sexta-feira, 26 de julho de 2019

A felicidade está mais em dar do que em receber!

Ao concluir-se a Vª etapa do projeto “Por mares dantes navegados” que nos levou, em dois grupos de 12 participantes cada, à missão de São José do Gungo, na diocese do Sumbe, Angola, recordo, com emoção e gratidão, as palavras de São Paulo, quando se despedia dos anciãos de Éfeso: «Em tudo vos demonstrei que deveis trabalhar assim, para socorrerdes os fracos, recordando-vos das palavras que o próprio Senhor Jesus disse: ‘A felicidade está mais em dar do que em receber’» (Act 20,35).
No contexto dos Actos dos Apóstolos, ‘fracos’ são os pobres e os economicamente débeis, expressão adequada para caracterizar as populações das montanhas do Gungo, campo de trabalho pastoral e humanitária da missão Ondjoyetu, fruto de uma geminação entre as dioceses de Leiria-Fátima e do Sumbe.
A missão de São José do Gungo serve uma comunidade de aproximadamente 34 mil pessoas, dispersa pelas montanhas, em cerca de 80 aldeias, numa área de 2100 km2, maior que o território da diocese de Leiria-Fátima, com uma extensão máxima de 82 Km. Para fazer o caminho que vai do Sumbe à sede da missão, na Donga, uma distância de 130 km, são necessárias, pelo menos, 8 a 9 horas (seis e meia das quais para percorrer 50 km de picada)!
E dava por mim a contemplar a beleza daquelas paisagens e a simplicidade acolhedora daquele povo… e uma pergunta me trazia de volta ao seu quotidiano: quanto trabalho e dedicação, quantos obstáculos e resistências se tiveram de vencer para chegar aos limites da província do Cuanza Sul, entrar em relação com aquele povo para acolher e ser acolhido, e começar a fazer caminho com ele no meio das suas dificuldades e carências, mas também das suas alegrias e esperanças, fazendo-lhe sentir e acreditar que a boa e feliz notícia de Nosso Senhor Jesus Cristo é para eles e que eles mesmos são seus destinatários principais e protagonistas da sua Mensagem! É certo que a Missão é anterior à Independência e que, com a guerra, tudo se complicou…
Mas partir, nos anos noventa, com desejo de servir o Reino de Deus, ser conduzido àquelas paragens e aceitar as suas exigências, diz-nos da seriedade e radicalidade da entrega e da disponibilidade para servir em todas as circunstâncias… Ali, de pouco ou nada vale o gosto por actividades radicais, tão ao jeito da nossa cultura ocidental: os desafios daquele trabalho pastoral assumem outras proporções, pois não são a prazo nem têm horários, para depois se regressar à “zona de conforto”.
Para trabalhar em tais condições não chegam voluntarismos e entusiasmos de momento ou de curta duração, são necessárias razões mais profundas! Só homens e mulheres tocados pelo Evangelho de Jesus poderão fazer suas as fragilidades daquele povo e, na simplicidade e entrega à causa do Reino, criar empatia com as pessoas, suscitar e entrar em relação com aquela ‘juventude de diversas idades’ para os servir na multiplicidade das suas carências e potenciar o seu crescimento humano e cristão.
A missão tem cerca de 80 aldeias; em 65 delas há centro de culto e quase todos têm oração comunitária diária; destes, mais de metade tem celebração dominical sem padre. Os centros de culto estão, por sua vez, organizados em 11 zonas pastorais, com os respectivos catequistas gerais e adjuntos e mais 45 catequistas locais.
Pelo trabalho pastoral ali desenvolvido, primeiro pelo P. Vítor Mira e agora pelo P. David Nogueira, acompanhados por muitas e muitos missionários, dou graças a Deus e peço a Maria que os proteja e conduza nos caminhos da Missão.
P. Armindo Janeiro
Missão do Gungo, Sumbe, Angola 2019

terça-feira, 23 de julho de 2019

A FÉ CRISTÃ NUM COLÉGIO CATÓLICO Frei Bento Domingues, O.P.


1. Neste texto, não pretendo abordar as questões gerais do ensino, em Portugal. Não é da minha competência. Pediram-me para tratar do que exige a fé cristã de um Colégio Católico.

