BOAS
FESTAS
Frei Bento Domingues, O.P.
22 Dezembro 2024
1.
Entre as muitas festas do Cristianismo, destacam-se duas que se implicam
mutuamente: a Páscoa e o Natal. A Páscoa proclama que o Cristianismo, apesar de
todas as crises e de todas as negações, não está morto como muitos pretendem. O
Natal é a festa das famílias. Por mais que se diga que a família está em crise,
nada a pode substituir. É a festa de todas as idades porque todas as idades se
referem ao nascimento. Enquanto houver nascimento, há esperança de futuro. Os
cristãos das diferentes igrejas, nos diferentes países, celebram o Natal de
Jesus Cristo, pois não se descobriu nenhum ser humano que fosse tão humano como
Ele. O Menino que nos foi dado é a Incarnação de Deus, revelando
simultaneamente a envergadura infinita a que está chamado qualquer ser humano.
A vida de Jesus – observa
Tomás Halík –, se lermos cuidadosamente os Evangelhos, não é nenhum conto de
fadas idílico com um final feliz. Começa num curral e termina no cadafalso. Só
depois vem a Ressurreição. A Ressurreição não é nenhuma reanimação mágica de um
cadáver e um regresso a este mundo na sua forma anterior, mas sim uma completa transformação.
Precisamos de uma fé madura –
uma fé para o mundo de Herodes e Pilatos, onde Jesus nasceu, uma fé para um
mundo de Putins e de assassinos em massa que assaltam todos os continentes[1].
A celebração do Natal, apesar
de todas as semelhanças, é diferente em cada ano. O Papa Francisco mostrou que
continua empenhado em fazer renascer a Igreja, em todas as suas dimensões, como
uma Igreja de saída, virada para as
periferias existenciais.
O Sínodo é o grande Advento
da esperança que se estendeu durante 3 anos (2021-2024). O Papa Francisco não
fez o Sínodo, mas realizou gestos, fez viagens que não produziram apenas
declarações. Não podemos, no entanto, esquecer a sua voz durante o período de
preparação do Sínodo. Não quis substituir-se à Igreja, mas tornou-se a voz mais
ouvida da Igreja em processo de reforma.
Por outro lado, foi uma pessoa muito activa. Não se tornou neutro nem abstémio
do que está a acontecer.
Como diz o Cardeal Timothy
Radcliffe, O.P., o título deste Sínodo poderá sugerir introversão, uma Igreja
voltada para si mesma. No entanto, trata-se do maior exercício de escuta do
mundo, na história do Cristianismo.
O objectivo desta consulta
não era “produzir documentos, mas abrir horizontes de esperança para o
cumprimento da missão da Igreja”. Esta esperança não diz apenas respeito à
Igreja Católica, mas a todos os cristãos, aliás, a toda a Humanidade. Parece
que estamos a entrar numa nova época de guerra, violência e pobreza, vivendo
sob a sombra da catástrofe iminente das alterações climáticas, num mundo em que
os jovens têm de, frequentemente, esforçar-se muitíssimo para sonhar com um
futuro[2].
Muitas das ideias, hoje
dominantes, são de morte, são incitamentos a matar. Ora, a essência do Cristianismo
é a apologia da vida e de vida em abundância. O que se tem andado a fazer são
destruições.
Os cristãos, mesmo neste
tempo de destruições, temos de garantir o futuro da Natureza, dos seres
humanos. Não devemos desistir perante as guerras porque na raiz do Natal há
futuro.
Há 2 000 anos, Pedro
tentou impedir Jesus de ir a Jerusalém porque esse era um caminho e um destino
ameaçados e, para ele, não fazia sentido. Depois, descobriu-se o sentido
trágico dessa aventura. Hoje, vivemos a esperança dentro da escuridão do nosso
tempo. Não é optimismo, mas a confiança
de que tudo o que vivemos, toda a nossa confusão e dor, se descobrirá de alguma
forma que tem sentido[3].
