quinta-feira, 29 de agosto de 2024

A ECOLOGIA DO CORAÇÃO - Pe. Manuel João , MC

 A ECOLOGIA DO CORAÇÃO

 

22º Domingo do Tempo Comum (B)

Marcos 7,1-23: O que sai do coração do homem é que o torna impuro!

 

Depois de cinco domingos de interrupção, hoje retomamos o percurso do evangelho de São Marcos, a partir do sétimo capítulo. Poderíamos dizer que o tema central que emerge das leituras é a Palavra de Deus. 

Esta Palavra gerou-nos, foi plantada em nós e, acolhida com docilidade, está destinada a dar frutos, diz São Tiago na segunda leitura (Tiago 1). Mas qual é a relação entre a Palavra e as “leis e preceitos”, de que fala Moisés na primeira leitura (Deuteronómio 4), e as tradições que fariseus e escribas defendem? 

Jesus responde a essa questão no trecho do evangelho de hoje.

Uma delegação de fariseus e escribas foi enviada de Jerusalém para verificar a ortodoxia desse Jesus Nazareno, que se tornara famoso e que muitos consideravam um profeta (Mc 6,14-15). Eles veem que alguns dos seus discípulos comem com as “mãos impuras”, ou seja, não lavadas, escandalizam-se e interrogam Jesus a respeito. Jesus repreende-os, chamando-os de hipócritas, citando o profeta Isaías: “Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim”. Eles cuidam do exterior, mas negligenciam o interior. Sim, têm as mãos limpas, mas o coração impuro. Jesus conclui a sua denúncia profética afirmando: “Vós anulais a palavra de Deus com a vossa tradição” (v. 13).

Pontos de reflexão

1. A conversão do olhar. A questão da pureza ritual era muito importante na época de Jesus. Grupos “puritanos” haviam adotado certas normas que diziam respeito apenas aos sacerdotes. Em si, a intenção era tornar Deus presente em cada mínima ação cotidiana. No entanto, na raiz dessa mentalidade, havia uma visão distorcida da realidade, dividida entre pessoas e coisas puras e impuras, entre o sagrado e o profano, dois mundos incomunicáveis.

Jesus veio para derrubar esse muro de separação. Ele restaura o olhar de Deus sobre a criação: “E Deus viu que era bom” (Gênesis 1). Essa mentalidade de dividir o mundo ao meio não desapareceu. Pelo contrário, pode-se dizer que é muito atual. Manifesta-se na nossa linguagem (“nós” e “eles”), na divisão entre bons e maus, na desconfiança em relação ao diferente, nas barreiras que erguemos nas nossas relações, nas fronteiras entre os povos... O Senhor convida-nos à conversão do nosso olhar para reconhecer o belo e o bom semeados por seu Espírito em todos os lugares!

2. A Palavra viva encarna-se na palavra transitória. Qual é a relação entre a Palavra de Deus e as “leis e preceitos” de que fala Moisés na primeira leitura, às quais não se deve “acrescentar ou retirar nada”? Trata-se de uma questão sempre atual: a relação entre Palavra e tradição, entre o que é essencial e o que é secundário, entre o que é perene e o que é transitório. “A Palavra do Senhor permanece para sempre” (1Pedro 1,25). A Palavra divina é imutável, mas também é uma realidade viva (Hebreus 4,12) que se encarna numa palavra humana passageira. A escrita é uma forma de captar a palavra humana, efêmera, e dar-lhe uma certa estabilidade, colocando-a por escrito, para não ser perdida. Trata-se de uma operação que na informática se chama “salvar” (to save). Mas a cultura, a mentalidade, a sensibilidade e a linguagem mudam, conforme os tempos, espaços e culturas. Para torná-la acessível, legível e compreensível, ou seja, atual, é necessário “convertê-la” (to convert) em uma forma e linguagem atualizados. Como fazê-lo e com quais critérios? “A caridade é o único critério segundo o qual tudo deve ser feito ou não feito, mudado ou não mudado”, diz o beato Isaac da Estrela (abade cisterciense do século XII).