É suposto estes colégios terem alguma referência ao Secretariado Nacional da Educação Cristã. Isto não impede que as orientações de cada instituição, com as suas tradições e práticas educativas, possam ser bastante diferentes.

As escolas, segundo os habituais rankings, são classificadas, bem ou mal, pelos resultados académicos. Nunca dei conta que a Religião contasse para esse efeito. Falo de religião em sentido genérico sem, para já, apreciar as tendências dentro deste fenómeno social que, no Ocidente e nomeadamente em Portugal, é cada vez mais investigada pela Sociologia[1].

A Igreja Católica, sobretudo em alguns países do Ocidente, vê-se confrontada com a declaração: “espiritual sim, religioso não”. Uma sondagem do ano passado, na Alemanha, referente ao ensino religioso e ético, dava os seguintes resultados: 52% acredita em Deus, mas só 22% se declara religioso. “Crentes” são o dobro. O facto de haver pessoas que se definem “espirituais” e não “religiosas” ainda não é um fenómeno de massas. É uma minoria, entre os 6 e 13%, mas é uma tendência que se vai afirmando sobretudo entre os jovens.

É preciso ter em conta que, quando, no Ocidente, se fala de religião, a maior parte das pessoas pensa no Cristianismo, nas grandes Igrejas com os seus dogmas e os seus ritos. A distinção entre espiritual e religioso exprime a tentativa de preferir formas de religiosidade que não têm uma conotação eclesial. As normas respeitantes à fé, sentidas como obrigatórias, contam apenas para um número cada vez menor de pessoas. Neste contexto, a expressão mais usada é a de mercado ou mosaico das religiões, seja qual for a sua origem[2].

A Religião é considerada tão privada – cada um tem a sua ou não tem nenhuma – que, mesmo nos colégios católicos, não conta para os seus rankings. Nestes existe, no entanto, uma disciplina, com carga horária, chamada Educação Moral e Religiosa Católica.

2. Quando os colégios tinham regime de internato, ouvi dizer muitas vezes a quem viveu nesse quadro: já tenho missas para o resto da vida. Como dizia o célebre Bispo de Viseu, D. António Alves Martins, a religião deve ser como o sal na sopa: nem de mais nem de menos. Um remédio medíocre contra o aborrecimento.

A verdade é que encontrei, ao longo da vida, pessoas que frequentaram colégios e seminários que conservavam más recordações da religião que lhes era imposta. Isto não significa que não houvesse, também, pessoas agradecidas por essa rigidez disciplinar. Essas reacções, por vezes, manifestavam temperamentos: as alunas/os de carácter mais submisso ou mais rebelde.

Excepto aqueles casos, que de educadores só tinham o nome, pois eram doentios com os educandos, sempre ficou uma boa recordação dos mestres que o eram e da qualidade do ensino e, sobretudo, do sentido da justiça[3].

O que me impressiona é que, na escolha dos professores de Educação Moral e Religiosa, não haja, pelo menos, o cuidado que existe com os professores de matemática e de português.

Num colégio católico devia existir – e em muitos casos talvez já exista – uma equipa pastoral que reúna professores de psicologia, de ciências e literatura para evitar o desfasamento entre o crescimento académico e o crescimento da fé e das suas razões. De outro modo, quando os alunos ouvem nas aulas de Religião narrativas bíblicas sobre a criação, por exemplo, e nas de ciências estudam as teorias da evolução, quem fica a perder é a religião, a linguagem do inverosímil. Parece que não se aprendeu nada com os embates entre a religião e as ciências do passado. Galileu e a Inquisição! Esquece-se, porém, que a teoria do Big-Bang é de um padre, professor da Universidade Católica de Lovaina. A tão falada contradição entre religião e ciência só pode ser fruto da ignorância nos dois campos.

A procura da excelência no ensino tem de ser o cuidado de todos, seja qual for a sua orientação. Esta procura não pode abrandar quando se trata do ensino religioso. Convém não esquecer aquilo que S. Tomás dizia: se sei e digo de cor o Credo, estou a confessar a fé católica, mas se não procuro saber como é verdade aquilo que confesso ser verdade, estou certo, mas de cabeça vazia. Isto era da Idade Média! Agora, o ambiente que se respira não é o da Cristandade. O dom da fé ou é cultivado ou desaparece. Importa criar um ambiente em que a fé cristã surja como uma fonte de alegria. Como dizia S. João[4], isto vos escrevemos para que a vossa alegria seja completa.

