sexta-feira, 26 de março de 2021

O resgate do escravo…Pe. Armindo Janeiro - UAASP

 

Um vírus traiçoeiro saído da degradação ambiental ou da manipulação genética para fins inconfessados, persegue a humanidade, há mais de um ano, e arrasta consigo um cortejo imenso de vítimas, levantando suspeitas sobre todos os nossos contactos presenciais; e ameaça voltar, em vagas sucessivas, para lançar mais insegurança e desespero, mais destruição e morte, suspendendo a vida comunitária à face da Terra e mantendo-nos reféns…

Com que alívio recebemos a notícia da descoberta de vacinas, com que expectativa assistimos ao início da vacinação… pois só assim se pode enfrentar com eficácia a crise sanitária! Contudo, a dimensão da calamidade – necessitamos de milhares de milhões de doses –, a capacidade instalada para a sua produção, a necessidade de integrar novas respostas à mutação do vírus, os interesses instalados e os critérios de distribuição fazem com que tudo se torne lento, muito lento, não permitindo que a resposta chegue, em tempo útil, a muitos dos mais frágeis! VER ARTIGO NA ÍNTEGRA

Por P. Armindo Janeiro


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segunda-feira, 22 de março de 2021

Terá futuro, a língua portuguesa? - LAUROPORTUGAL

 

SOMOS PORTUGUESES, MAS WE SPEAK ENGLISH!

(Terá futuro, a língua portuguesa?)

 

Lamentável e contra-sensual, no mínimo, é haver gente nada e criada aqui, em Portugal, que a toda hora, em qualquer lugar ou circunstância, utiliza termos e expressões em inglês, quando bem podia usar os correspondentes em português. Por que há-de dizer-se “task force”, por exemplo, quando se pode utilizar “grupo de trabalho”? Por vaidade? Por ser moda? Por ser “nice”?

“Se não for travada a entrada na nossa língua de estrangeirismos desnecessários”, afirma José Eduardo Agualusa, “Portugal não deixará de ficar de joelhos”. Também João de Araújo Correia sentencia: “Se Portugal perder o bom uso do Idioma, não perderá as algemas. Terá de se conformar com a escravidão.”

 

“All together now” é letra de um tema dos Beatles. Em 2018 a BBC estreou uma mostra de talentos com o mesmo nome. Agora, em Março (2021) a TVI avançou com o formato inglês (como não podia deixar de ser, já que somos uns “macacos de imitação” – não é preciso dizer em inglês “copy cats” –, incapazes de criar algo), “All together now”, evidentemente. A maioria dos participantes CANTAM EM INGLÊS, claro.

 

Naturalmente a “cereja no bolo” tinha de aparecer. E apareceu. No Festival da Canção deste ano (2021). OS BLACK MAMBA VENCERAM COM UM TEMA CANTADO EM INGLÊS (“Love is on my side”). Não está aqui em causa a valia do quinteto que obteve passaporte para Roterdão, valia que tem, com certeza, já que há dez anos se mantém na cena musical. O problema é que o REGULAMENTO DO FESTIVAL NÃO IMPEDIA A CANDIDATURA DE CANÇÕES EM INGLÊS! Regulamento emanado pela televisão promotora do festival no nosso país, A RTP, A TELEVISÃO PORTUGUESA, empresa pública, que duas vezes recebe subsídios dos cidadãos: directamente do Estado (que somos todos) e pela “contribuição audiovisual” na factura da electricidade de cada cliente. NÃO LHE CABE A OBRIGAÇÃO DE DEFENDER/DIFUNDIR A LÍNGUA PORTUGUESA? Mas, para cúmulo da estupefacção, a canção dos “Black Mamba”, que no final estava empatada com o tema “Por um Triz”, acabou vencedora, pelos votos do público! O PÚBLICO PORTUGUÊS VOTOU POR UMA CANÇÃO EM INGLÊS! Mas em que país estamos?

 

Assim, não tenhamos dúvidas: Portugal corre o risco de perder a identidade, tornando-se, no dizer de Eduardo Lourenço, “um ser intrinsecamente mortal”. Haverá tempo – e vontade – para inverter a situação? É que já estamos a assistir a um conjunto de profundas alterações que descaracterizam o idioma português.