3. A ecologia do coração. Jesus convida-nos a cuidar do coração, ou seja, da nossa interioridade, de onde provêm todas as impurezas. Jesus lista doze, um número simbólico para indicar a totalidade. Se o coração está poluído, desejos, pensamentos, palavras e ações serão contaminados. Hoje, somos particularmente sensíveis à contaminação do meio ambiente e à poluição do planeta. Seria necessária uma atenção semelhante ao nosso “planeta” interior.

A ecologia do coração, ou seja, o cuidado do nosso mundo interior, implica, antes de tudo, cultivar a consciência para reconhecer as ideias e emoções tóxicas que podem poluir nosso coração, como o orgulho, a raiva, a inveja, o ciúme... Sem a devida atenção, o nosso coração pode tornar-se um “depósito de impurezas”, nossas e dos outros. O recurso regular ao sacramento da penitência ajuda-nos a libertar-nos dessas impurezas. Mas não basta limpar o coração. É necessário torná-lo um jardim. O Jardineiro é o Espírito que, especialmente na escuta da Palavra e na oração, semeia e faz germinar em nós as sementes de todo bem. Só assim podemos ter as “mãos inocentes e o coração puro” de que fala o salmista (24,4)!

P. Manuel João Pereira Correia, mccj


p.mjoao@gmail.com

https://comboni2000.org

domingo, 25 de agosto de 2024

OS DOMINICANOS EM ANGOLA Frei Bento Domingues, O.P.

 

1. No Domingo passado, não tive condições para mandar, de Angola, a minha crónica para o Público. A pedido do meu Provincial, vim a Luanda participar num conjunto de iniciativas de estudo organizadas pelos dominicanos angolanos. A perspectiva que me orienta, na realização do programa desenhado, é esta: outro mundo, outra Igreja e outra vida dominicana são possíveis. É uma questão de fidelidade à mensagem cristã. Jesus Cristo cresceu e foi educado nas tradições da religião de Israel. Quando hoje se fala de inculturação do Evangelho, algumas práticas pastorais julgam que se trata de adaptar o Evangelho a uma cultura. Se assim fosse, Jesus Cristo não tinha nada que fazer, pois já estava moldado pela sua herança judaica, cultural e religiosa. O que pode ser observado, tanto nos escritos de Paulo como nas narrativas dos Evangelhos, é que Jesus de Nazaré não se apresentou para perpetuar os costumes do seu tempo. Teve de discernir o que havia de mais vital na herança recebida e o que havia de opressor na religião mais recomendada, sob a invocação de Moisés: disseram-vos, mas Eu digo-vos!

Continuamos com certas orações que podem sugerir a consagração do conservadorismo: assim como era no princípio agora e sempre pelos séculos dos séculos, Ámen. Ora, no principio era a criatividade. A fé cristã está ligada a um Deus que não passou à reforma, mas que é criação contínua, suscitando criadores, não repetidores. Rezamos para que «pelos séculos dos séculos» não se extinga a criatividade dos que desejam ser fiéis ao Evangelho.

2. Não posso dizer que conheço Angola, embora noutros tempos tivesse trabalhado em várias províncias. Conhecer um «povo de povos» é um caminho sem fim. Eu só conheci Angola em guerra civil, nem antes nem depois. Seria estúpido fazer considerações e comparações entre um breve passado e a realidade actual. Não tenho vocação de repórter. Não sou sociólogo nem economista para epilogar acerca da nova Luanda, tão diferente daquela que conheci e que também não era um paraíso. Tenho a impressão que não foram os arquitectos paisagistas os mais consultados para desenhar a renovação desta cidade que já conta com 7 milhões de habitantes numa população nacional de 25 milhões. Duvido que sejam especialistas em sistemas de transportes que obrigam as pessoas a gastar mais tempo e energias a chegar aos seus empregos e a regressar a casa do que propriamente no trabalho. Não seria possível e mais eficaz cruzar a cidade de comboios e/ou de linhas de metro do que reduzir tudo a táxis e a transportes particulares? Parece que uma economia baseada sobretudo no preço do petróleo chegou a uma situação insustentável. Sobem os preços e baixa o poder de compra. A população mais carenciada é sempre a que mais sofre.

