domingo, 26 de maio de 2019

HAVERÁ ALTERNATIVAS À ECONOMIA QUE MATA? Frei Bento Domingues, O.P.


1. Os anos não perdoam. Os adversários das posições e das práticas do Papa Francisco confiaram, durante bastante tempo, nessa lei da natureza. Quando se deram conta de que este argentino resiste e não desiste das reformas que propôs, entraram em pânico: dada a sua popularidade, é possível que da eleição de um novo Papa surja alguém da mesma linha. Isso não pode acontecer! Daí, a reunião de pessoas e recursos da finança internacional para denegrirem a imagem de Bergoglio.

 Para esses grupos - pouco numerosos, mas com muita visibilidade e acesso a inúmeros recursos - é insuportável ter à frente da Igreja Católica alguém que denuncia a economia dominante como “economia que mata”. Supor que existem e podem crescer alternativas a esta economia é uma blasfémia, uma heresia económica sem perdão.

Até agora, o Papa Francisco agia de forma exemplar em relação aos que são deixados à margem e abandonados. Fazia incessantes apelos em socorro das vítimas da guerra que procuram, em condições miseráveis, acolhimento noutros países. Em todo esse esforço, é sempre o Papa a agir e a falar ou a nomear comissões de estudo para resolver problemas. Mesmo os três notáveis discursos sobre a injustiça social e económica, dirigidos aos movimentos populares[1], não fogem a esse estilo. Agora, porém, com a Carta convocatória para o Encontro “Economy of Francesco”, em Assis, de 26 a 28 de Março de 2020, parece ter começado uma era nova. É dirigida a jovens economistas, empreendedores e empreendedoras de todo o mundo, não como mestre em Doutrina Social da Igreja, mas como alguém que deseja participar no conhecimento das alternativas que existem à “economia que mata” e ampliar as suas potencialidades.

 Antes de realçar a significação desta mudança, devo dar a palavra à própria Carta. No primeiro parágrafo resume o seu desejo: «Esta Carta é para vos convidar para uma iniciativa que muito desejei: um evento que me permita encontrar quem, hoje, está a formar-se, a começar a estudar e a praticar uma economia diferente que faz viver e não mata, inclui e não exclui, humaniza e não desumaniza, que cuida da criação e não a degrada. Um evento que nos ajude a estar juntos e a conhecermo-nos, que nos leve a fazer um “pacto” para mudar a economia actual e dar uma alma à economia de amanhã».

Recorre à sua Encíclica Laudato si’: «sublinhei como hoje, mais do que nunca, tudo está intimamente ligado, e a salvaguarda do ambiente não pode ser separada da justiça para com os pobres e das soluções dos problemas estruturais da economia mundial. É preciso, portanto, corrigir os modelos de crescimento incapazes de garantir o respeito pelo ambiente, o acolhimento da vida, o cuidado pela família, a equidade social, a dignidade dos trabalhadores, os direitos das futuras gerações. Infelizmente, continua ainda por escutar o apelo a tomar consciência da gravidade dos problemas e, sobretudo, a concretizar um modelo económico novo, fruto de uma cultura da comunhão, baseado na fraternidade e na equidade».

Voltando à Carta do Papa: «desejo encontrar-vos, em Assis, para juntos promovermos, através de um “pacto” comum, um processo de mudança global que veja, em comunhão de propósitos, não só quantos têm o dom da fé, mas todos, mulheres e homens de boa vontade, para além das diferenças de credo e de nacionalidade, unidos por um ideal de fraternidade atento sobretudo aos pobres e aos excluídos. Convido cada um de vós a ser protagonista deste pacto, assumindo a tarefa de um compromisso individual e colectivo para cultivarmos juntos o sonho de um novo humanismo que responda às expectativas do ser humano e do desígnio de Deus»[2].