Sei que este escrito não passa de uma análise factual com pouca visibilidade, um alerta contra a negligência que nos impele a deixarmos de ser nós próprios. Das opções que fizermos hoje dependerá o futuro da nossa língua – o nosso futuro. Porque o desleixo faz-nos correr o SÉRIO RISCO DE A LÍNGUA PORTUGUESA, A LÍNGUA DE CAMÕES, DE AQUILINO, DE PESSOA – A NOSSA LÍNGUA – NÃO TER FUTURO.

 Laureano Leitão - Antigo Aluno Comboniano

 

domingo, 21 de março de 2021

A ALEGRIA ACONTECE (2) Frei Bento Domingues, O.P.

 

1. A viagem do Papa ao Iraque já foi muito comentada. Parece-me, no entanto, que não foi destacado o seu contributo para robustecer a alteração profunda que está a acontecer, na história e no relançamento do diálogo inter-religioso, com incidência direta nas práticas sociais.

Não basta denunciar a cobertura falsamente religiosa dos discursos do ódio e da violência e proclamar o diálogo como caminho para abordar as dificuldades nas relações entre seres humanos.

No primeiro momento de qualquer diálogo, o mais importante é a escuta do outro na sua irredutível alteridade e nas suas imprevisíveis manifestações. No chamado diálogo inter-religioso, como é praticado nas mesas-redondas dos meios de comunicação e noutros espaços, em geral não se vai muito além de uma escuta inconsequente, pois não parece destinado a alterar o presente e o futuro dos intervenientes. Apresenta-se, por vezes, como uma passagem de modelos religiosos: os representantes de cada religião em foco passam a fazer a apologia da sua própria religião, procurando desfazer as acusações que habitualmente lhe são feitas, fruto de ignorâncias e preconceitos persistentes.

É uma fase necessária, mas muito insuficiente porque lhe falta a análise crítica da situação actual e as propostas de reforma para o futuro.

O que, no entanto, está a acontecer, ao nível das grandes lideranças religiosas, anuncia o despontar de algo que julgo muito novo.

No encontro em Abu Dabhi (04.02.2021), entre o Papa Francisco e o Grão Imame de Al-Azhar, Ahmad Al-Tayyeb, assumiram adoptar a cultura do diálogo como caminho; a colaboração comum como conduta; o conhecimento mútuo como método e critério: «Nós – crentes em Deus, no encontro final com Ele e no Seu Julgamento –, a partir da nossa responsabilidade religiosa e moral e através deste Documento, rogamos a nós mesmos e aos líderes do mundo inteiro, aos artífices da política internacional e da economia mundial, para se comprometerem seriamente na difusão da tolerância, da convivência e da paz; para intervir, o mais breve possível, a fim de se impedir o derramamento de sangue inocente e acabar com as guerras, os conflitos, a degradação ambiental e o declínio cultural e moral que o mundo vive actualmente».

Deste diálogo e do documento que assinaram, longamente trabalhados, resultou uma missão, um programa de acção. Os intervenientes descobriram que é possível substituir o comportamento de mútua rivalidade por intervenções comuns em função da paz, a nível local e global, pois, não haverá paz entre as nações sem a paz entre as religiões (H. Küng). Existe, agora, um compromisso mútuo que terá de ser periodicamente avaliado, com a pergunta: que fizemos com a solene declaração que assinamos?

2. Na peregrinação ao Iraque, além de outros objectivos, o encontro, em Najaf, entre o Papa e o Ayatollah, Al-Sistani, principal líder religioso xiita, foi mais do que um encontro de cortesia. A declaração do gabinete de Al-Sistani referiu que o grande Ayatollah defende concretamente a paz e segurança para os cristãos no Iraque, em pleno cumprimento dos seus direitos constitucionais. Evocou também os incidentes dos últimos anos, especialmente durante o período, no qual, terroristas tomaram vastas áreas em várias províncias iraquianas, praticando terríveis actos criminosos. O comunicado realça ainda que os dois responsáveis debateram as situações persistentes de injustiça, opressão, pobreza, perseguição religiosa e ideológica. O grande Ayatollah destacou o papel que os grandes líderes religiosos e espirituais devem desempenhar na contenção dessas tragédias.