De um Estado marxista à privatização do Estado, o salto foi muito grande e a defesa dos direitos humanos pouco acautelada. Do ponto de vista humano e cristão, quando um Estado se coloca ao serviço de interesses privados, o bem comum é necessariamente sacrificado. Desse modo, não haverá interesse em ampliar e melhorar o ensino público, a todos os níveis, nem criar e desenvolver um Serviço Nacional de Saúde eficaz.

Quem desejar documentar-se e analisar estas questões, a nível local e nacional, poderá dirigir-se ao Mosaiko, Instituto para a Cidadania, fundado e assumido pelos Dominicanos em Angola, desde 1997. É um instituto angolano sem fins lucrativos, tendo sido a primeira instituição deste país a assumir explicitamente como missão: promover os Direitos Humanos em Angola[1].

3. Ao visitar os espaços da Paróquia do Carmo, entregue aos dominicanos, e onde vivi um ano como professor do Seminário de Luanda, fiquei comovido com a exposição das fotografias de frei João Domingos, frei José João e frei Luís de França que desapareceram do nosso convívio. São pessoas que fizeram suas as dificuldades de um povo vítima de guerras loucas e que não se resignaram a uma paz que recusa o abraço da justiça e a defesa dos direitos mais elementares. Os dominicanos angolanos são hoje a garantia de que a paixão evangelizadora de São Domingos e desses irmãos vão descobrindo e praticando caminhos de transformação da sociedade e da Igreja.

Tudo começou com frei João Domingos, frei Gil Filipe e frei José Nunes em 1982. Foi a mão generosa de D. Zacarias Kamwenho que os levou para Waku-Kungo (Diocese do Sumbe). Era então uma frente de guerra entre o MPLA e a UNITA.

Este bispo, mais tarde arcebispo do Lubango e prémio Sakharov, estava a realizar um grande plano de evangelização inculturada na sua diocese, servindo-se do modelo tradicional Ondjango[2] e pediu a colaboração destes missionários.

Reconhecendo o trabalho exemplar realizado em Waku-Kungo, os dominicanos foram convocados para uma presença mais alargada e diversificada em Angola da qual será preciso falar noutra crónica.

Luanda, 24.07.2016



[1] www.mosaiko.op.org

[2] Foi o tema da tese de doutoramento de frei José Nunes. Pequenas Comunidades Cristãs – O Ondjango e a Inculturação da fé em África-Angola. UCP,1991.     

sábado, 24 de agosto de 2024

O DIA DO GRANDE ESCÂNDALO! - Pe Manuel João , MC

 O DIA DO GRANDE ESCÂNDALO!

 

21º Domingo do Tempo Comum (B) 
João 6,60-69: “Para quem iremos, Senhor?” 

Chegamos ao final do capítulo 6 do Evangelho de São João, que ouvimos durante cinco domingos. A passagem de hoje apresenta-nos a reação dos discípulos de Jesus ao discurso que ele havia acabado de concluir na sinagoga de Cafarnaum. Não se fala mais da multidão ou dos judeus, mas do grupo de discípulos que tomam posição diante da afirmação de Jesus de ser o Pão/Palavra, alimento e bebida, descido do céu.

O trecho divide-se em duas partes. Na primeira, encontramos o grupo de seus seguidores que murmura: “Estas palavras são duras. Quem pode escutá-las?”. Esses discípulos escandalizam-se e decidem ir-se embora. Na segunda parte do texto, Jesus interpela os Doze, perguntando-lhes: “Também vós quereis ir embora?”. Pedro faz-se porta-voz do grupo e responde: “Para quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós acreditamos e sabemos que Tu és o Santo de Deus”.

Este é um momento dramático de crise no ministério de Jesus, que corresponde ao seu insucesso em Nazaré, relatado pelos três evangelhos sinóticos. Lá, Jesus havia reagido com admiração, aqui com amargura. Não pensemos que Jesus fosse insensível à reação de seus ouvintes! Ele também experimentou todos os nossos sentimentos. Neste caso, podemos imaginar que ele tenha sentido tristeza, frustração e amargura pela dureza de coração dos ouvintes.

