A ECOLOGIA DO CORAÇÃO
22º Domingo do Tempo Comum (B)
Marcos 7,1-23: O que sai do coração do homem é que o torna impuro!
Depois
de cinco domingos de interrupção, hoje retomamos o percurso do
evangelho de São Marcos, a partir do sétimo capítulo. Poderíamos dizer
que o tema central que emerge das leituras é a Palavra de Deus.
Esta
Palavra gerou-nos, foi plantada em nós e, acolhida com docilidade, está
destinada a dar frutos, diz São Tiago na segunda leitura (Tiago 1). Mas
qual é a relação entre a Palavra e as “leis e preceitos”, de que fala
Moisés na primeira leitura (Deuteronómio 4), e as tradições que fariseus
e escribas defendem?
Jesus responde a essa questão no trecho do evangelho de hoje.
Uma
delegação de fariseus e escribas foi enviada de Jerusalém para
verificar a ortodoxia desse Jesus Nazareno, que se tornara famoso e que
muitos consideravam um profeta (Mc 6,14-15). Eles veem que alguns dos
seus discípulos comem com as “mãos impuras”, ou seja, não lavadas,
escandalizam-se e interrogam Jesus a respeito. Jesus repreende-os,
chamando-os de hipócritas, citando o profeta Isaías: “Este povo honra-me
com os lábios, mas o seu coração está longe de mim”. Eles cuidam do
exterior, mas negligenciam o interior. Sim, têm as mãos limpas, mas o
coração impuro. Jesus conclui a sua denúncia profética afirmando: “Vós
anulais a palavra de Deus com a vossa tradição” (v. 13).
Pontos de reflexão
1. A conversão do olhar.
A questão da pureza ritual era muito importante na época de Jesus.
Grupos “puritanos” haviam adotado certas normas que diziam respeito
apenas aos sacerdotes. Em si, a intenção era tornar Deus presente em
cada mínima ação cotidiana. No entanto, na raiz dessa mentalidade, havia
uma visão distorcida da realidade, dividida entre pessoas e coisas
puras e impuras, entre o sagrado e o profano, dois mundos
incomunicáveis.
Jesus
veio para derrubar esse muro de separação. Ele restaura o olhar de Deus
sobre a criação: “E Deus viu que era bom” (Gênesis 1). Essa mentalidade
de dividir o mundo ao meio não desapareceu. Pelo contrário, pode-se
dizer que é muito atual. Manifesta-se na nossa linguagem (“nós” e
“eles”), na divisão entre bons e maus, na desconfiança em relação ao
diferente, nas barreiras que erguemos nas nossas relações, nas
fronteiras entre os povos... O Senhor convida-nos à conversão do nosso
olhar para reconhecer o belo e o bom semeados por seu Espírito em todos
os lugares!
2. A Palavra viva encarna-se na
palavra transitória. Qual é a relação entre a Palavra de Deus e as
“leis e preceitos” de que fala Moisés na primeira leitura, às quais não
se deve “acrescentar ou retirar nada”? Trata-se de uma questão sempre
atual: a relação entre Palavra e tradição, entre o que é essencial e o
que é secundário, entre o que é perene e o que é transitório. “A Palavra
do Senhor permanece para sempre” (1Pedro 1,25). A Palavra divina é
imutável, mas também é uma realidade viva (Hebreus 4,12) que se encarna
numa palavra humana passageira. A escrita é uma forma de captar a
palavra humana, efêmera, e dar-lhe uma certa estabilidade, colocando-a
por escrito, para não ser perdida. Trata-se de uma operação que na
informática se chama “salvar” (to save). Mas a cultura, a mentalidade, a
sensibilidade e a linguagem mudam, conforme os tempos, espaços e
culturas. Para torná-la acessível, legível e compreensível, ou seja,
atual, é necessário “convertê-la” (to convert) em uma forma e linguagem
atualizados. Como fazê-lo e com quais critérios? “A caridade é o único
critério segundo o qual tudo deve ser feito ou não feito, mudado ou não
mudado”, diz o beato Isaac da Estrela (abade cisterciense do século
XII).
3. A ecologia do coração.
Jesus convida-nos a cuidar do coração, ou seja, da nossa interioridade,
de onde provêm todas as impurezas. Jesus lista doze, um número
simbólico para indicar a totalidade. Se o coração está poluído, desejos,
pensamentos, palavras e ações serão contaminados. Hoje, somos
particularmente sensíveis à contaminação do meio ambiente e à poluição
do planeta. Seria necessária uma atenção semelhante ao nosso “planeta”
interior.
A
ecologia do coração, ou seja, o cuidado do nosso mundo interior,
implica, antes de tudo, cultivar a consciência para reconhecer as ideias
e emoções tóxicas que podem poluir nosso coração, como o orgulho, a
raiva, a inveja, o ciúme... Sem a devida atenção, o nosso coração pode
tornar-se um “depósito de impurezas”, nossas e dos outros. O recurso
regular ao sacramento da penitência ajuda-nos a libertar-nos dessas
impurezas. Mas não basta limpar o coração. É necessário torná-lo um
jardim. O Jardineiro é o Espírito que, especialmente na escuta da
Palavra e na oração, semeia e faz germinar em nós as sementes de todo
bem. Só assim podemos ter as “mãos inocentes e o coração puro” de que
fala o salmista (24,4)!
P. Manuel João Pereira Correia, mccj
p.mjoao@gmail.com
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