3. A educação cristã da fé exige a descoberta progressiva de Jesus Cristo como sentido, como beleza, como responsabilidade da vida e para a vida. Para realizar essa descoberta progressiva, a filosofia, as ciências, a estética e a ética devem andar bem casadas. Como os bons casamentos, também conhecerá as suas turbulências amistosas.

A linguagem simbólica da fé cristã não apaga o pensamento nem a investigação. A linguagem simbólica nasce de fontes profundas. Não pode ser usada como um calmante. Ela é um excitante de todas as manifestações da vida verdadeira. Dá sempre muito que sonhar e pensar.

A expressão estética dos símbolos da fé provocou e convocou, ao longo da história, a grande música, a grande poesia, a grande pintura e a grande arquitectura.

As celebrações, as orações e as múltiplas expressões da espiritualidade, de um colégio católico, devem merecer um tal cuidado, uma tal participação, que se tornem apetecidas e interpelantes.

Um colégio católico deve ser um laboratório da descoberta e da experimentação da fé cristã. Esta exige o respeito prático do pluralismo religioso. A educação para a tolerância, para o diálogo, para a descoberta do outro é o melhor clima para esse laboratório.

21. Julho. 2019



[1] Cf. Alfredo Teixeira, Coord., Inquérito Identidades religiosas em Portugal, CERC-CESOP (2011); Identidades religiosas na Área Metropolitana de Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2019; Alfredo Teixeira, Religião na Sociedade Portuguesa, Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2019.
[2] Cf. Christoph Paul Hartmann, in Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura, 13. 07. 2019.
[3] Cf. Agustina Bessa-Luís, Contemplação carinhosa da angústia, Guimarães Editora, 2000; em sentido contrário, Miguel Sousa Tavares, Cebola Crua Com Sal e Broa, 2018.
[4] 1Jo 1, 1-4

segunda-feira, 22 de julho de 2019

GRUPO DE CARAPITO - MOIMENTA DA BEIRA


GRUPO DE CARAPITO

Antigos Alunos Combonianos

Criado no ano passado por iniciativa do Dr Caseiro Marques, o Grupo de Carapito, composto por antigos alunos dos Missionários Combonianos, reuniu mais uma vez em Carapito.

Lembramos que, de Carapito, foram cerca de uma dezena os que estudaram no Seminário de Viseu, pertencente àquela congregação religiosa. O primeiro foi o Baltazar Trindade, que entrou naquele Seminário, por volta do ano de 1953. Aliás, este carapitense protagonizou uma interessante aventura que consistiu em fugir do Seminário e ter feito, a pé, sozinho, o caminho entre Viseu e Carapito. Segundo ele, chegou a ser ameaçado por um homem que o perseguiu, conseguindo escapar graças à sua destreza e juventude.

No corrente ano, o Grupo realizou a sua reunião no passado dia 20 de Julho, o que proporcionou um são convívio entre dezena e meia de antigos alunos, quase todos da mesma geração, naturais de Carapito e da região. Mutos outros não puderam participar por se encontrarem longe ou por terem a sua vida organizada e ocupada com os muitos afazeres próprios desta época do ano. Mas compareceu cerca de uma dezena de companheiros, pela primeira vez. Da parte de muitos outros ficou a promessa de virem a participar nos próximos anos. A reunião é aberta às esposas, pelo que o grupo ultrapassou as duas dezenas de convivas.

O almoço, servido num dos restaurantes de Carapito, constou de uma bem apetitosa paelha que saiu do gosto e do trabalho do José Manuel Lopes Marques, também ele antigo aluno comboniano.

Foi do agrado especial do grupo a presença de dois sacerdotes combonianos, representando duas gerações diferentes. Foram eles o Padre Manuel Augusto Ferreira, que já desempenhou funções de Superior Geral dos Combonianos, em Itália, durante dois mandatos e o seu primo, Padre Vítor Dias, que brevemente vai partir para as Filipinas, em missão. Ambos são naturais de Arcozelo das Maias.