2. É evidente que as grandes escolas de economia e gestão também gostam de jovens. Sem eles, não poderiam existir. A questão de fundo é a sua orientação. Estão ao serviço de que interesses? Não falta quem afirme que, muitas vezes, se destinam a uma lavagem ao cérebro, para que aprendam a engenharia de manter e aprofundar as desigualdades sociais. Não desejam um mundo de cidadãos, mas de consumidores que, de tão obcecados com os níveis do seu próprio consumo, acabem por fazer o jogo dos que ganham com esta economia “que mata”. Essa economia foi concebida, não para fortalecer a democracia, mas para a enfraquecer subordinando o poder político ao poder económico. A publicidade revela e esconde. Revela o que tu deves desejar e esconde o que te arruína. A máquina desta engenharia tem ao seu serviço uma grande rede de ilusionistas para mostrar que não há alternativa, ignorando aquelas que, já no terreno, estão a abrir novos caminhos de participação. Quem domina a economia também domina os grandes meios de comunicação. Não lhes interessa divulgar as iniciativas que coloquem em cheque a mentalidade e as práticas dominantes, criando um futuro diferente para as pessoas e as comunidades[3].

3. É muita ousadia da parte do Papa tentar destruir o dogma de que não há alternativas viáveis à economia dominante. Existem, são pouco conhecidas e muito pouco divulgadas. O encontro de Assis tem como primeiro objectivo partilhar o que já está a acontecer nas diferentes partes do mundo. Maior ousadia ainda é convocar, crentes e não crentes, para que as «vossas universidades, as vossas empresas, as vossas organizações se tornem estaleiros de esperança para construir outros modos de entender a economia e o progresso, para combater a cultura do descartável, para dar voz a quem não a tem, para propor novos estilos de vida». É ousadia porque não faz uma encíclica ou cria uma comissão, mas convoca para um movimento que fermente a massa, quando normalmente à Santa Sé se pede que tenha a primeira e a última palavra. Este Papa quer entrar na escola dos jovens que investigam, quer conhecer as experiências em curso e, sobretudo, os novos projectos de economias alternativas. Não os trata como objectos do seu magistério, mas como sujeitos do percurso da Igreja.

O que diz respeito a todos deve ser tratado por todos. O próprio Jesus estremeceu de alegria ao ver chegar uma nova Era: o que durante séculos e séculos tinha sido ocultado ao povo simples, aos pequeninos, pelas interpretações rebuscadas e abusivas dos falsos sábios das Escrituras, estava, finalmente, ao alcance de todos[4].

A Igreja do Pentecostes é um processo nunca acabado de novas experiências, novas práticas e o grito dos sem vez e sem voz. O contrário do condomínio fechado de privilegiados do saber, do dinheiro, isto é, do poder de dominar.

26.05.2019



[1] Cf. Papa Francisco, Terra, Casa, Trabalho, Temas e Debates – Círculo de leitores, 2018
[2] Quem desejar conhecer esta Carta, na íntegra, pode recorrer ao site do Vaticano.
[3] Veja-se por exemplo o filme “Amanhã” de Cyril Dion e Mélanie Laurent.
[4] Cf. Lc. 10, 17-24

