sexta-feira, 31 de julho de 2020

TÓ MARIA VINHAS - IN MEMORIAM

Tó Maria Vinhas - IN MEMORIAM
                                                         Encontro de 2007
Acabo de receber do Isidro a informação do falecimento no passado dia 22 de Julho do Antigo Aluno Comboniano (1955)  António Maria Matos Vinhas com 76 anos de idade. Segundo informa o Laureano ele foi co-autor, juntamente com o Laureano, do Hino da AAA Combonianos - " NÓS SOMOS COMBONIANOS".
Tó Maria Vinhas foi um assíduo e entusiasta participante dos nossos ENCONTROS ANUAIS, apesar dos problemas de saúde que lhe limitavam nos últimos tempos os movimentos. Arranjava sempre alguém que o transportasse. Eram muito conhecidos, nos meios alfacinhas ( e não só), os seus dotes artísticos como cantor, compositor e autor de livros infantis.
Em nome da AAA Combonianos expresso a minha gratidão pelo entusiasmo que sempre fazia questão de me manifestar nos nossos Encontros e apresento à sua família sentidos pêsames neste momento de dor. Que Deus o "apresente" a S. Daniel Comboni como um dos seus admiradores.
Para outras informações, consultar:
António Pinheiro 

segunda-feira, 27 de julho de 2020

IGREJA FORA DE PORTAS Frei Bento Domingues, O.P.


1. A palavra igreja é uma complicação. Começou por significar, no grego profano, assembleia política do povo. No grego bíblico, a palavra traduz diversos termos hebraicos e foi a preferida para designar as comunidades cristãs. Era nesse sentido que se dizia: a Igreja que está em Jerusalém, em Antioquia, em Éfeso, etc.[i].
Eram comunidades que reconheciam, em Jesus de Nazaré testemunhado pelos seus discípulos, o Caminho que alterava todas as dimensões da vida humana.
Jesus nasceu e cresceu num judaísmo de várias tendências. Quando se tornou adulto, depois de tentar seguir o caminho reformista de João Baptista, teve uma experiência espiritual de tal intensidade que mudou radicalmente o rumo da sua vida[ii]. Pelas suas atitudes, gestos e parábolas introduziu uma revolução radical, teológica e antropológica, no judaísmo em que tinha sido formado.  
Deus tinha sido metido na prisão das prescrições religiosas que, por sua vez, escravizavam os mais pobres e doentes através das suas intermináveis e sofisticadas interpretações. O Nazareno tentou destruir toda aquela casuística mediante duas evidências soberanas: Deus não quer sacrifícios, quer misericórdia; o Sábado – o dia sacralizado do judaísmo – é para o ser humano e não o ser humano para o Sábado.
No entanto, a revolução das revoluções vem apontada em S. Mateus: Ouvistes o que foi dito: «Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo». Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem[iii]. A lei da violência interminável pode ser vencida!
Foi por isso que o primeiro horizonte da missão de Jesus e dos seus discípulos não foram os gentios, mas «as ovelhas perdidas da casa de Israel»[iv]. A revolução devia começar por casa. As grandes polémicas de Jesus com os dirigentes do seu povo são motivadas pelo Espírito das referidas evidências: não havia direito de carregar o povo com obrigações e proibições, quando eles dispunham de escribas e doutores que torciam as normas segundo os seus interesses.
Jesus não escreveu nada nem encarregou ninguém de escrever as suas memórias. Os primeiros escritos cristãos nem sequer se interessavam pelo itinerário que o condenou. O próprio S. Paulo – judeu fervoroso e cidadão romano – só queria testemunhar que Cristo não foi vencido pela crucifixão. Atribuiu a sua viragem, de perseguidor dos discípulos do Messias para se tornar o seu incansável apóstolo, a uma intervenção directa do Ressuscitado[v].
O centro da fé e do Evangelho que anunciava era este: Cristo crucificado ressuscitou. Está vivo e garante a esperança que vence a própria morte. O que o movia nas viagens mais perigosas, até aos limites do mundo conhecido, era precisamente anunciar a judeus e gentios esta convicção. Era deste anúncio que nasciam mais comunidades cristãs que, por sua vez, suscitavam ainda outras. Os seus escritos são cartas para alimentar o fogo e resolver problemas e contendas que estavam sempre a surgir.
2. Os quatro Evangelhos nasceram, pelo contrário, no seio de várias comunidades com problemáticas e estilos de vida bastante diferentes. Era preciso figurar o itinerário terrestre de Jesus Cristo, pois, cada vez haveria menos pessoas que pudessem dizer: eu vi, eu sei como ele era, como vivia, como anunciava o Reino de Deus e como foi traído por discípulos, adversários e inimigos. Era fundamental deixar testemunhos para o presente, para o futuro, para todos aqueles que acreditassem mediante o testemunho dos discípulos.
O Quarto Evangelho termina, precisamente, com uma cena dedicada ao apóstolo Tomé, com estas espantosas palavras: «porque me viste, acreditaste; felizes os que não viram e acreditaram». Esta foi, é e será a condição dos cristãos de todos os tempos e lugares.
João, ao concluir a sua narrativa, não podia se mais claro: «Jesus fez, diante dos seus discípulos, muitos outros sinais ainda, que não se encontram escritos neste livro. Estes, porém, foram escritos para acreditardes que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, acreditando, tenhais a vida eterna em seu nome»[vi].
Como escreveu Frederico Lourenço, «Na segunda metade do século I da era cristã, o manancial (já de si tão rico) de textos em língua grega veio a enriquecer-se ainda mais com o aparecimento de quatro textos que mudaram para sempre a História da Humanidade»[vii]. Este exímio tradutor considera que «são textos insubstituíveis porque falam de Jesus de Nazaré, a figura mais admirável de toda a História da Humanidade». No entanto, Jesus nasceu fora de portas, não teve onde reclinar a cabeça e foi morto fora das portas de Jerusalém.
3. O ressuscitado não abandonou o mundo. Prometeu uma presença actuante até ao fim dos séculos, em qualquer lugar: «Sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria, até aos confins da Terra».
É consensual que, a partir sobretudo do século IV, a orientação da Grande Igreja instalou-se no poder. De perseguida tornou-se perseguidora. João Paulo II teve a coragem de dizer que os cristãos assumiram métodos em contradição com a verdade de Cristo e com o seu Espírito. Em vez do diálogo, praticámos a exclusão; em vez da escuta das diferenças, a condenação; em vez da compreensão ou da tolerância, a perseguição de quem era “outro”: os judeus, os “heréticos” e, mais em geral, quem quer que mostrasse uma diversidade de opiniões, de ética, de fé.
Era uma síntese de muitos erros em muitas épocas. Tornou-se uma banalidade referir o desencontro com a modernidade, com o iluminismo, com a revolução francesa, com a laicidade, o confronto com a hostilidade dos grandes i