Este Grupo de Carapito reúne uma vez pro ano e assenta em algumas afinidades intrínsecas aos participantes, sendo elas: a mesma idade aproximadamente, com entrada no Seminário nos primeiros anos da década de sessenta, a pertença à região, de limites variáveis, em torno de Carapito e uma abertura “ecuménica”, como lhe chamou o Padre Manuel Augusto, significando que todos têm ali lugar, independentemente das suas opções religiosas e políticas, e a sua posição social.

O próximo encontro ficou marcado para o dia 18 de Julho, igualmente em Carapito.

segunda-feira, 15 de julho de 2019

PLURALISMO RELIGIOSO E ORIGINALIDADE CRISTÃ Frei Bento Domingues, O.P.


1. O panorama dos estudos sobre a religião na sociedade portuguesa continua a enriquecer-se. Segundo um Inquérito recente[1], o pluralismo religioso, no território português, está a concentrar-se na Área Metropolitana de Lisboa. Nasce a pergunta: este pluralismo é vivido como diálogo que vai alterando e fecundando os comportamentos de cada grupo ou limita-se a garantir que possam coexistir de forma tolerante ou até indiferente?

A liberdade religiosa está legalmente garantida em Portugal. Segundo um Relatório de 2018[2], não se registaram casos significativos de discriminação por razões religiosas ou abusos de liberdade religiosa que possam ser imputáveis ao Estado ou a outras entidades, nem se perspectivam, num horizonte temporal próximo, tensões sociais, económicas ou políticas que façam prever uma alteração desta situação.

Importa robustecer este clima porque, hoje, tudo é muito frágil. Mas persiste a pergunta: esta coexistência pacífica está a ser activada para alargar e aprofundar a qualidade espiritual das religiões e as suas responsabilidades sociais ou é sinal de crescente indiferença?

Não se pode confundir o diálogo inter-religioso com uma passagem de modelos na qual cada um exibe a sua imagem convencional retocada para ficar bem na fotografia. Sabemos que um confronto é amistoso e crítico quando cada grupo reconhece com verdade: em relação ao passado, nós mudamos muito e vós também.

Com isto não se pretende a abolição das identidades dos diversos movimentos e instituições, desenhadas pela história de fidelidades, inovações e traições, de verdadeiras e falsas reformas[3]. As religiões são construções simbólicas, rituais e organizativas do ser humano, sem garantias de infalibilidade, para configurar o sentido da vida e alimentar a esperança nos bons e nos momentos em que tudo parece perdido.

Como dizia Frei José Augusto Mourão, a era das definições unívocas de religião acabou. Prevalece uma concepção liberal que vai obrigar a que se aceite conviver segundo a ideia de que não há uma saturação do espaço da verdade. O espaço da verdade partilha-se. Há posições, há valores que diferem de religião para religião, de grupo para grupo, de instituição para instituição. Desde que isso não colida com o inegociável, com o indisponível, é possível às pessoas conviverem em paz, sem guerras de religião.

O mito de Babel era a ideia concentracionária de uma única língua, da abolição das diferenças. Era a violência de uma única linguagem. O simbólico derrube da Torre aponta para um valor que nos há-de congregar: se não chegarmos ao diálogo, que cheguemos, no mínimo, à negociação das diferenças[4].

2. Mesmo sem uma definição unívoca de religião, há quem não goste de abrigar o fenómeno cristão sob esse nome. Eduardo Lourenço, por exemplo, tem observações pertinentes acerca deste ponto: «É mais do que discutível que o cristianismo seja uma mística, embora haja, naturalmente, uma mística cristã. É mesmo mais do que discutível que o cristianismo seja uma religião, no sentido antigo e clássico do termo ciceroniano de religare, embora fosse esse o que, exceptuando o horizonte da teologia negativa, se impôs culturalmente».

Explica porquê: «A religio, segundo Cícero, denota a dependência, o laço que ata o homem a Deus. Mas de algum modo esse laço não ata menos Deus ao homem. O cristianismo está aquém ou além desta mútua interdependência. O nome de “Pai”, dado a Deus, não é uma mera antropologização destinada a nomear o que não tem nem pode ter nome – como se fosse “criado” pela nossa nomeação –, mas a pura metáfora do sentimento de pura gratuidade que é a essência do laço que não nos ata a Deus – e muito menos Deus a nós –, mas nos desata de todo o império da necessidade. Deus não é a nossa “propriedade” nem nós a de Deus»[5].