terça-feira, 21 de maio de 2019

Votar é agradecer - Paulo Fafe - DM

Quase todos os dias lidamos com políticos arrogantes
que mentem com descaro, enganam,
criam obstáculos, encobrem, ignoram a ética e
fazem tudo o que é preciso para conseguir o voto,
mesmo quando sabem que estão a ser mentirosos
e a verdade lhes diz que são falsos como
Judas. Feliz daquele que conhecer algum diferente. No próximo
domingo vamos votar quanto mais não seja por respeito à
democracia. Perguntamos muitas vezes em quem vamos votar
e com certa razão. Certa como advérbio de dúvida e não
certa como advérbio de afirmação. Muitos de nós não sabem
como funciona a estrutura política do parlamento europeu
porque não querem debruçar-se sobre o seu funcionamento.
Basta ir à NET clicar no lugar devido (EU) e lá estão os órgãos
, seu funcionamento e atribuições e poder. Isto é fácil e rápido.
Agora outra coisa muito mais difícil, se não mesmo impossível
de saber, é o que faz cada um dos deputados europeus;
no nosso caso, o que faz cada um dos deputados portugueses
nesse parlamento para os podermos escolher nas eleições de
domingo? Eles estão integrados em grupos ou famílias ideológicas
partidários e o seu trabalho individual e contributos políticos
estão diluídos nesses trabalhos parlamentares. É como
se perguntássemos ao oceano onde estão as gotas dos rios. Esta
verdade é inquestionável. Por outro lado é igualmente verdade
que a nossa comunicação social não nos diz nada sobre
o que cada um faz, deixando-nos completamente alheios ou
indiferentes quanto à sua participação, sua importância ou relevância.
Resultado disto o total alheamento dos portugueses
pela campanha das europeias; se houvesse uma sondagem sobre
o conhecimento do trabalho dos nossos deputados europeus,
arriscaríamos a dizer que não ultrapassaria um por cento
aqueles que sabem o que por lá se passa. Depois, ainda há
dias, um jornal dizia que os deputados europeus ganhavam 12
mil euros limpos por mês em parangona que chegou ao nosso
conhecimento como um labéu. Todos sabemos que vencimentos
destes, à escala portuguesa, é uma enormidade, mas
estamos a comparar coisas distintas donde resultará um juízo
de valor distorcido. Comparar o nível de vencimentos da
EU com Portugal é comparar a rã com o boi de La Fontaine.
Estas parangonas vendem sensacionalismos mas prestam um
mau serviço de informação porque devem ser enquadradas
e referenciadas com o nível de vida de lá e não comparadas
com o nível de vida de cá; ditas desgarradas e secas são um
anátema. E esta notícia fez-se viral na NET e, nela, sem qualquer
explicação ou enquadramento, agitou os ventos de popa
e levará as pessoas a uma recusa de votar. Teria razão Taylor
quando afirmou que o homem é indolente, invejosos por natureza,
e que o sucesso dos outros lhe faz mal? É este espelho
que nos reflete na abstenção às europeias? Dizem que os deputados
europeus desempenham um papel importante, quer
integrados nos seus grupos, quer contribuindo individualmente
com a discussão dos temas em plenário. Não tenho razões
para não acreditar como também não tenho conhecimento direto
para acreditar. Por isso, “in dubio pro reo”. Se mesmo assim
isto não chega ou não o convence a ir votar no domingo,
então, deverá ir votar por respeito à democracia; nesse gesto
contemplo um agradecimento por aqueles que perderam a
vida e seus cabedais a lutar para que hoje possamos votar em
liberdade. Eu vou votar para agradecer-lhes.

domingo, 19 de maio de 2019

MULHERS CATÓLICAS EM GREVE Frei Bento Domingues, O.P.


1. As mulheres sabem que são mais de metade da Igreja católica. Dir-se-á que apenas uma minoria feminista protesta contra o silenciamento que lhes é imposto. Na Igreja, as mulheres que se calem! Não foi nenhuma mulher que o disse e quem o afirmou ainda não tinha passado inteiramente para o Novo Testamento (NT).

Foi apresentado, na UCP, o livro Mulheres diáconos. Passado – Presente – Futuro[1]. Como refere a Introdução, o livro apresenta três tópicos interligados: as mulheres diáconos tal como elas são conhecidas através de documentos históricos; o diaconado, tal como se tornou uma vocação permanente na Igreja contemporânea e aquilo que o futuro das mulheres diáconos poderia vir a ser, se a Igreja restabelecesse a sua tradição de ordenar mulheres para o diaconado. Trata-se de um esforço conjunto que pretende ajudar a Igreja a recuperar a sua tradição passada como meio de construir o seu futuro.

