenesim saudável
para iniciar esta caminhada de quarenta dias, então esqueça, não é para
si!
2. Das cinzas ao fogo!
A liturgia faz-nos iniciar a Quaresma com um sinal muito forte: a imposição das cinzas! As
cinzas reflectem a nossa realidade: uma vida monótona e residual, de
sonhos e esperanças desaparecidas, de uma rotina monótona, pontuada por
necessidades e deveres, sem nada que possa suscitar um entusiasmo e uma
alegria duradouros, capazes de resistir ao impacto das provações da
nossa existência. Talvez o fogo ainda arda sob as cinzas, mas esse fogo
não aceso está a apagar-se e ameaça extinguir-se. Precisamos de um sopro
de ar forte e decidido para varrer as cinzas e reacender o fogo. É esta
a obra do Espírito que está a atuar intensamente neste tempo santo,
para nos conduzir ao Fogo Novo da Noite de Páscoa!
3. Domingo das Tentações
O evangelho do primeiro domingo da Quaresma apresenta-nos sempre o episódio das tentações,segundo
os três evangelhos sinópticos. Jesus, logo após o batismo, que marca o
ponto de viragem da sua vida e missão, é conduzido pelo Espírito ao
deserto da Judeia, perto do Mar Morto. Ali, satanás, "o adversário",
espera-o!
Este ano lemos a versão de Marcos, a mais antiga e, por isso, extremamente concisa. De facto, o episódio das tentações é narrado em apenas dois versículos: "O
Espírito conduziu Jesus ao deserto e, durante quarenta dias, foi
tentado por satanás. Estava com os animais selvagens e os anjos
serviam-no". Enquanto Mateus e Lucas falam do conteúdo das
tentações, Marcos limita-se a dizer que Jesus foi "tentado por satanás".
As tentações surgirão durante o seu ministério e todas se referem ao
messianismo de Jesus que passa pela cruz. As três tentações, de facto,
encontramo-las na cruz (Marcos 15,29-32): a primeira, na boca dos
transeuntes, isto é, do povo: "Salva-te a ti mesmo, descendo da cruz!"; a segunda, na boca dos chefes religiosos: "O Cristo, o rei de Israel, desce agora da cruz, para que vejamos e acreditemos!"; a terceira, na boca dos malfeitores, que Lucas atribui a um deles: "Não és tu o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós!".
Portanto, só há uma tentação, que conhecemos bem: "Salva-te a ti
mesmo!". Esta é a voz de satanás! É a voz do egoísmo em todas as suas
formas. Jesus, pelo contrário, encarna "o amor maior", o de "dar a vida"
pelos irmãos.
4. Do deserto da tentação ao Éden redescoberto
Marcos diz: "Estava com as feras e os anjos serviam-no". Cristo
é o "novo Adão", o primogénito de uma humanidade reconciliada e em
plena harmonia com a natureza e o Criador. O Espírito tinha-o "empurrado
para o deserto" (é este o sentido do texto), tal como os nossos
antepassados tinham sido expulsos do paraíso. Depois da experiência da
intimidade trinitária, Jesus é "empurrado para fora" para enfrentar a
dureza da vida, em extrema solidariedade com a nossa humanidade. O
Espírito Santo não mantém o crente "aconchegado", talvez numa
"igreja-fortaleza" ao abrigo de todo o risco, mas lança-o no meio do
mundo, na luta, onde a batalha contra o mal é mais acesa.
Depois
desta experiência, Jesus está pronto para se tornar o novo Moisés que,
através do deserto, conduz o seu Povo à Terra Prometida. O novo Êxodo é
proclamado com este anúncio: "O tempo está cumprido e o Reino de Deus
está próximo; arrependei-vos e acreditai no Evangelho". Este é "o
tempo", ou seja, esta Quaresma! "O Reino de Deus está próximo", isto é,
uma nova humanidade é possível e a gestação dos "novos céus e uma nova
terra, onde habita a justiça" (2 Pedro 3,13) já começou, apesar de todos
os sinais em contrário. Este é o evangelho, a boa nova! Qual é, por
outro lado, a conversão necessária? Colaborar para que o deserto volte a
ser um jardim! Uma história muçulmana diz: "No princípio, toda a terra
era um jardim em flor. Deus, ao criar o homem, avisou-o de que, sempre
que cometesse uma falta, lançaria do céu um grão de areia para o avisar.
Os homens, porém, não deram importância. Afinal, o que é um grão de
areia? Assim, grão após grão, os desertos invadiram a terra!" Qual é a
nossa tarefa agora? Apanhar a areia e plantar nela uma flor! Este é o
exercício quaresmal: onde reina o deserto, criado pelo egoísmo e
produzido pelo satânico "salva-te a ti mesmo!", cavar e plantar um
verdadeiro gesto de amor. Assim, grão após grão, semente após semente,
os desertos do mundo florescerão!
Para a reflexão semanal
1) Preparar o programa da Quaresma. Simples, como um lembrete constante para aproveitar este "tempo forte" de graça.
2) Ler e meditar a bela e inspiradora homilia do Papa na passada quarta-feira. Ou a sua mensagem para a Quaresma.
P. Manuel João Pereira Correia
Verona, 16 de janeiro de 2024
P. Manuel João Pereira Correia mccj
p.mjoao@gmail.com
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