Não são, apenas, belas palavras sem consequências: assumem um compromisso que deve englobar também as desgraças que o autoproclamado “Estado Islâmico” difunde em muitas zonas de África.

No encontro inter-religioso em Ur, terra natal de Abraão, segundo a tradição bíblica, o Papa Francisco lembrou, aos seguidores das diferentes religiões monoteístas, que não se devem considerar apenas todos irmãos e descendentes do mesmo patriarca. A prática da fraternidade religiosa deve estar ao serviço da fraternidade universal, em colaboração com todas as pessoas e movimentos, sem descriminações.

Com esta nota, pretendo chamar a atenção para o novo passo no diálogo inter-religioso consequente: a condição humana é comum a crentes e a não crentes. Como destaquei na crónica anterior, o Papa Francisco mostrou que a religião autêntica não é uma alienação: «Erguemos os olhos ao Céu para nos elevarmos das torpezas da vaidade; servimos a Deus, para sair da escravidão do próprio eu, porque Deus nos impele a amar. Esta é a verdadeira religiosidade: adorar a Deus e amar o próximo. No mundo actual, que muitas vezes se esquece do Altíssimo ou oferece uma imagem distorcida d’Ele, os crentes são chamados a testemunhar a sua bondade, mostrar a sua paternidade através da nossa fraternidade».

3. O Papa Francisco tem nomeado, muito a conta gotas, algumas mulheres para cargos de algum relevo no Vaticano. Não é muito, mas já é alguma coisa.

O que me deu especial alegria foi a carta de María Lía Zervino, presidente da União Mundial de Organizações Femininas Católicas, dirigida diretamente ao Papa Bergoglio:

«… Recordo que o ano passado nos recomendaste pessoalmente para sermos corajosos como Maria Madalena, mesmo quando nos dirigimos ao Papa. Por isso, permito-me dizer-te, com todo o respeito, confiança e afecto, que, como mulher, sinto que algo nos é devido. Lutas contra o machismo e o clericalismo, mas penso que não se fez o suficiente para aproveitar a riqueza das mulheres que constituem grande parte do povo de Deus.

«… Sonho uma Igreja que tenha mulheres idóneas como juízes em todos os tribunais em que se tratam as causas matrimoniais, nas equipas de formação de cada seminário e para o exercício de ministérios como a escuta, a direcção espiritual, o cuidado da saúde pastoral, o cuidado pelo planeta, a defesa dos direitos humanos, etc. Para os quais, pela nossa natureza, as mulheres estão preparadas igualmente ou por vezes melhor do que os homens. Não só as mulheres consagradas, mas todas as mulheres leigas que, em cada região do mundo, estão prontas a servir!

«Sonho que, durante o teu pontificado, inaugures, juntamente ao sínodo dos bispos, um sínodo diferente: o sínodo do povo de Deus, com uma representação proporcional do clero, dos consagrados e das consagradas, dos leigos e das leigas. Não seremos mais felizes só porque uma mulher vota pela primeira vez, mas porque muitas mulheres leigas preparadas, em comunhão com todos os outros membros desse sínodo, possam dar o seu contributo e o seu voto, que se juntará às conclusões que serão colocadas nas tuas mãos».

Para María Lía Zervino não se trata de uma reivindicação, pois, na sua perspectiva, as mulheres não pretendem ocupar lugares como vasos de flores, nesta moda de nomear mulheres, nem subir a posições de poder. Pretendem servir.

Entretanto, outras alegrias e ambiguidades aconteceram. É assunto para outras crónicas.

 

 

21. Março. 2021

domingo, 14 de março de 2021

A ALEGRIA NÃO SE DECRETA (1) Frei Bento Domingues, O.P.