[i] C. 1 Tes 1, 1: Paulo, Silvano e Timóteo à igreja de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo, que está em Tessalónica. A vós, graça e paz.
[ii] Mt 3, 11-17 e par.
[iii] Mt 5, 43-45
[iv] Mt 10, 5-16
[v] 1Co.15; Act. 9,1-30
[vi] Jo 20, 29-31; 21, 24-25
[vii] Bíblia, Volume I, Quetzal, 2016, p. 21
rico) de textos em língua grega veio a enriquecer-se ainda mais com o aparecimento de quatro textos que mudaram para sempre a História da Humanidade»[1]. Este exímio tradutor considera que «são textos insubstituíveis porque falam de Jesus de Nazaré, a figura mais admirável de toda a História da Humanidade». No entanto, Jesus nasceu fora de portas, não teve onde reclinar a cabeça e foi morto fora das portas de Jerusalém.

3. O ressuscitado não abandonou o mundo. Prometeu uma presença actuante até ao fim dos séculos, em qualquer lugar: «Sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria, até aos confins da Terra».

É consensual que, a partir sobretudo do século IV, a orientação da Grande Igreja instalou-se no poder. De perseguida tornou-se perseguidora. João Paulo II teve a coragem de dizer que os cristãos assumiram métodos em contradição com a verdade de Cristo e com o seu Espírito. Em vez do diálogo, praticámos a exclusão; em vez da escuta das diferenças, a condenação; em vez da compreensão ou da tolerância, a perseguição de quem era “outro”: os judeus, os “heréticos” e, mais em geral, quem quer que mostrasse uma diversidade de opiniões, de ética, de fé.