E os Doze? É a primeira vez que o grupo aparece no evangelho de São João. Talvez nem eles tenham entendido muito bem, e uma mistura de pensamentos e sentimentos enchera de confusão suas mentes e corações. Pedro fala aqui pela primeira vez e, com sua profissão de fé, ajuda o grupo a reencontrar a unidade. Mas nada será como antes. Além da incredulidade e do abandono de muitos, flutua agora sobre o grupo a nuvem negra do anúncio de uma traição.

Pontos de reflexão 

1. “Escolhei hoje a quem quereis servir!” Existem momentos em que somos forçados a tomar uma decisão e a comprometer as nossas vidas. “Escolhei hoje a quem quereis servir”, diz Josué às doze tribos reunidas em Siquém (Josué 24). “Também vós quereis ir embora?”, pergunta Jesus aos Doze. Nós, infelizmente, às vezes tendemos a adiar decisões e a seguir em frente com um pé em dois sapatos, tentando manter todas as possibilidades abertas. Mas quem tudo quer, tudo perde!

2. “Mesmo que todos te abandonem, eu nunca te abandonarei!”. Impressiona o facto de que Jesus esteja disposto a deixar partir também o grupo dos Doze e a retomar a missão sozinho. Sozinho, mas firme! No momento supremo, ele dirá: “Vocês me deixarão só; mas eu não estou só, porque o Pai está comigo” (João 16,32).

Neste momento histórico em que a fé cristã já não goza mais do consenso social, quando se cumpre, mais uma vez, a palavra do evangelho: “Muitos dos discípulos afastaram-se e já não andavam com Ele”, precisamos de cristãos sinceros e generosos como Pedro. Que Deus permita que, apesar da consciência de nossa fragilidade, possamos dizer, num impulso de confiança simples como a de uma criança: “Se todos se escandalizarem de ti, eu nunca me escandalizarei!” (Mateus 26,33).

P. Manuel João Pereira Correia, mccj

Para a reflexão completa, ver: 

P. Manuel João Pereira Correia mccj
p.mjoao@gmail.com
https://comboni2000.org

terça-feira, 20 de agosto de 2024

O Homem: questão para si mesmo. 2. O que sou? Quem sou? Anselmo Borges Padre e professor de Filosofia 17 Agosto 2024

 O Homem: questão para si mesmo.

2. O que sou? Quem sou?

Anselmo Borges

Padre e professor de Filosofia

17 Agosto 2024

O que é o Homem?

Ao longo dos séculos, foram-se sucedendo, numa lista quase interminável, as tentativas de

resposta: animal que fala, animal político (Aristóteles); animal racional (os estóicos e a

Escolástica); realidade sagrada (Séneca); um ser que pensa (Descartes); uma cana pensante

(Pascal); um ser que trabalha (Marx); um animal capaz de prometer (Nietz- sche); um ser que

cria (Bergson); um animal que ri, um animal que chora, um animal que sepulta os mortos...

Saído da gigantesca aventura cósmica com uns 14 000 milhões de anos, o Homem tem, segundo

Edgar Morin, “a singularidade de ser cerebralmente sapiens-demens” (sapiente-demente), ter,

portanto, com ele “ao mesmo tempo a racionalidade, o delírio, a hybris (a desmesura), a

destrutividade”.

Também o filósofo André Comte-Sponville apresentou a sua “definição”, que julga suficiente: “É

um ser humano qualquer ser nascido de dois seres humanos.” Mas será mesmo suficiente? O

que dizer em relação aos primeiros seres humanos que, na história da evolução, não nasceram

de outros humanos? Esta é uma questão assombrosa: sim, quem foram os primeiros e como é

que foram tomando consciência de si? Nunca se saberá quem foi o primeiro que disse “eu”. E se

amanhã se der a clonagem e a partenogénese?

Os grandes espíritos - Diderot, por exemplo - deram-se conta de que o que somos não pode ser

encerrado numa definição. O Homem é o ser que leva consigo a questão do ser e do seu ser e

que originária e constitutivamente pergunta: o que é o Homem? O que, antes de mais, une a

Humanidade toda é precisamente esta pergunta: o que é o Homem, o que é ser ser humano?