É sabido que o Papa João Paulo II († 2005) nada fez para restaurar o diaconado ordenado das mulheres e o ex-Papa Bento XVI seguiu-lhe o exemplo.

Só em 2016 é que o Papa Francisco começou a agir, convocando uma Comissão de especialistas, seis homens e seis mulheres, para enfrentar esta questão. No final, entregaram um relatório ao Papa Francisco. O principal objectivo da Comissão era estudar as mulheres diáconos na Igreja primitiva. Não está em dúvida a existência de mulheres diáconos. A questão gira em torno das suas funções.

No voo de regresso da viagem apostólica à Bulgária e à Macedónia do Norte (07. 05. 2019), o Papa revelou, com algum humor, que a comissão trabalhou durante quase dois anos. Eram todos diferentes, todos «rãs de lagos diferentes», todos pensavam de forma diferente, mas trabalharam juntos e chegaram a acordo até um certo ponto. Mas, cada um deles tem a sua própria visão, que não concorda com a dos outros, e pararam aí como comissão. Cada um está a estudar como prosseguir. Isso é bom! Varietas delectat.

A variedade deleita, mas não deve servir para passatempo de diletantes. As mulheres católicas, na Alemanha, já não suportavam mais conversa vazia e resolveram entrar em greve. Foi convocada para esta semana, entre sábado passado, dia 11, e o próximo, dia 18 de Maio. Deixaram lenços brancos nos bancos das Igrejas e, no exterior, nas praças e nos adros, houve celebrações, partilha, canto, mulheres vestidas de branco.

Com todas as cautelas eclesiásticas, o porta-voz da Conferência Episcopal Alemã, Mathias Kopp, em declarações a uma cadeia de TV, em Roma, já acusou o toque. Veremos o que irão fazer…

Os bispos alemães anunciaram que vão abrir um sínodo de diálogo com alargada participação de todos e todas, sem temas-tabu. Veremos, como diz o cego[2].

2. Na história da Igreja, desde o NT, há sempre que investigar, mas não é preciso esperar o fim do mundo para decidir. S. Paulo esperava-o para muito breve. As comunidades cristãs, na sua variedade, sentiram que este mundo é o lugar de testemunhar e seguir o caminho aberto por Jesus de Nazaré. Daí surgiram as narrativas de S. Marcos, S. Mateus, S. Lucas e S. João. São razoavelmente diferentes, reflectindo situações diversas, mas todas com o mesmo objectivo: o seguimento criativo de Jesus em todas as situações da vida.

Quando, na Eucaristia, se diz Fazei isto em memória de Mim, não é porque Jesus tivesse receio de ser esquecido. Significa, pelo contrário, continuai o Evangelho. O Pentecostes indica, precisamente, não fiqueis a olhar para o ar, ide por todo o mundo e inventai o futuro na linha inaugurada pelo Nazareno, porque o espírito dele e o dos discípulos é o mesmo, igualmente criativo.

Quando, hoje, se discute o lugar das mulheres, na Igreja católica, o que é preciso ter em conta, em primeiro lugar, é a criatividade de Jesus. Para isso é necessário pensar na situação social e religiosa da mulher, quando Ele entra em acção. A expressão usada pelas narrativas evangélicas, nos momentos solenes, dizia tudo em poucas palavras: não contando mulheres e crianças. Estavam lá, mas não contavam. O facto de não falarem delas, na chamada Última Ceia, não significa, necessariamente, que não tivessem participado. Naquela cultura, elas não contavam. Diz-se, por outro lado, que nunca são chamadas discípulas, no entanto, o vocabulário da realidade do discipulado é-lhes aplicado, muito mais do que aos homens. No Evangelho de Marcos é dito que junto da cruz “também ali estavam algumas mulheres a contemplar de longe, entre elas, Maria de Magdala, Maria, mãe de Tiago Menor e de José, e Salomé, que o seguiam e serviam quando ele estava na Galileia; e muitas outras que tinha subido com Ele a Jerusalém”[3].