Era uma síntese de muitos erros em muitas épocas. Tornou-se uma banalidade referir o desencontro com a modernidade, com o iluminismo, com a revolução francesa, com a laicidade, o confronto com a hostilidade dos grandes impérios e das ideologias totalitárias. Aconteceu, entretanto, o inesperado: veio o Papa João XXIII, veio o Concílio Vaticano II, mas também a turbulência das confusões[2]. De modo ainda mais inesperado, surgiu Bergoglio de fora de portas da Roma imperial e não se instalou no Vaticano.

John L. Allen Jr. avisa: para compreender o Papa Francisco, esqueça Roma e aponte para Lampedusa porque foi o local escolhido para a primeira viagem do Papa fora de Roma, a 8 de Julho de 2013. Durou apenas quatro horas e meia, mas raramente um mero meio-dia na vida de um papado foi tão repleto de simbolismo e substância. Esta ilha tornou-se globalmente evocativa porque é o ponto de entrada na Europa de vagas e vagas de migrantes e refugiados que fogem de África, Médio Oriente e Ásia[3].

Nascia a Igreja de saída, a Igreja fora de portas.



19. 07. 2020



[1] Bíblia, Volume I, Quetzal, 2016, p. 21
[2] Cf. Enzo Bianchi, Secretariado da Pastoral, de 13.07.2020
[3] Cf. Secretariado da Pastoral da Cultura, 10.07.2020

QUEM FOI FREI MATEUS PERES, O.P.? Frei Bento Domingues, O.P.