Se o chimpanzé, por exemplo, também sente, recorda, procura, espera, joga, comunica, aprende

e inventa, o que é que nos distingue? Parece estender-se cada vez mais a tentação de pensar

que o Homem é um animal entre outros. Se diferença houvesse, não seria essencial e

qualitativa, mas apenas de grau. Mas quem anda atento reconhecerá com certeza que a

diferença entre o Homem e os outros animais não é apenas de grau, mas essencial e qualitativa.

Pelo menos, é preciso manter a pergunta.

Também o Homem é corpo, mas um corpo que fala e que diz eu. Ora, um corpo que produz sons

duplamente articulados, portanto, transportando sentido, é um corpo que transcende a

animalidade.O Homem é capaz de renunciar à satisfação imediata dos seus impulsos: é “o asceta da vida”,

escreveu Max Scheler. Por isso, é capaz de jejuar e ergueu, por exemplo, um edifício jurídico-

penal, para evitar a vingança cega, dirimir diferendos, não fazer Justiça pelas próprias mãos.

Quando vemos um animal sentado, de olhos fechados, com a cabeça entre as mãos, estamos em

presença de um Homem que pensa e medita. Está ensimesmado, entrou dentro de si próprio,

desceu à sua intimidade, submerso na sua subjectividade pessoal.

Afinal, há muito de idêntico em nós e no chimpanzé, “no mono e no Papa”, disse ironicamente o

filósofo confessadamente ateu Michel Onfray. O professor de filosofia e o chimpanzé têm

necessidades naturais comuns: comer, beber, dormir. A etologia mostra que há comportamentos

naturais comuns aos animais e aos humanos. Veja-se, por exemplo, as relações de violência e de

agressão e compare-se inclusivamente os rituais de cortejamento sexual. Mas é interessante

constatar que já na resposta às necessidades naturais há uma diferença: os homens inventaram

a cozinha e a gastronomia e também o erotismo.

M. Onfray acrescenta: “O Homem e o animal separam-se radicalmente quando se trata de

necessidades espirituais, as únicas que são próprias dos homens e das quais não se encontra

nenhum vestígio - mínimo que seja - nos animais.” Há nos humanos uma série de actividades

especificamente intelectuais, que os distinguem radicalmente dos monos: nestes, não

encontramos filosofia, nem religião, nem arte...

A tentativa de compreendê-lo no quadro de um materialismo mecanicista ou do biologismo não

dá conta do Homem. De facto, o animal é conduzido, em última análise, pelo instinto. Por isso,

esfomeado, não se conterá perante a comida apropriada que lhe apareça. Face à fêmea no

período do cio, não resistirá. O Homem, pelo contrário, é capaz de transcender a dinâmica

biológica. Por motivos de ascese ou religiosos ou até pura e simplesmente para mostrar a si

próprio que se não deixa arrastar pelo impulso, é capaz de conter-se, resistir, dizer não. Foi neste

sentido que, repito, Max Scheler, um dos fundadores da Antropologia Filosófica, escreveu que o

Homem é “o asceta da vida”, o único animal capaz de dizer não aos impulsos instintivos.

Esta é a base biológica da conduta moral, uma característica essencialmente específica humana.

Uma vez que o Homem é capaz de ponderar, renunciar, abster-se, optar, dizer sim, dizer não aos

impulsos, é livre e, por conseguinte, animal moral.

O Homem é corpo, mas um corpo que fala. Porque fala, é capaz de debater questões como a da

diferença com os outros animais, defender pontos de vista, distinguir o bem e o mal, tomar

posições sobre valores morais, políticos, religiosos, estéticos, filosóficos.

Então, o enigma é este: provimos da natureza, mas contrapomo-nos a ela, somos

simultaneamente da natureza, na natureza e fora dela. Monos e humanos têm a mesma origem,

mas os humanos têm originalidades únicas e irredutíveis.