3. Seguir e servir é o vocabulário dos discípulos, dos Doze: “Nós seguimos-te”[4]. Implicava deslocar-se com o mestre nas tarefas da evangelização, algo impensável na sociedade em que Jesus cresceu. Quando Marcos diz que as mulheres, que estavam ao pé da cruz, seguiam Jesus, é porque faziam parte do grupo itinerante dos seus discípulos. Seguiram-no desde a Galileia até Jerusalém. Não para executar as tarefas tradicionalmente atribuídas às mulheres, mas para entrarem na sua escola, acolhendo os seus ensinamentos. Elas não podiam estudar a Palavra de Deus. Alguns rabinos diziam que era preferível queimar o livro da Lei a entregá-lo à guarda de uma mulher; quem ensina a Lei à sua filha, ensina-lhe obscenidades; todos os males que existem no mundo entram pelo tempo que os homens perdem a falar com as mulheres[5].

No Evangelho de Lucas, afirma-se que “Jesus ia de cidade em cidade, de aldeia em aldeia, proclamando e anunciando a Boa-Nova do reino de Deus, acompanhavam-no os Doze e algumas mulheres que tinham sido curadas de espíritos malignos e enfermidade: Maria, chamada Madalena, da qual tinham saído sete demónios; Joana, mulher de Cuza, administrador de Herodes; Susana, e muitas outras, que os serviam com os seus bens”[6]. Note-se como o evangelista coloca os Doze e as mulheres num mesmo nível, uma vez que une os dois grupos com a conjunção “e”, que serve para os igualar.

Isto sem falar que, quem evangelizou os Doze, depois da sua traição e da Ressurreição de Cristo, foram as mulheres, a começar por Maria Madalena, segundo os quatro evangelistas[7].

Quando, hoje, se estuda a história para saber o lugar das mulheres na Igreja, esquece-se o essencial: a revolução de Jesus, a memória da sua intervenção que, ainda hoje, entendemos mal.

19. Maio. 2019



[1] Gary Macy, William T. Ditewig, Phyllis Zagano, Mulheres diáconos. Passado – Presente – Futuro, Paulinas Editora, 2019.
[2] Cf. 7Margens, 14.05.2019
[3] Mc 15, 40-41
[4] Mc 10, 28
[5] Cf. Ariel Álvarez Valdés, Jesus teve discípulas mulheres, in Bíblica 382 (Maio-Junho 2019), 387-392.
[6] Lc 8, 1-3
[7] Cf. A. Cunha de Oliveira, Jesus de Nazaré e as mulheres, Instituto Açoriano de Cultura, Angra do Heroísmo, 2011; José António Pagola, Jesus. Uma abordagem histórica, Gráfica de Coimbra, 2008, cap. 8 Amigo da Mulher

quinta-feira, 16 de maio de 2019

Quando é que chegará a justiça para todos, aplicada de um modo imparcial e equitativo?-A. Fernandes-DM