3. O filósofo espanhol, José Antonio Marina, escreveu um ensaio desafiado por outro de sinal contrário, o de Bertrand Russell[6]. Não cabe nesta crónica a discussão que merece. Defende que a religião é a experiência que acompanhou, desde o princípio, a irrupção da criatividade do mundo. O despertar da inteligência humana aconteceu quando um animal peludo bípede compreendeu um signo: o visto converteu-se em símbolo do não visto. Foi, porém, com Jesus que este filósofo percebeu que, apesar de todos os horrores na história humana, o amor de pura generosidade, de pura gratuidade (agapé), acabará por vencer. Confessa que é uma posição individual, optimista e megalómana, mas se Jesus tem razão, «vai ser possível o meu grande sonho: transformar, em todos os registos da nossa vida, o esforço em graça, em agapé». Se o ser humano é um animal simbólico – vendo o que não vê, trazendo para perto o que está longe - a sua fé desafia, mas não contradiz, a razão. Tem olhos e coração que a razão desconhece.

O Cristianismo, nas suas múltiplas expressões, nas suas realizações históricas de pura generosidade e de traições sem nome, está ligado a uma realidade histórica incontornável: Jesus de Nazaré. Tendo em conta a sua prática, as suas parábolas, o dom da sua vida pelos mais abandonados e a recusa de todo o poder de dominação, testemunhou que o Deus de quem se fiou em tudo, até no momento mais dramático da sua existência truncada, é abertura universal a todos os seres humanos, de todos os povos, culturas e religiões.

Jesus não tentou fundar uma nova religião. Indicou a Fonte do seu modo novo de viver para os outros, em liberdade e suscitando vidas em processo contínuo de liberação. É nosso contemporâneo.

Nessa Fonte todos podem beber, banhar-se e renascer criaturas novas[7]. Vidas nascidas do puro Amor (Agapé), para que a sua lei seja a graça do Espírito da liberdade, suprema responsabilidade para que todos tenham vida em abundância. Como? Deixou tudo aberto, em todos os âmbitos, à criatividade humana. Com uma condição: que tudo seja feito, com sabedoria, para servir e nunca para dominar. Avisou: o amor do dinheiro é uma idolatria.



14. Julho. 2019



[1] Alfredo Teixeira, Coord., Inquérito Identidades religiosas em Portugal, CERC-CESOP (2011); Identidades religiosas na Área Metropolitana de Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2019 (edição integral online); Alfredo Teixeira, Religião na Sociedade Portuguesa, Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2019.
[2] Liberdade Religiosa no Mundo, Fundação AIS.
[3] Cf. Revista de Espiritualidade, Itinerários espirituais, nº 106-107, 2019; ver também, José María Mardones, As novas formas da religião, Gráfica de Coimbra, 1996. Desde esta obra, o panorama já é mais diversificado.
[4] Cf. José Augusto Mourão, in O Regresso do Sagrado, Livros e Leituras, Lisboa, 1998, 131.
[5] Cf. Público, 26 de Agosto de 2018.
[6] José Antonio Marina, Por qué soy cristiano, Anagrama, Barcelona, 2005. Bertrand Russell, Por qué no soy cristiano. A tradução em português é da Brasília Editora, Porto.
[7] Cf. Romanos 8; Gálatas 5; Jo 3

domingo, 14 de julho de 2019

segunda-feira, 8 de julho de 2019

O PAPA FRANCISCO NO IRAQUE Frei Bento Domingues, O.P.


1. Seria ridículo discutir se o Papa Francisco deve ou não ir ao Iraque. Não basta dizer que é um desejo que ele gostaria de realizar já no próximo ano. Os desejos do Papa não costumam ser de ordem turística. O que será que o move?