O Homem é o ser da pergunta e a pergunta por si mesmo caracteriza-o: O que é o Homem? O

que sou? Quem sou?

domingo, 18 de agosto de 2024

Do Pão da Palavra ao Pão Eucarístico - Pe. Manuel João, MC

 Do Pão da Palavra ao Pão Eucarístico 

Ano B – Tempo Comum – 20º domingo 
João 6,51-58: “O pão que eu hei de dar é minha carne”

Hoje ouvimos a parte final do discurso de Jesus sobre o pão, após a multiplicação dos pães. Na primeira parte do discurso, Jesus apresentou-se como Pão/Palavra que desceu do céu, provocando a murmuração dos "judeus", que acreditavam, ao contrário, que era a Torá/Lei a Palavra que havia descido do céu. Nesta segunda parte, Jesus dá um passo adiante, afirmando que não é apenas a sua Palavra que é pão, mas a sua própria pessoa"O pão que eu hei de dar é minha carne". Algo inimaginável! Por isso "os judeus discutiam entre si: Como pode ele dar-nos a sua carne a comer?". Jesus passa da figura do maná para o cordeiro pascal!

O discurso de Jesus torna-se realmente duro e escandaloso para os "corações incircuncisos" (Jeremias 9,26). Longe de abrandar o tom e de suavizar a linguagem, parece que Jesus os exacerba. Como moldura desta seção do discurso, encontramos, no início (v.51) e no final (v.58), a afirmação de Jesus: "Quem comer deste pão viverá eternamente". E por quatro vezes, de forma positiva e negativa, ele reitera a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue para ter vida: "Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna" / "Se não comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós".

Jesus, neste ponto, fala de uma maneira muito física e crua para não deixar espaço para uma interpretação simbólica ou parabólica. Observemos a insistência quase teimosa no concreto das palavras usadas: pão/comida/bebida: 7 vezes; comer/beber: 11 vezes; carne/sangue: 10 vezes; vida/viver/ressuscitar: 10 vezes. O Pão da Palavra agora torna-se o Pão da Eucaristia, ou seja, o corpo e o sangue de Jesus, a sua humanidade.

Enquanto Jesus falava do Pão/Palavra, era possível dar uma interpretação simbólica, como a Sabedoria de que se fala na primeira leitura (Provérbios 9,1-6). Aqui, porém, não se trata apenas de uma nova doutrina ou sabedoria: "O pão que eu hei de dar é minha carne, que eu darei pela vida do mundo". E isso desconcerta seus ouvintes. Ao acrescentar "beber o sangue", o escândalo é total, pois isso era algo proibido, um pecado punível com a morte (veja Levítico 17). Naturalmente, os seus ouvintes não podiam entender esse discurso, mas os leitores cristãos de São João podiam entendê-lo muito bem. É a eles que o evangelista se dirige. Este texto, de fato, é uma catequese sobre a Eucaristia, talvez introduzida no quarto evangelho num segundo momento. E havia razões para insistir na dimensão concreta do corpo, carne e sangue, porque no final do primeiro século havia correntes gnósticas que desprezavam o corpo e a matéria, correndo o risco de esvaziar e negar a encarnação. É por isso que São João se preocupa em insistir que o Verbo se fez carne.

Pontos de reflexão

1. Eucaristia, símbolo ou realidade? O evangelho de hoje convida-nos a refletir sobre a Eucaristia. O risco de uma interpretação puramente simbólica dos elementos eucarísticos do pão/carne e do vinho/sangue é sempre atual. Deixando de lado o fato de que várias igrejas protestantes veem a Eucaristia como um ato simbólico, não se pode dizer que todos os católicos acreditam na presença real de Cristo nas espécies eucarísticas. Segundo uma pesquisa do Pew Research Center de 2019, cerca de 69% dos católicos americanos acreditam que o pão e o vinho são símbolos, enquanto apenas 31% acreditam na presença real. Portanto, a maioria está em nítido contraste com a fé da Igreja. É de se esperar que a fé e a consciência de comungar o corpo e sangue de Cristo sejam comuns entre aqueles que participam regularmente da Santa Missa. No entanto, segundo o conselho de São Paulo, "Cada um examine a si mesmo e depois coma do pão e beba do cálice" (1Coríntios 11,28-29). Cada um de nós olhe para aquele Pão depositado em nossas mãos e renove sua profissão de fé e amor: "Meu Senhor e meu Deus!". Existe o perigo, de fato, de receber a comunhão por automatismo e com certa indiferença, sem o ímpeto de amor e gratidão.