1. A crónica projectada para este Domingo – a última antes das férias – inspirava-se numa passagem bíblica do Primeiro Livro dos Reis. É muito bela. Salomão reconhece os seus limites para ser um bom governante. Pede a Deus um coração cheio de entendimento para governar o Seu povo, para discernir entre o bem e o mal. Esta oração agradou ao Senhor, que lhe disse:
«Já que me pediste não uma longa vida, nem riqueza, nem a morte dos teus inimigos, mas sim o discernimento para governar com rectidão, vou proceder conforme as tuas palavras: dou-te um coração sábio e perspicaz, tão hábil que nunca existiu nem existirá jamais alguém como tu»[i]. Quem dera que não só D. Trump e Bolsonaro, mas muitos outros governantes, renunciando ao espírito de dominação, fossem guiados por um coração sábio, perspicaz e hábil!
Quando ia começar a crónica deste Domingo, tive de mudar o seu rumo. Morreu, na passada segunda-feira, um confrade do Convento de S. Domingos que nos acolhe, o Frei Mateus Cardoso Peres (1933-2020). Pelo muito que lhe devo, vou deixar, aqui, algumas palavras de agradecimento.
2. Nasceu em Lisboa numa família profundamente cristã. Tinha 9 irmãos e licenciou-se em Direito, em 1956. Nesse mesmo ano, entrou na Ordem dos Pregadores, no Convento dos Dominicanos de Fátima que já frequentara como estudante. Estudou filosofia e teologia no Centro Sedes Sapientiae de Fátima e teologia em Otava (Canadá). Foi ordenado presbítero em 1962.
Com o seu consentimento, permito-me seguir o esboçou do seu itinerário feito por Luiza Sarsfield Cabral [ii].
Foi membro activo de um grupo de grande relevo na renovação do catolicismo português. Figura internacional da Ordem dos Pregadores, é um dos teólogos de contribuição mais original na renovação da teologia moral na Igreja portuguesa no pós-Concílio Vaticano II.
Pertenceu a uma geração de católicos que, marcada por preocupações políticas e sociais, constituiu uma referência obrigatória na década de cinquenta-sessenta em Portugal. João Bénard da Costa retracta-a do seguinte modo: «Na JUC, entre os “contestatários” havia dois ramos distintos: o dos “sociólogos” (mais bem “comportados” e menos “intelectuais”) e o dos “vanguardistas”, quer em posições políticas, quer no interior da Acção Católica, quer numa predominante atenção aos fenómenos estéticos mais inconformistas. Esses eram (éramos) [...] o Nuno Peres (Frei Mateus Cardoso Peres OP), o Nuno Portas, o Nuno Bragança, o Luís Sousa Costa, o Pedro Tamen, o Alberto Vaz da Silva, o M. S. Lourenço, o Cristóvão Pavia, o José Escada, o Manuel de Lucena, o José Domingos Morais, o Duarte Nuno Simões – o Mário Murteira e o Carlos Portas eram a charneira entre os dois grupos»[iii].
Com alguns entusiastas desse grupo, Frei Mateus Peres participou na criação do CCC (Centro Cultural de Cinema – Cineclube de Universitários para uma Cultura Cinematográfica Cristã), que teve o seu início em Novembro de 1956.
Foi colaborador em O Tempo e o Modo, Revista de Pensamento e Acção – importante espaço de diálogo e confronto de diferentes sensibilidades culturais, políticas e religiosas –, tratando do significado histórico e impacto do Concílio Vaticano II (1963-1965), no aggiornamento interno da Igreja e na sua relação com o mundo contemporâneo. A problematização teológica, introduzida em Portugal por Frei Mateus, nos seus textos de O Tempo e o Modo[iv], é hoje considerada, pelos analistas dessa época, como um contributo único para a compreensão da novidade doutrinal e pastoral do Vaticano II[v]. O recurso ao pseudónimo Manuel Frade, com que assinou o último destes artigos, revela as dificuldades e limitações que existiam na Igreja portuguesa, então muito à margem desse acontecimento mundial.
Fez parte da primeira direcção internacional da famosa revista teológica Concilium, editada em português pela Livraria Morais Editora (1965), devido ao empenhamento de A. Alçada Baptista. Era esta a forma de Portugal e o Brasil terem acesso à grande renovação teológica pós-conciliar.
Pertenceu ainda à equipa que, no âmbito das actividades dessa revista, lançou entre nós os «Colóquios para Assinantes», destinados sobretudo a equacionar as questões da Igreja portuguesa à luz de um Concílio por ela praticamente ignorado.
Frei Mateus Peres dedicou muito da sua vida à renovação da teologia moral, na investigação e no ensino: a partir de 1963, no Studium Sedes Sapientiae dos dominicanos, em Fátima; de 1967 a 1972, na Faculdade de Teologia de Otava (Canadá). Regressado a Portugal, continuou a sua dedicação à teologia, no campo da Moral, no Porto (ISET, ICHT, UCP) e, finalmente, na UCP, em Lisboa.
É autor de alguma colaboração em obras colectivas e de inúmeros estudos na área da teologia moral, em revistas como Humanística e Teologia, Communio, Cadernos ISTA e outras. Muito apreciado como professor e conferencista, investigou as razões históricas e teóricas que contribuíram para a «má reputação da moral» (sic).
Ao fazer da ética uma construção do sujeito – em «uma visão teológica que faça justiça ao sujeito» –, deu um contributo decisivo para a superação de dois
persistentes dilemas da teologia e filosofia moral, subjectivismo/objectivismo e autonomia/teonomia. Esta proposta encontra-se na sua obra fundamental, apresentada como tese de doutoramento em 1987, O Sujeito Moral: Ensaio de Síntese Tomista, 1992.
3. A nível dos Dominicanos, viveu em várias comunidades em Portugal e no estrangeiro. Assumiu vários cargos institucionais para que foi eleito: provincial em 3 mandatos, várias vezes prior conventual, mestre de estudantes, sócio do Mestre Geral para a vida intelectual, o que o obrigava a viver em Roma e a visitar vários países, de vários continentes.
Acompanhou o Mosteiro das Monjas do Lumiar, onde se desenvolveram as célebres Conferências do Lumiar. No mundo das congregações religiosas, foi presidente de CNIR.
Tendo desempenhado várias funções de relevo, ao nível da Ordem dos Pregadores, para ele, assumir o poder era o encargo de servir. Não apenas de servir segundo o seu critério individual, mas segundo as instituições democráticas que podem ser adaptadas e nunca postas em causa.
Compreendeu, na prática, a resposta de Deus à oração de Salomão: exerceu o poder com um coração sábio, perspicaz e muito hábil.

26. 07. 2020


[i] Cf. 1Rs 3, 1-15
[ii] Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Volume VI, pp. 211-213
[iii] João B. da Costa, «Meus tempos, meus modos» in Diário de Notícias, «Revista de Livros», 9/11/83,1
[iv] A Igreja entre Duas Guerras (TM, 16-17, 1964), Tradição e Progresso (TM, 18, 1964), A 4ª Sessão: O Concílio e a Igreja (TM, 32, 1965).
[v] Cf. tese de licenciatura em Teologia de Nuno E. Ferreira, in Lusitania Sacra, 2.ª série, 6, 1994, pp.129/294