Os responsáveis pelas sociedades, associações ou instituições
devem ter como objetivo (e dever primordial)
o desenvolvimento social das pessoas, ou seja, o seu
bem-estar, a justiça, a saúde, a educação, a igualdade
de oportunidades, a promoção de salários dignos, do
pleno emprego e do respeito pelos direitos de todos.
Estes objetivos nunca se atingirão, a não ser por meio de um desempenho
de funções honesto, desprendido, justo, vertical e sem
qualquer tipo de aceção de pessoas.
Só assim se acabará com a corrupção, com o desvio de dinheiros
públicos e com a sua distorcida e, muitas vezes, maléfica aplicação.
Os corruptos, os desonestos ou os desbaratadores do erário
público ainda têm a desfaçatez de se vangloriar dos proveitos de
dinheiro e de bens patrimoniais mal adquiridos, passeando pelas
avenidas das cidades do próprio país e do mundo, exibindo toda
uma riqueza obtida pela volúpia gananciosa dos seus desejos ávidos
do alheio, galhardeada por uma atividade ardilosa. A impunidade
e a parasitagem continuam a ter terreno fértil para viver
confortavelmente sem correr qualquer risco de vir a ser incomodadas.
Parece que possuem um certificado de livre circulação. Infelizmente,
ainda se mantém um grande fosso entre a justiça para
ricos (onde reina uma grande impunidade) e a justiça para pobres
(onde não há grandes contemplações). Os corruptos e os desonestos
tentam ignorar que a coisa mais relevante para se aprender na
vida é a ciência de saber como se deve viver no dia a dia, de consciência
tranquila.
A felicidade não está meramente naquilo que se tem, mas naquilo
que se consegue de um modo honesto e se usa do mesmo modo,
no respeito total dos direitos dos outros e estando-se sempre
ao serviço das comunidades. Há pessoas que têm objetivos dignos
e modelares na sua vida, mas muitas outras arrastam a sua existência
mergulhadas na desonestidade, usufruindo de bens que foram
obtidos por meios totalmente reprováveis à luz da dignidade humana.
Deles nada sai que vá beneficiar os mais necessitados. Se alguma
vez o fazem, é por orgulho, mostrando a sua falsa solidariedade,
no pressuposto errado de que, assim, vão tapando os olhos dos
outros. No seu gesto apenas reina a vaidade, a jactância e o egoísmo.
São os falsos beneméritos sociais. As mãos do homem nunca
devem respirar desonestidade. Mais tarde ou mais cedo, elas serão
corroídas pelo odor pestilento da corrupção que manusearam.
O homem deve ter horizontes nobres e procurar ir para além
do mundano, subir mais alto, vencer dificuldades, sentir o desabrochar
e o desenvolvimento de todas as suas faculdades superiores
de um modo digno, procurando sempre a verdade e a justiça
para penetrar e encher todo o seu ser. Dostoievski escreveu: “Não
é a inteligência que mais interessa mas o que a guia – o carácter, o coração,
as boas qualidades”. O que o homem usa correta e justamente
está sempre a aumentar e a enriquecê-lo moralmente; aquilo de
que se abusa retrocede, diminui o caráter e empobrece a pessoa
humana. Este é o horizonte verdadeiro e único para todas as funções
do homem.

domingo, 12 de maio de 2019

MAIO - 2019 - Bodas de ouro da turma de 1969




Caros Colegas e Amigos

Cá estou eu para fazer um pequeno balanço do nosso grande encontro de Maio 2019. O dia esteve bonito e os caminhos de mais de uma centena de pessoas convergiram nesse dia para o Seminário das Missões de Viseu. Estão de parabéns os celebantes dos 50 anos de entrada no seminário( 1969) pelo grande grupo reunido: quase a turma toda. O Isidro andava com um sorriso de orelha a orelha; o seu trabalho tinha dado frutos. Pediu ajuda para os próximos anos. Quem puder ajudar...avance. É só fornecer algumas pistas... que ele faz o resto.

O P.e Vieira, nosso Provincial, ( parece que já em jeito de despedida, a pensar em áfrica) deu-nos uma panorâmica muito completa do estado  da " Nação" Comboniana. Claro, isto depois de um bastante distendido periodo de apresentações.

Seguiu-se a celebração eucarística presidida por um dos antigos alunos de 1969, o Pe. Fernando Domingues, e abrilhantada pelas músicas e pela  imponente voz do Olindo acompanhado ao órgão pelo Américo Martins.