2. Diálogo entre vida e mesa eucarística. "Nossa vida deve dialogar com esta mesa" (Card. Tolentino). Se a minha vida não se sente interpelada pela Eucaristia, algo está errado. A Eucaristia oferece-nos uma visão diferente da vida e propõe uma maneira diferente de enfrentar a existência. A Eucaristia é um programa de vida. Em particular, devemos perguntar-nos se a nossa mesa doméstica está em sintonia com a mesa eucarística, como lugar de comunhão, diálogo, acolhimento, solidariedade...

3. O Pão da Eucaristia como caminho. Falamos frequentemente do Pão eucarístico como alimento que nos sustenta no nosso caminho de peregrinos. Seria oportuno vê-lo também como o próprio Caminho que nos leva ao Banquete escatológico do encontro alegre e fraterno de toda a humanidade, objeto de nossa esperança. Isso implica que os nossos caminhos cotidianos não sejam dispersivos, de afastamento ou de desvio, mas nos conduzam à Eucaristia dominical. Uma vida cristã sem a bússola da Eucaristia facilmente se torna um vagar em círculos e, a longo prazo, pode resultar num labirinto!

P. Manuel João Pereira Correia, mccj 
Verona, 14 de agosto de 2024

P. Manuel João Pereira Correia mccj
p.mjoao@gmail.com
https://comboni2000.org

 

segunda-feira, 12 de agosto de 2024

O Homem: questão para si mesmo. 1. O cérebro e o espírito Anselmo Borges Padre e professor de Filosofia 10 Agosto 2024

 

O Homem: questão para si mesmo.

1. O cérebro e o espírito

Anselmo Borges

Padre e professor de Filosofia

10 Agosto 2024 

 

Já no livro Francisco. Desafios à Igreja e ao Mundo escrevi longas páginas reflectindo sobre o tema, concretamente sobre as questões do “Transhumanismo e pós-humanismo”, onde também citava Raymond Kurzweil para quem não se trataria apenas de “transhumanismo”, melhorando o Homem, enxertando-lhe componentes electrónicas: “O fim último é ser capaz de descarregar uma consciência humana num material informático. A Humanidade acederá assim à imortalidade.”

Volto à questão do Homem, que se torna cada vez mais actual com os avanços da Inteligência Artificial (IA), cujos benefícios serão cada vez mais inegáveis, concretamente nos domínios da saúde, mas que vai pôr dilemas éticos, já que haverá perigos gigantescos, como preveniu o Papa Francisco na recente Cimeira do G7 na Itália, apelando, por exemplo, à proibição da entrada em cenário de guerra de armas automáticas letais, sistemas que usam IA. No limite, a pergunta é: iremos ser substituídos por máquinas? O que é o Homem?

O enigma parece ser não tanto o espírito, mas a matéria. Embora o espírito seja enigmático na sua relação com a matéria - como é que, estando na raiz o espírito, há matéria? -, parece menos compreensível como é que da matéria resulta o espírito, como é que a matéria se abre em espírito. O dualismo antropológico é cada vez mais inadmissível; mas como entender a emergência do espírito a partir da matéria?

Não têm faltado afirmações reducionistas do Homem. “O Homem não passa de um objecto material e tem apenas propriedades físicas” (D. M. Armstrong, 1968). “Toda a conduta humana terá, um dia, uma explicação mecânica” (D. Mackay, 1980). “As máquinas inteligentes tomarão pouco a pouco o controlo de tudo, acabando por apoderar-se do mundo da política... Pensar é simplesmente um processo físico-químico (L. Ruiz de Gopegui, 1983). “O espírito é uma máquina” (M. Minsky, 1987).

Hoje, com as novas técnicas da tomografia de emissão de positrões e da ressonância magnética nuclear funcional, consegue-se visualizar imagens das regiões do cérebro que entram em acção aquando das diferentes operações mentais. Assim, António Damásio escreveu que, embora avesso a previsões - aliás, com o tempo, parece-me cada vez mais prudente em relação à explicação científica da consciência -, lhe parece seguro poder afirmar que, até 2050, a acumulação do saber sobre os fenómenos biológicos em conexão com a mente consciente fará com que “desapareçam as tradicionais separações de corpo e alma, cérebro e espírito.”