2. Deu-se
a passagem do sínodo dos bispos para o sínodo de toda a Igreja. O que é que
isto significa? Significa um salto e é importante ver quais são as suas
expressões e o que há de novo. Não são só os bispos que têm direito a voz e a
voto, mas também um grupo alargado de leigos – mulheres e homens – com direito
a voz e a voto. Isto pede à Igreja iniciativas que diziam que os problemas de
toda a Igreja são os nossos problemas. Cada “igreja local” foi convocada a
entrar na vivência do Sínodo sob o signo da comunhão,
participação e missão, segundo a fórmula consagrada.
Desde o momento em que foi
promulgado até ao Documento final passaram-se 3 anos, numa diversidade que só a
leitura do Documento Final pode exprimir. E isto implica saber que os 355
membros do Sínodo votaram, por voto secreto, cada um dos 155 parágrafos do
documento, em que se reflectem as conclusões sobre questões como o papel da
mulher, a descentralização da autoridade da Igreja, a denúncia do clericalismo
e uma maior participação dos leigos na tomada de decisões.
3. A realização deste Sínodo
foi extraordinária como início do que deve continuar. Foi precedida por um
acontecimento ecuménico singular, alma de todo o diálogo humano. A 4 de
Fevereiro de 2019, o Papa Francisco e o Grande Imame de Al-Azhar, Ahmad
Al-Tayyeb, assinaram o documento Fraternidade
Humana em prol da paz mundial e da convivência comum, em Abu Dabhi. É este
o horizonte do verdadeiro ecumenismo.
Os
textos do Sínodo não existem para substituir os textos do Novo Testamento (NT),
mas para o situar no mundo contemporâneo, contexto em que devem ser lidos e
praticados.
Para S.
Lucas, os pobres escutam os anjos e vão ao encontro de Jesus: Não temais, eis que vos anuncio uma grande
alegria e esta grande alegria é para todo o povo! Reconhecê-lo-eis assim: um
recém-nascido envolto em panos e deitado numa manjedoura[4]. A versão de S. Mateus é
diferente: Tendo Jesus nascido em Belém da Judeia, no tempo do rei Herodes, eis
que vieram os magos do Oriente a Jerusalém, perguntando; Onde está o rei dos judeus, recém-nascido? Com
efeito, vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo[5].
A leitura
das narrativas do NT é fundamental. São elas a referência do insubstituível –
Jesus Cristo – para que não seja esquecido em nenhum tempo nem em nenhum lugar.
São, de facto, peças de uma beleza inconfundível. Sem essas narrativas, como
conhecer a Criança que é semente do futuro da Humanidade?
A
festa do nascimento de Jesus de Nazaré é a possibilidade do nosso contínuo
renascimento. A grande noite de Natal depende de nós, e só de nós, para que
nada continue na mesma e que tudo comece. Se não pertencemos ao povo dos
pobres, resta-nos a solução dos magos: partir pela noite, fugir à segurança e,
depois de termos visto a Força de Deus desencadeada numa criança que está à
mercê de todos, voltar por outro caminho[6].
O
outro caminho começou a ficar desenhado no passado mês de Outubro, nos
trabalhos do Sínodo.
[1] Cf.
Tomás Halík, O Sonho de uma nova Manhã.
Cartas ao Papa, Paulinas 2024, p. 149
[2] Cf. Timothy
Radcliffe, Escutai-o! Para uma
espiritualidade sinodal, Paulinas 2024, pág. 7
[3] Cf. Ibidem,
pág. 17
[4] Cf. Lc 1
– 3: as narrativas do Nascimento de Jesus, suportada pela história da
humanidade – genealogia até Adão
[5] Cf. Mt 1
– 2: as narrativas do Nascimento de Jesus, suportada pela história do povo em
que nasceu – genealogia até Abraão
[6] Cf. Jean
Cardonnel, O,P., O Evangelho e o Mundo
Novo, Livraria Figueirinhas, 1966, pp. 61-66