 

1. Quando comecei a ler os textos da liturgia deste Domingo, consagrado à alegria, fiquei triste. São textos muito antigos acerca de acontecimentos ainda mais antigos, de mundos que apenas se renovam em guerras fratricidas, com deuses que só se mostram relevantes a justificar a violência. Não parecem os mais adequados para despertar, hoje, nas comunidades das celebrações dominicais, online, motivações e formas para enfrentar a fadiga, a tristeza e a depressão. Pensei: algo como o quarto andamento da Nona Sinfonia de Beethoven seria bem-vindo!

É, no entanto, pressuposto que tais motivações estão inscritas nesses veneráveis documentos da memória religiosa. Seria tarefa das homilias fazer a ponte entre eles e as questões da nossa vida presente: a Bíblia, em acto de interpretação, numa mão e o jornal na outra, como recomendava Karl Barth.

Mesmo quando isto acontece, o resultado nem sempre é entusiasmante. Há muito tempo que se diz que as homilias ajudam mais ao aborrecimento do que à festa.

Nos anos 60 do século passado, defendi – num longo texto académico baseado em Tomás de Aquino, dominicano, e em Odo Casel, beneditino – que a intervenção história de Jesus Cristo, participante da eterna juventude do seu Deus, não ficava, como se diz na Missa, “naquele tempo”, colada a um remoto passado. A sua eficácia libertadora atinge presencialmente todos os tempos e lugares. Cristo é nosso contemporâneo. Acorda sempre mais cedo do que nós e nem espera pelas nossas celebrações litúrgicas. Está presente e actuante em toda a nossa vida se consentirmos nessa humana e divina provocação[1].

O consentimento é essencial. Não estamos no reino dos automatismos mecânicos. A liturgia sacramental, como o próprio nome sugere e invoca, acontece na linguagem simbólica de todo o corpo humano vivo, pessoal e comunitário. Não actua sem nós, sem a nossa colaboração e a da comunidade de esperança. A poesia, a música de grande qualidade, a beleza dos gestos devem falar a infinita bondade contagiante de Deus vivo, na transformação das relações entre irmãos.

       Enquanto celebração comunitária, precisa de um programa – um ritual – no qual todas as pessoas se possam reconhecer enquanto concelebrantes e não como assistentes. “Assistir à missa” não é concelebrar com palavras e gestos criadores de laços fraternos, visíveis e invisíveis, com toda a humanidade a que Cristo se oferece como pão e vinho, vida dada para alimentar a alegria e ajudar a esperança.

     Deixo, aqui, uma breve referência às leituras da Missa, para ler na íntegra, meditar e escrever ou cantar segundo a ressonância que nos provocarem. Essas leituras abrem com esta antífona: Alegra-te, Jerusalém; rejubilai todos os seus amigos. Exultai de alegria todos vós que participastes no seu luto e podereis beber e saciar-vos na abundância das suas consolações.

A primeira leitura, tirada do 2º Livro das Crónicas, narra o regresso do exílio por iniciativa de Ciro, rei dos persas, que lhes abre o caminho de regresso a Jerusalém, seguida de um poema muito belo, Salmo 136: sobre os rios da Babilónia nos sentamos a chorar

A segunda leitura, da Carta aos Efésios, assegura-nos que já estamos no céu de Deus, no céu da sua pura misericórdia, não por mérito nosso, mas por iniciativa do seu infinito amor.   O Evangelho é de S. João. Jesus diz a Nicodemos, seu discípulo clandestino: Deus não enviou o seu filho ao mundo para condenar o mundo[2]. A especialidade de Deus, tantas vezes contrariada pelas religiões e pelas igrejas pouco cristãs, não é a de condenar, mas a de salvar o que parecia irremediavelmente perdido!

2. Agora, tenho de confessar que, nos últimos dias, passei do desconsolo para momentos de extraordinária alegria. Primeiro, foi a notícia de que o Papa Francisco foi passar duas horas com Edith Bruck, uma judia sobrevivente do holocausto, a maior tragédia do século XX. Depois, foi a peregrinação do Papa Francisco ao Iraque. Veio testemunhar que é possível alterar, em diálogo lúcido e afectivo, o comportamento dos próprios líderes das religiões.