Depois veio o almoço convívio preparado pelo P.e Francisco Medeiros e a que se juntaram diversos outros Padres como o Pe. Ramiro, José de Sousa, Francisco Matos e o sempre presente Pe. Maravilha que se encarregou também dos registos fotográficos oficiais para a posteridade. Ao café tivemos a oportunidade de saborear um dos melhores vinhos finos que o Douro produz, oferta do Caseiro Marques e generosamente distribuido pelo Ir. Matias. Eu senti a falta da " pomada" do Touro e do Sebastião. Mas nada é perfeito...no próximo ano se verá...

Feitas as contas finais da generosidade de todos,  o que sobrou do pagamento das refeições deu para constituir duas bolsas de estudo, pagar a nossa quota anual da UAASP e subsidiar a viagem do Pe. Domingues ( veio de Paris para estar connosco) Da venda do livro do Laureano resultou um pecúlio de 140 euros para apoio à acção dos Combonianos junto dos moçambicanos da Beira. Obrigado Laureano.

Em nota final ,lembro que este foi, também, o encontro de despedida do nosso colega Joaquim Rodrigo; um entusiasta destes nossos encontros..



Um abraço para todos

António Pinheiro

UM DOMINICANO PORTUGUÊS NO PERU Frei Bento Domingues, O.P.


1. Tenho uma grande dívida em relação a frei Henrique Urbano. Já fiz, neste jornal, breves referências a esta figura extraordinária, mas sempre com a ideia de lhe dedicar uma crónica[1]. Nasceu em Portugal, em Fermentelos, a 27 de Setembro de 1938. Frequentámos juntos, alguns anos, a Escola Apostólica de Aldeia Nova e o Studium Sedes Sapientiae, em Fátima, nos anos 50 do século passado. Era músico, poeta e apaixonado pelas Ciências Humanas.

Em Montreal (Canadá), fez um Mestrado sobre as relações entre Sociologia e Teologia Pastoral. Ainda antes do Doutoramento, já tinha entrado, a tempo inteiro, no Departamento de Sociologia da Universidade de Laval, onde ensinou até à sua jubilação, a 30 de Maio de 1999. Doutorou-se nessa Universidade em Sociologia, com uma tese sobre Mythes et utopies, no mundo inca.

Além do trabalho na Universidade e de acordo com ela, foi-lhe possibilitada uma carreira paralela, na América Latina. Com outros dominicanos que tinham sido meus colegas em Toulouse, durante um trimestre de cada ano e nos anos sabáticos, trabalhou na fundação e no desenvolvimento do Centro de Estudios Regionales Andinos “Bartolomé de Las Casas”, em Cuzco (Peru), com apoio financeiro de várias organizações canadianas. Dirigiu, durante vários anos, a Revista Allpanchis sobre questões sociológicas e antropológicas andinas e fundou a Revista Andina, com colaboração internacional, considerada então como a melhor revista de estudos neste domínio. Promoveu os estudos latino-americanos na Universidade Laval, dirigiu várias teses de Mestrado e de Doutoramento e organizou colóquios no Canadá e outros países. Coordenou intercâmbios entre a Universidade Laval e diversas instituições da América Latina durante vários anos.

Além deste Centro de Investigação, fundou a Casa Campesina, para ajudar os camponeses que precisavam de quem os guiasse na administração e na saúde, quando vinham à cidade. Fundou também o Colégio Andino, onde se ministravam cursos sobre todos os problemas latino-americanos.

Seria importante desenhar o contexto político e eclesial em que foi fundado e se desenvolveu esse complexo Centro, a começar pela reforma agrária de Juan Velasco Alvarado, passando pelo Sendero Luminoso, do maoísta e terrorista Abimael Guzmán e pela Teologia da Libertação de Gustavo Gutierrez que, mais tarde, se tornou dominicano.

