Páscoa, o Dia sem ocaso
Vigília Pascal - Marcos 16,1-7: “Procurais a Jesus de Nazaré, o Crucificado? Ressuscitou: não está aqui.”
Domingo de Páscoa - João 20,1-9: “Entrou também o outro discípulo: viu e acreditou.”
Missa vespertina - Lucas 24,13-35: “Ficai connosco, porque o dia está a terminar e vem caindo a noite.”
“Este
é o dia que o Senhor fez: exultemos e cantemos de alegria”, diz o salmo
do dia de Páscoa (Salmo 117). Este dia foi desejado, esperado,
preparado, mas não fomos nós que o fizemos! É o dia que o Senhor fez! Há coisas, as coisas que realmente importam, que a nossa mão não pode fazer. Este dia é a obra de Deus, a sua obra-prima. Na primeira “semana santa”, a semana da criação, Deus tinha posto ordem no caos, criando o tempo e o espaço, “e eis que era uma coisa muito boa” (Génesis 1,31). Nesta nova semana, a Semana Santa, Deus
libertou a sua criação da corrupção da morte, trazendo a eternidade
para o tempo. “Tudo isto veio do Senhor: é admirável aos nossos olhos”,
continua o salmista. Sim, uma maravilha com que nunca sonhámos. Cristo,
“a Porta”, pôs a terra em comunicação com o céu. A morte já não é a
“porta de não retorno”, mas a porta de entrada para o Dia sem ocaso.
Finalmente, uma coisa nova debaixo do céu!
“O que foi será
e o que foi feito será feito de novo;
não há nada de novo debaixo do sol.
Talvez haja algo a dizer:
"Eis que isto é novo"?
Isso mesmo já aconteceu
nos séculos que nos precederam”.
(Qoèlet 1,9-10)
Eis,
Qoèlet, uma verdadeira NOVIDADE! Um homem, Jesus de Nazaré, que a morte
tinha engolido e o túmulo tinha encerrado, saiu vivo, vencedor da
morte. Foi no dia 9 de abril do ano 30. Questiona os tempos passados.
Nunca tinha acontecido nada assim! O inacreditável aconteceu! E
nós somos testemunhas disso! Corremos, pois, com o coração a rebentar no
peito, com lágrimas de alegria, depois de lágrimas de desespero,
desejosos de dizer a toda a gente: Cristo ressuscitou!
A partir de agora tudo muda. Nada
será como dantes! Qoèlet, não odeies mais a vida (2,17)! Não digas mais
“Felizes os mortos, que já partiram, mais do que os vivos que ainda
vivem” (4,2)! Porque...
“A morte e a vida
travaram um admirável combate:
Depois de morto,
vive e reina o Autor da vida...
Sabemos e acreditamos:
Cristo ressuscitou dos mortos!”
(Sequência Pascal)
A partir desse 9 de abril, começou a corrida missionária. “Ide,
dizei a seus discípulos e a Pedro que ele irá à vossa frente, na
Galileia. Lá vós o vereis, como ele mesmo tinha dito” (Marcos 16,1-7,
evangelho da Vigília). E os seguidores do “Caminho” (Actos dos Apóstolos
9,2, etc.), incansáveis - porque o coração feliz nunca se cansa! -
continuam a percorrer os caminhos e estradas das “Galileias”, das
periferias do mundo, desejosos de comunicar a todos esta Boa Nova: Cristo ressuscitou!
O Ressuscitado deve ser procurado onde há vida!
“Procurais a Jesus de Nazaré, o Crucificado? Ressuscitou: não está aqui”. Se “não está aqui”, onde é que o devemos procurar? Onde a vida fervilha! Onde se respira ar novo! Não onde a vida apodrece!...
É de perguntar se o ar novo e primaveril do Ressuscitado é respirado nas nossas igrejas e assembleias. Infelizmente, há que reconhecer que, por vezes, respiramos mal, há um ar viciado nos nossos ambientes eclesiais. Tornámo-nos alérgicos à novidade,
não queremos ser desafiados pelo novo, por aquilo que não se enquadra
nos nossos velhos padrões de vida e de pensamento. Por vezes, temos a
impressão de que as portas e janelas abertas pelo Concílio Vaticano II
se fecharam de novo. Não admira, pois, que pessoas inquietas,
insatisfeitas com a sociedade atual e à procura de um mundo diferente,
vão para outros lugares onde a vida fermenta.
Dizemos que amamos a novidade, mas à nossa maneira. Na realidade, tememos a novidade, porque ela nos inquieta e perturba os nossos ritmos habituais. Preferimos os verbos de repetição: tornar novo o velho. Foi
por isso que os dois discípulos de Emaús ficaram desiludidos: “Nós
esperávamos que fosse ele quem havia de libertar Israel” (Lucas
24,13-35, evangelho da missa vespertina de Páscoa): Os apóstolos
esperavam o mesmo antes da ascensão: “Senhor, será este o tempo em que
restaurarás o reino para Israel?” (Actos dos Apóstolos 1,6). O Senhor, porém, não é um “restaurador”, mas um inovador: “Não
vos lembreis mais das coisas passadas, não penseis mais nas coisas
antigas! Eis que estou a fazer uma coisa nova, que já está a brotar, não
a vedes?” (Isaías 43,18-19).
Oração e votos de Boa Páscoa
“Que
a Páscoa vença o nosso pecado, desfaça os nossos medos e nos faça ver a
tristeza, a doença, os maus tratos e até a morte, do lado certo: o do
"terceiro dia". Desse lado, Calvário aparecer-nos-á como o Tabor. As
cruzes parecerão antenas, colocadas ali para ouvirmos a música do Céu.
Os sofrimentos do mundo não serão para nós os gemidos da agonia, mas as
dores do parto.
E os estigmas deixados pelos pregos nas nossas mãos
crucificadas, serão as brechas através das quais já vislumbraremos as
luzes de um mundo novo!” (Don Tonino Bello).
Desejo a todos uma boa Páscoa!
P. Manuel João Pereira Correia mccj
Verona, 27 de março de 2024