No caso católico, não posso esquecer o testemunho que espantou a empregada de Hannah Arendt, quando morreu João XXIII: «Senhora, esse papa era um verdadeiro cristão. Como foi possível? E como pôde acontecer que um verdadeiro cristão se sentasse no trono de S. Pedro? Ele não teve que ser primeiro nomeado bispo, arcebispo e cardeal, antes de ser, finalmente, eleito papa? Ninguém se deu conta de quem ele realmente era?»[3].

Também eu me comovia, até às lágrimas, nas audiências abertas deste Papa, onde toda a gente se julgava da sua família. Espantei-me com a sua determinação, como se fosse a coisa mais normal do mundo, ao referir-se, de forma humorada, à convocatória do Concílio Vaticano II, o maior acontecimento religioso do Século XX e que ainda não foi verdadeiramente interiorizado em vários sectores da Igreja.

3. A visita do Papa Francisco ao Iraque é um acontecimento de alcance mundial, que vai levar muito tempo a ser digerido pela chamada herança de Abraão: judeus, cristãos e muçulmanos. Com um dos grandes líderes do Islão sunita, já tinha assinado um célebre documento conjunto. Agora, com o grande líder do Islão xiita teve um encontro memorável. Também vai levar algum tempo a ser compreendida por quem julga que Deus e as religiões deixaram de ser relevantes.

Com as iniciativas inclusivas dos diálogos inter-religiosos, não estarão em curso reformas inesperadas, nas chamadas religiões monoteístas, reconduzidas ao que têm de mais essencial?

No Encontro inter-religioso, na planície de Ur, o Papa Francisco apontou para o ponto fulcral: «Nós, descendência de Abraão e representantes de várias religiões, sentimos que a nossa função primeira é esta: ajudar os nossos irmãos e irmãs a elevarem o olhar e a oração para o Céu. E disto todos precisamos, porque não nos bastamos a nós próprios. O ser humano não é omnipotente; sozinho, não é capaz. E se escorraça Deus, acaba por adorar as coisas terrenas. Mas os bens do mundo, que fazem muitos esquecer-se de Deus e dos outros, não são o motivo da nossa viagem sobre a terra. Erguemos os olhos ao Céu para nos elevarmos das torpezas da vaidade; servimos a Deus, para sair da escravidão do próprio eu, porque Deus nos impele a amar. Esta é a verdadeira religiosidade: adorar a Deus e amar o próximo. No mundo actual, que muitas vezes se esquece do Altíssimo ou oferece uma imagem distorcida d’Ele, os crentes são chamados a testemunhar a sua bondade, mostrar a sua paternidade através da nossa fraternidade».

Para que a alegria desta peregrinação não esmoreça, há muito que fazer. Voltaremos ao assunto.

 

 

14. Março. 2021

 



[1] Cf. S. Tomás de Aquino, Summa Theologiae, 3 q.48 a.3; q.56 a.1; Odo Casel, OSB, O Mistério do Culto Cristão, SNL, 2019

[2] Há várias traduções do texto grego: as que figuravam nas Bíblias de uso mais corrente, a tradução de Federico Lourenço, a nova tradução proposta pela Conferência Episcopal Portuguesa (ad experimentum) e as observações de Dimas de Almeida a esta nova tradução e a sua proposta. Todas elas oferecem inconvenientes em português inteligível.

[3] Cf. A verdadeira força de João XXIII. Artigo de Hannah Arendt, in Revista IHU Online, Edição 546

sexta-feira, 12 de março de 2021

A economia deFrancisco – 6 - Pe. Carlos Vaz

 Ser fermento onde quer que nos encontremos

 

"Ouvindo os vários debates e fóruns sobre economia, inclusive com a participação de peritos de formação cristã, tenho reparado que se apela sempre ao testemunho de quem julga saber da matéria ou de quem tem tido êxito na vida empresarial. Pensa-se na melhor maneira de produzir riqueza e na melhor forma de a distribuir equitativamente. Mas isto, como afirma o Papa Francisco, não basta. «É preciso que os pobres e excluídos se tornem protagonistas da sua vida e de todo o tecido social. Não basta pensar por eles e em vez deles. Temos de pensar com eles». Creio que é este o enorme desafio a todos nós. Baste pensar nas famosas reuniões do G20, o grupo das 20 nações mais desenvolvidas, que tomam decisões e propõem soluções, mas sem as pensarem com representantes dos países pobres e tendo em vista primordialmente erradicar de verdade a pobreza estrutural e cuidar amorosamente do planeta terra que também está gravemente doente.