2. Entrei nesse mundo em 1992, a partir de um Congresso Internacional, no México, promovido pelo Centro Bartolomé de Las Casas de Cuzco, para o qual me pediram uma conferência sobre Teologia nas Fronteiras. Aí, ficou decidido que eu passaria a ir, anualmente, dar aulas de Teologia da inculturação nesse Centro. Entretanto, verificou-se a urgência de fundar um Instituto com o objectivo de diálogo activo entre ciências humanas e teologia, complementando o trabalho desenvolvido nesse Centro.

Trabalhei anos a fio em Santiago do Chile, na fundação e configuração do Instituto Pedro de Córdoba. O nome deste dominicano foi escolhido porque tinha sido o responsável pelo célebre sermão de Montesinos (1511), em defesa dos índios explorados, na ilha La Española (actualmente Haiti e República Dominicana).

Foi por causa da minha colaboração nesses Centros que, depois, fui convidado para dar cursos na Colômbia e na Argentina.

No ano 2000, quando se dá um crescimento muito significativo da indústria do turismo, Henrique Urbano iniciou as suas actividades na Universidade de São Martinho de Porres (USMP Lima-Peru). Foi designado director do Instituto de Investigação de Turismo e Hotelaria que estabeleceu um Programa de cooperação com várias universidades estrangeiras, sobretudo do mundo ibero-americano. Obteve para a Universidade de São Martinho, a cátedra da UNESCO, Cultura, Turismo e Desenvolvimento. Fundou a revista Turismo e Património e foi o criador e primeiro director do Programa de Doutoramento em Turismo (2002), único na América Latina, com estudantes peruanos e estrangeiros.

3. Foi com surpresa que o meio intelectual internacional ligado aos estudos andinos recebeu a notícia da morte do investigador português, Henrique Oswaldo Urbano de Carvalho, que se destacou como etno-historiador, antropólogo e sacerdote dominicano. A sua partida aconteceu em Lima, Peru, a 24 de Setembro de 2014.

Em 2016, para recordar e homenagear a sua vida e obra (1938-2014), foi publicada a Historia y Cultura en el Mundo Andino, editada por Johan Leuridan Huys, Decano da USMP, e por outras personalidades, representantes de várias instituições académicas. Esta obra traz novas luzes sobre os contributos de frei Henrique e analisa, com detalhes antes desconhecidos, as marcas deixadas pelo grande investigador português, sobretudo na renovação dos estudos andinos e sobre as crónicas e a evangelização colonial no Peru[2].

Segundo o In Memoriam Henrique Urbano, assinado pelos professores Simon Langlois, Nicole Gagnon, Alexandra Areliano e Jean Gould, «além do seu trabalho de cientista rigoroso, deixa a recordação de um homem sempre sorridente, uma personalidade cativante, mostrando uma atitude positiva contagiante e sempre de um humor muito próprio. De espírito imaginativo e algo poético, produziu uma obra de língua subtilmente cáustica, marcada por um olhar crítico muitas vezes mordaz. Na sua carreira universitária, em Laval e em outras Universidades, deixou muitos discípulos e profundas e generosas amizades».

Não podemos reproduzir, aqui, a vasta bibliografia de frei Henrique, mas quem desejar conhecê-la pode sempre recorrer ao Google.

Era uma lei sagrada do monge: fica na tua cela e ela ensinar-te-á tudo. Com o aparecimento dos Dominicanos e Franciscanos, no século XIII, Mateus de Paris, monge, observa: para estes o mundo é a sua cela e o oceano o seu claustro. Frei Henrique pertencia a essa nova era da vida religiosa.



12.05.2019



[1] Dediquei-lhe a conferência de encerramento do Colóquio Rastos Dominicanos: de Portugal para o Mundo (09-11 de Outubro 2018).
[2] Sobre a originalidade da investigação de Henrique Urbano, ver Germán Morong Reyes y Alberto Díaz Araya, Henrique Urbano (1938-2014): De los ciclos Míticos Andinos a los senderos de la idolatría colonia, in Chungara, Revista de Antropologia Chilena, Vol. 47 (2015), 7-11.