domingo, 6 de julho de 2025

Perigo maior: a agitação paralisante e a paralisia agitante - Anselmo Borges Padre e Professor de Filosofia

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Crónicas PÁRA E PENSA
Perigo maior: a agitação paralisante

e a paralisia agitante

Anselmo Borges

Padre e Professor de Filosofia

A questão que o ser humano é para si
mesmo mostra-se paradoxal. Por um lado, é
inevitável: o abismo insuperável entre o
que espera e quer ser e o que realmente
alcança, obriga-o a perguntar: o que sou?
Que ser é esse que é entre ser e não ser e
que nunca é plenamente? Por outro lado, a
questão é insolúvel, porque, para conhecer-
se, ele precisava de saltar para fora de si em
ordem a poder ver-se de fora,
objectivamente. Ora, precisamente este salto
é impossível.
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Depois, o ser humano vive-se a si mesmo
em processo e em tensão. E são muitas as
suas tensões. Lá está sempre a pulsão e a
lógica, a afectividade e o pensamento, o
inconsciente e o consciente, a emoção e o
cálculo, o impulso e a razão. Aliás, essa
tensão inscreve-se numa base
neurofisiológica o cérebro que
funciona holisticamente, mas com três
níveis: o paleocérebro, o cérebro arcaico,
reptiliano, o mesocéfalo, o cérebro da
afectividade, e o córtex com o neocórtex, em
conexão com as capacidades lógico-
racionais. Não é sabido, até por experiência
própria, que muitas vezes as respostas
emocionais escapam ao controlo racional
por causa do chamado “atalho neuronal” e
do “sequestro emocional”, como mostrou
Paul D. Mac Lean? De repente, demos uma
resposta a alguém de que depois nos
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arrependemos, a pulsão sobrepôs-se à
razão...

É verdadeiramente paradoxal a
constituição humana. Somos constituídos e
vamo-nos constituindo a partir de uma
herança genética e de uma história, numa
determinada cultura. É próprio do Homem
não ter uma natureza fixa e imóvel, porque
é histórico e cultural.

Somos afectivos e racionais. Ninguém
começa com a inquirição racional do
mundo. Primeiro, o ser humano sentiu o
mundo e foi afectado por ele, positiva ou
negativamente. É muito lentamente que a
razão se vai erguendo no seu uso teórico-
prático.

O Homem é situado, sumamente
concreto: resulta daquele óvulo fecundado
por aquele espermatozóide, naquele
instante, e, sempre, com uma história
concreta esta e não outra. Ao mesmo
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tempo é aberto: ao presente, ao passado e ao
futuro, a todos os outros seres humanos, à
realidade toda, ao que há e ao que não há,
pois é também o ser da utopia e do sonho e
do ilimitadamente possível. A pergunta vai
até ao infinito...

Por isso, é único. Nunca houve nem
haverá outro como eu. Lá está o grito de
Unamuno: “Cada um de nós é único e
insubstituível. Não há outro eu no mundo!
Não há outro eu! Havê-los-á mais velhos e
mais novos, melhores e piores, mas não
outro eu. Eu sou algo inteiramente novo. Eu
não quero deixar-me classificar, porque eu,
Miguel de Unamuno, como qualquer outro
homem que aspire à consciência plena, sou
espécie única”. Ao mesmo tempo, o
Homem é relacional e, precisamente porque
é relação sem limites, aberto a tudo, vem a
si mesmo como único, pessoal e
comunitário.
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Na gigantesca História do universo e da
evolução, sabemos que há Homem, quando
aparecem rituais funerários. Como os
outros animais, o Homem também morre,
mas, ao contrário dos outros, sabe que é
mortal e angustia-se com a morte.

O Homem sabe que é finito, mas essa
consciência da finitude é-lhe dada na
abertura ao Infinito. Esta abertura é
condição de possibilidade da consciência do
finito enquanto finito. É nela que se enraíza
a condição da pergunta religiosa enquanto
tal.

O ser humano é festivo e sério,
condicionado e livre, é homo sapiens e
também homo demens sapiens sapiens e
demens demens (sapiente sapiente e demente
demente). E homo dolens (sofredor) e homo
sperans (esperante).

Assim, precisamos de reflectir sobre nós
mesmos. Os fins de semana e as próprias
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férias não precisam de ser agitação
constante. Também podem ser e deveriam
ser tempo de meditação.

É muito interessante a constatação do
vínculo entre meditação, medicina e
moderação. As três têm como étimo o verbo
latino mederi, que tem o sentido de medir,
pensar, curar, restabelecer o equilíbrio. Cá
está! É sempre a medida e a justeza que
estão em causa. Porque a saúde resulta do
equilíbrio e da harmonia. A moderação tem
a ver com a medida justa. A meditação é
ponderação e pesagem para o equilíbrio
harmónico.

Precisamos de viver
reconciliados/reconciliadas, em harmonia.
Para evitar perigo maior, de que falava D.
António Ferreira Gomes, o famoso bispo do
Porto: a agitação paralisante e a paralisia
agitante.

Sábado, 5 de Julho de 2025