Não podemos separar o económico do humano; o desenvolvimento, da civilização em que se insere. Aquilo que conta, para nós, é o homem, todo o homem, todos os grupos de homens, até incluir toda a humanidade, afirma Francisco, citando a 'Populorum Progressio', nº 14." VER o artigo na integra


Por P. Carlos Vaz, ASSASBRaga



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segunda-feira, 8 de março de 2021

Daniel Comboni: a paixão de uma vida! - DM, Pe. Alberto Vieira

       


  A meio do mês de Março celebramos um gigante de humanismo e de fé: Comboni. Em 15 de Março de 1831 nasceu Daniel Comboni em Limone Sul Garda (Itália) de pais pobres de bens, mas ricos de humanidade: Domingas Pace e Luis Comboni. Foi o quarto de 8 filhos falecidos quase todos em tenra idade. Em 1854 Daniel Comboni é ordenado sacerdote e três anos depois parte para a África juntamente com outros cinco missionários e com a bênção da mãe que lhe diz: “Vai, Daniel, e que o Senhor te abençoe”.  Comboni viveu e morreu no coração da África. Teve sempre a África no coração mesmo quando se encontrava na Europa mobilizando recursos e missionários para mais e melhor servir a missão. Ao assistir à morte em África dum seu jovem companheiro missionário, Comboni em vez de desanimar sente-se interiormente confirmado na decisão de continuar a sua missão e assume o compromisso: “Nigrizia ou morte, África ou morte”. Daniel tem uma iluminação fulgurante que o leva a elaborar o seu famoso Plano para a regeneração da África, um projeto missionário que se pode sintetizar numa intuição, «Salvar a África com a África», e que é fruto da sua ilimitada confiança nas capacidades humanas e religiosas dos povos africanos. Pelos africanos consome todas as suas energias, e luta tenazmente pela abolição da escravatura. A sua fé inquebrantável no Senhor e na África leva-o a fundar em 1867 e 1872, respectivamente, os seus Institutos missionários, masculino e feminino, posteriormente conhecidos como Missionários Combonianos e Irmãs Missionárias Combonianas.  Dentro da sua espiritualidade hoje temos também as Seculares Combonianas e os Leigos Missionários Combonianos.

 No dia em que regressou a Cartum, Sudão, como pastor deste povo, em 11 de Maio de 1873 disse: “Eu volto para o meio de vós para nunca mais deixar de ser vosso, e totalmente consagrado para sempre ao vosso maior bem. O dia e a noite, o sol e a chuva encontrar-me-ão igualmente e sempre disposto a atender às vossas necessidades espirituais; o rico e o pobre, o são e o doente, o jovem e o idoso, o patrão e o servo terão sempre igual acesso ao meu coração. Quero partilhar a vossa sorte, e o dia mais feliz da minha existência será aquele em que eu possa dar a vida por vós.” Daniel Comboni morreu a 10 de Outubro de 1881, com apenas 50 anos de idade, marcado pela cruz que, qual esposa fiel e amada, nunca o abandonou. Morre em Cartum no meio da sua gente, consciente de que a obra missionária não morreria. “Eu morro, mas a minha obra não morrerá”.

 Foi proclamado santo em 5 de Outubro de 2003 por São João Paulo II. Recebendo os missionários combonianos o Papa Francisco disse: “como consagrados a Deus para a missão, estais chamados a imitar Jesus misericordioso e manso, para viver o vosso serviço com coração humilde, ocupando-vos dos mais abandonados do nosso tempo. Sabemos que a história do Instituto Comboniano está marcada por uma corrente ininterrupta de mártires, que chega até aos nossos dias. Eles são semente fecunda na difusão do Reino e protetores do vosso compromisso apostólico”.