O mais espantoso é que tenha sido o governo de Bagdad a convidá-lo. O Presidente iraquiano, Barham Saleh, não é católico e, no entanto, numa missiva dirigida ao Papa, declarou que tinha a honra de o convidar para visitar o Iraque, berço da civilização e local do nascimento de Abraão. A visita constituiria uma oportunidade para lembrar ao povo do Iraque e ao mundo que o Papa se deslocaria à terra que deu à humanidade as suas primeiras leis, a rega agrícola e um legado de cooperação entre os povos do mundo de tradições confessionais diversas. Se fosse apenas isto, seria uma viagem de ordem cultural, de memória religiosa e ecuménica. É uma memória extraordinária, que só a ignorância ou a barbárie jihadista podem desejar esquecer e destruir. No entanto, talvez não baste para justificar a deslocação do Papa.

Também não é suficiente dizer que o Papa vai mostrar que também há cristãos árabes. Pensar que os árabes são todos muçulmanos é uma ignorância e que os cristãos do Oriente são apenas os membros das Igrejas ortodoxas.

Como lembra Jean-Marie Mérigoux, O.P., os cristãos dos países árabes são os cristãos dos países da Bíblia: os do Iraque são da terra de Abraão; os do Egipto são do país de Moisés; os da Palestina e de Israel, a chamada “Terra Santa”, são da terra de Jesus. Foi de Antioquia, na Síria, que os apóstolos saíram para fazer discípulos de todas as nações, como diz S. Mateus.

Os cristãos do mundo árabe nasceram e vivem onde Jesus nasceu, falou aos seres humanos e realizou a Páscoa: os católicos, os ortodoxos e os protestantes estão em sua casa nos países da Bíblia e são, para os do mundo inteiro, os irmãos mais velhos na fé e que os ajudam a descobrir, por um carisma que lhes é próprio, a proximidade terrestre de Deus. Quanto a Jerusalém, no coração do Próximo Oriente, judeus, cristãos e muçulmanos amam-na apaixonadamente. Hoje, no Médio e Próximo Oriente, maioritariamente muçulmano, os cristãos são cerca de 15 milhões[1]. Pertencem, no entanto, à identidade do Médio Oriente.

2. Os cristãos do Oriente são quase desconhecidos pelos cristãos do Ocidente. Muitas vezes, conhecem apenas o nome dos grandes patriarcas ortodoxos como os de Constantinopla e de Moscovo. Os católicos latinos do Ocidente quase desconhecem a sua Igreja na sua parte oriental. Maximos V, patriarca grego católico, lamentava que, entre eles, se ignorasse que tinham irmãos católicos orientais e a importância e o lugar dos seus patriarcas e das suas Igrejas particulares, no seio da Igreja católica.

É importante que os católicos ocidentais se esforcem por conhecer os seus irmãos católicos do Oriente. Não é aceitável ouvir dizer que “o Oriente cristão era o domínio próprio da ortodoxia” e que “o Ocidente cristão seria o domínio da catolicidade”. Isto é contrário à realidade e à verdade: latinidade não significa catolicidade e oriente não significa ortodoxia. Pouco antes do Vaticano II, do qual foi uma das figuras eminentes, o patriarca grego-melquita-católico, Maximos IV lamentava demasiadas vezes: o Ocidente católico ignorou-nos. Este patriarca manifestou que tanto a sua Igreja católica como as outras Igrejas orientais católicas tinham, como vocação, aproximar a catolicidade e a ortodoxia. Uma tal Igreja, simultaneamente católica e árabe, revelava-se muito próxima e capaz de compreender as Igrejas ortodoxas, também elas orientais e árabes. Na peregrinação de Paulo VI a Jerusalém, em 1964, o patriarca Athenágoras encontrou Maximos IV e declarou: segui as vossas intervenções no Concílio e agradeço-vos, pois representaste-nos a todos. Obrigado.

Estas referências que muitos julgarão bizantinas, ajudam-nos a perceber que a Igreja respira bem quando tem dois pulmões: o oriental e o ocidental. Como aliás lembrou João Paulo II.

O Ocidente católico não pode ignorar que também existe um oriente católico com as suas riquezas eclesiais, espirituais, teológicas, artísticas e as suas tradições litúrgicas e canónicas. Tem necessidade, para a sua vida espiritual de não absolutizar certas práticas que no contacto do oriente cristão podem descobrir como são relativas. Se a língua árabe é utilizada quotidianamente nestas Igrejas, o siríaco, o grego, o copta e o arménio são línguas litúrgicas e patrísticas.