 A vida humana de Comboni terminou em 10 de Outubro de 1881. Porém a sua herança continua viva nos que, em todos os continentes, continuam a sua ação evangelizadora. Em Portugal os combonianos chegaram em 1947. A primeira casa foi construída em Viseu. A V. N. de Famalicão chegamos em 20 de Novembro de 1956. Nesta casa, que já foi seminário, a comunidade está constituída por 8 membros. Dois são irmãos e seis são padres: moçambicano, italiano e portugueses, constituindo uma comunidade verdadeiramente católica, como desejava São Daniel Comboni, além de servirmos a paróquia de Santiago de Antas e os ministérios da reconciliação procuramos animar missionariamente paróquias e grupos de adolescentes, jovens e adultos. Todos são bem-vindos e aqui têm a sua casa de portas abertas.

domingo, 7 de março de 2021

EQUÍVOCOS EM TORNO DA PÁSCOA DE CRISTO Frei Bento Domingues, O.P.

 

1. Custa, e muito, mas é preciso tudo fazer para que não se repita o actual cenário obrigatório desta Quaresma e desta Páscoa. Os católicos cumprem o seu dever, testemunhando um comportamento cívico que ponha acima de tudo a saúde das pessoas. A suspensão dos rituais presenciais da Quaresma e da Páscoa, que a pudessem afectar, realiza o supremo critério de sabedoria humanista e religiosa de Cristo: as prescrições rituais são para o ser humano e não o ser humano para os rituais. 

 No ano passado, o Papa sozinho, na Praça de S. Pedro, sem o aparato habitual, fez a celebração mais eloquente de quantas já se realizaram naquele espaço. Não quis inaugurar um novo ritual, fez apenas da extrema necessidade virtude.

Ao escrever isto, estou a esquecer o que mais importa. Uma Igreja que se ocupasse, apenas e principalmente, com rituais litúrgicos e com as normas quaresmais que vigoraram em diferentes épocas da sua história, não parece ser uma Igreja com as preocupações de Jesus Cristo.

As normas prescritas para esta quadra litúrgica, ao longo da história da Igreja, foram diferentes de época para época. As pessoas da minha idade ainda se lembram das ridicularias sobre jejum e abstinência e a bula conseguida, pela astúcia dos portugueses, para não se importarem com essas esquisitices. O Papa Francisco, como tem sentido de humor, acaba de prescrever um “jejum que não dá fome”: o das coscuvilhices das maledicências e lembrou a importância de ler todos os dias uma passagem dos Evangelhos, levando-os para todo o lado, no bolso, na bolsa, para incentivar a abrir o coração a Deus.

A apresentação de S. Mateus acerca da avaliação final de uma vida humana não passa por rituais, mas por atitudes de solidariedade dada ou negada a quem precisa de ajuda. A vida humana não tem preço, mas tem valor de eternidade[1].

Apesar de tudo, o calendário litúrgico pode ajudar a ir directamente ao essencial. Neste Domingo, a leitura do Antigo Testamento pertence à teologia nacionalista de Israel: Israel é o povo de Deus, por Ele libertado. Deus é o Deus de Israel que lhe dá normas éticas muito concretas e reserva, para Ele, um dia inteiro todas as semanas, o Sábado[2].

No dia 27 do mês passado, S. Mateus põe na boca de Jesus uma distinção essencial: «Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem. Fazendo assim, tornar-vos-eis filhos do vosso Pai que está no Céu, pois Ele faz com que o Sol se levante sobre os bons e os maus e faz cair a chuva sobre justos e pecadores. Porque, se amais os que vos amam, que recompensa haveis de ter? Não fazem já isso os cobradores de impostos? E, se saudais somente os vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não o fazem também os pagãos? Portanto, sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste»[3].

Há de passar ainda muito tempo para que esta nova época pertença à história da humanidade. Muitas vezes, me parece irritante a reza dos salmos. Alguns são poemas fantásticos em qualquer tempo e em qualquer lugar. Outros são tão nacionalistas que estão sempre a pedir a Deus que nos proteja e dê cabo dos inimigos. Já era tempo de acabar com o elogio dessa religião nacionalista, fazendo uma poda nos salmos que os tornem uma oração universal. Gostei muito do trabalho de José Antonio Pagola – um exegeta catalão – ao seleccionar os Salmos para rezar em qualquer momento da vida[4].