3. O Iraque, mas não só, tem sido cenário de uma sucessão de conflitos nos últimos 40 anos, tendo enfrentado um embargo internacional, uma invasão norte-americana e, mais recentemente, três anos de ocupação por parte do grupo Daesh. Finalmente, o país declarou vitória sobre o grupo islamista.

O clima de violência vivido no país provocou o êxodo de milhares de pessoas, especialmente entre as minorias. O número de cristãos, que era de 1,5 milhões antes da queda de Saddam Hussein, em 2003, passou para 500 mil. Não se pode consentir que o Próximo Oriente se transforme em cemitérios ou em museus cristãos.

A notícia do desejo do Papa ir ao Iraque e do seu Presidente o ter convidado oficialmente, suscitou um enorme entusiasmo na população. Como referiu o Patriarca Louis Sako Rafael I, ao ouvirem as palavras do Papa Francisco, aplaudiram à maneira iraquiana, dizendo aleluia, aleluia.

Que podem eles esperar do Papa? Ele próprio declarou: “desejo de ir no próximo ano, para que o Iraque possa seguir em frente, através da participação pacífica e partilhada na construção do bem comum de todos as componentes religiosas da sociedade, e não caia novamente em tensões que vêm dos conflitos intermináveis de potências regionais”.

Com esta declaração manifesta que não vai apenas para apoiar as muito sofridas comunidades católicas orientais, como lhe pertence. O que o preocupa é a participação pacífica e partilhada na construção do bem comum de todas as componentes religiosas da sociedade.

Francisco tem demonstrado nas viagens, onde os católicos são uma minoria, que consegue entusiasmar todas as correntes da sociedade, civil e religiosa.

Tem sido a voz de uma prática de acolhimento das pessoas em fuga, amontoadas dentro de navios, em busca de esperança, sem saberem em que portos poderão ser acolhidas.

Para embarcações, com armamentos sofisticados e caros capazes de produzir devastação que não poupam nem sequer as crianças, há sempre portos abertos. Francisco é a voz permanente daqueles a quem querem roubar a própria esperança.

07.07.2019



[1] Cf. Jean-Marie Mérigoux, O.P., Chrétiens du monde arabe, La vie spirituelle, nº 805 p 169-176

sábado, 6 de julho de 2019

UASP em missão no Sumbe, Angola -

Parte para a Angola, na próxima segunda-feira, 8 de Julho, um segundo grupo de dez missionários, no âmbito do projecto da União das Associações dos Antigos Alunos dos Seminários Portugueses “Por dantes navegados” – Vª Etapa, e que terá, como ponto central, a Missão do Gungo, fruto de uma geminação entre as dioceses de Leiria-Fátima e do Sumbe.
Tal como a origem do projecto “Por mares dantes navegados” foi marcada pela proclamação do Ano da Fé (Bento XVI), também esta etapa está a desenvolver-se sob o espírito do Mês e do Ano Missionários, proclamados pelo Papa Francisco e pela Conferência Episcopal Portuguesa, respectivamente, com o intuito de “renovar o compromisso missionário da Igreja”.
Francisco, na mensagem para o Dia Mundial das Missões (20/10/2019), convida-nos a “reencontrar o sentido missionário da nossa adesão de fé a Jesus Cristo, fé recebida como dom gratuito no Baptismo”. Da fé – recorda-nos o Papa – “nasce uma vida nova partilhada com muitos outros irmãos e irmãs. E esta vida divina não é um produto para vender – não fazemos proselitismo –, mas uma riqueza para dar, comunicar, anunciar: eis o sentido da missão”.
É este o sentir e o espírito que presidiu e preside à organização, preparação e realização de cada uma das etapas deste Projecto que já nos levou ao contacto com as comunidades das dioceses de Cabo Verde, Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe, Madeira e agora Sumbe, em Angola. Vamos viver o dia a dia da Missão do Gungo, na cidade e nas montanhas!
Com uma duração de treze dias, participaremos nos diversos trabalhos da Missão, executando algumas tarefas de apoio à comunidade, e visitaremos locais de maior interesse histórico e religioso, ambiental e paisagístico.
A todas as pessoas e instituições que nos ajudaram a preparar esta viagem missionária e a angariar bens e valores para a partilha, o nosso bem-haja!
P. Armindo Janeiro
Presidente da Direcção