No entanto, não admira que, num mundo de lutas pela dominação económica, política e religiosa – que molda o imaginário de velhas e novas gerações –, se continue a recorrer a salmos que acentuam a divisão e o ódio entre pessoas e povos. Não servem a pedagogia da Fratelli Tutti, mas reflectem a missão que nos cabe nas sociedades em que vivemos.

2. Como o Papa recomendou, vamos aos textos do Novo Testamento deste Domingo, que não são só para o Domingo.

Encontramo-nos com este fragmento da Carta de Paulo aos Coríntios: «Enquanto os judeus pedem sinais e os gregos andam em busca da sabedoria, nós pregamos um Messias crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gentios. Mas, para os que são chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é poder e sabedoria de Deus. Portanto, o que é tido como loucura de Deus, é mais sábio que os homens, e o que é tido como fraqueza de Deus é mais forte do que os homens»[5].

Paulo sente a resistência à sua proposta, tanto nos que são moldados pela cultura judaica como pela cultura grega. Não se surpreende. Ele quer marcar que, de facto, a novidade de Cristo não é a consagração do mundo que existe. O que ele procura é alterá-lo. Tanto a cultura judaica como a cultura grega julgavam-se, cada uma a seu modo, como perfeitas. Um crucificado, que é proposto como a salvação, não era admissível em nenhuma delas. Porquê?

O suplício da cruz era utilizado, apenas, para as classes baixas da sociedade e para os escravos. Em geral, os cidadãos romanos não eram submetidos a tal pena, a menos que a gravidade do crime os considerasse destituídos dos seus direitos cívicos. Era, também, aplicado aos estrangeiros rebeldes, aos criminosos e aos malfeitores. Foi o caso na Judeia aquando das movimentações políticas na época de Jesus.

À crueldade própria do suplício da cruz – suplício da morte lenta que dava livre curso aos gestos mais sádicos – correspondia o seu carácter infamante, escandaloso e mesmo obsceno. O crucificado era, normalmente, privado de sepultura e abandonado aos animais selvagens e às aves de rapina. A cruz era o suplício mais cruel e repugnante, a infâmia suprema[6].

Quando se procurou mostrar que Jesus se deixou crucificar para fazer a vontade Deus, Nietzsche viu muito bem que se estava a tornar Deus e o Evangelho impossíveis.

3.  A proposta de leitura do Evangelho, para este Domingo, é extraída de S. João: «Estava próxima a Páscoa dos judeus e Jesus subiu a Jerusalém. Encontrou no templo os vendedores de bois, ovelhas e pombas e os cambistas nos seus postos. Então, fazendo um chicote de cordas, expulsou-os a todos do templo com as ovelhas e os bois; espalhou as moedas dos cambistas pelo chão e derrubou-lhes as mesas; e aos que vendiam pombas, disse-lhes: Tirai isso daqui. Não façais da Casa de meu Pai uma feira»[7].

Segundo a narrativa de S. Marcos, os sumos sacerdotes e os escribas ouviram isso e procuravam como fazê-lo perecer[8]. Encontraram a solução no poder romano, ocupante, que se encarregou de O eliminar pela condenação à morte na cruz.

O crime de Jesus foi o de pôr em causa a dominação económica, política e religiosa representada pelo templo. Teremos de voltar a esta questão central que tem muitas facetas.

 

07. Março. 2021



[1] Mt 25, 31-46

[2] Ex 20, 1-17

[3] Mt 5, 43-48

[4] José Antonio Pagola, Salmos. Para rezar em qualquer momento da sua vida, A Esfera dos Livros, 2009

[5] 1Cor 1, 22-25

[6] Cf. Bernard Sesboüé, Pensar e Viver a Fé no Terceiro Milénio, Gráfica de Coimbra, 2001, 315-324

[7] Jo 2, 13-25

[8] Mc 11, 15-19