Talvez haja quem receie que, mediante a compreensão da sua estrutura material, algo tão precioso e digno como o espírito humano se degrade ou desapareça. Mas António Damásio previne que “a explicação das origens e do funcionamento do espírito não acabará com ele.” O nosso assombro estender-se-á até essas incríveis microestruturas do organismo e às suas funções que permitem o aparecimento do espírito e da autoconsciência - não se esqueça de que o cérebro com os seus cem mil milhões de neurónios e um número incalculável de sinapses é a estrutura biológica mais complexa que conhecemos. O espírito sobreviverá à sua explicação biológico-neuronal, como a rosa continua a enfeitiçar-nos com o seu perfume, depois de analisada a sua estrutura molecular.

A questão da consciência continuará a fascinar-nos, apesar de todos os avanços da neurobiologia. A razão está em que o corpo e o cérebro são objectivamente acessíveis. A consciência, porém, é íntima e ineliminavelmente subjectiva: é sempre cada um, cada uma, a viver-se a si mesmo, a si mesma, subjectivamente, de modo único e intransferível, sendo dada, portanto, na experiência pessoal.

Demos um exemplo, apesar de tudo, menos exigente: um neurocientista que tivesse todos os conhecimentos sobre os mecanismos com que o cérebro processa a impressão da cor azul, sem a sua vivência real consciente, não saberia o que é o azul.

O problema permanecerá: como é que processos eléctricos e físico-químicos originam a experiência subjectiva. Há uma correlação entre o cérebro e a consciência, mas como é que a experiência de si na primeira pessoa surge de processos e factos da ordem da terceira pessoa? 

Mediante as novas técnicas, percepcionamos a base neurobiológica do pensamento. Significa isso que temos, desse modo, acesso ao conteúdo do pensamento?

Reflectindo sobre esta problemática, o número de Julho-Agosto de Philosophie Magazine pergunta: “Observamos no cérebro correntes eléctricas, fenómenos de activação, mas algum dia veremos nele o próprio pensamento?” Onde está a liberdade, no cérebro? Onde estão a autoconsciência e o eu, no cérebro?

Como sublinhou o célebre historiador Jean Delumeau, há realmente hoje correntes reducionistas, no sentido neuronal ou como se o Homem não passasse de um “mosaico de genes”. Mas não se esquece então que é o Homem que faz a ciência e lhe dá sentido?

“Se o Universo é o fruto do acaso, se o Homem não foi querido por um Ser que transcende a História, se a nossa liberdade é ilusória, nada tem sentido e, segundo a fórmula trágica de Léon-Paul Fargue, ‘a vida é o cabaret do nada’.” E continua: se, como pergunta Jean-François Lambert, o Homem é da mesma natureza que os outros seres, donde lhe vem o seu valor e dignidade? Onde se fundamentam os Direitos Humanos? Se se não é bom ou mau, “mas apenas bem ou mal programado”, ainda se poderá falar de liberdade e responsabilidade? 


Escreve de acordo com a antiga ortografia.

 

Férias: trabalho, festa e silêncio Anselmo Borges Padre e professor de Filosofia 03 Agosto 2024

 

 

Um corpo humano, pelo simples facto de falar, nunca deixará de constituir um enigma e mesmo um milagre pura e simplesmente. Lá está Aristóteles, que viu bem ao definir o ser humano como animal que tem fala (zôon lógon échon), sendo, por isso, animal político (zôon politikón), com a capacidade de distinguir e discutir sobre o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o bem e o mal... Ah! Se os políticos soubessem disto e agissem em consequência!...

E as palavras não são arbitrárias. Assim, muitos já estão em férias, outros irão para férias. Ora, cá está: a palavra latina feria, no plural feriae, tinha o sentido de “descanso, repouso, paz, dias de festa”. No século III, a Igreja assumiu os dias da semana como dias de “comemoração festiva”, enumerando-os como feria primaferia secundatertiaquartaquintasexta, ou, invertendo a ordem das palavras: prima feriasecunda feriatertia feriaquarta feriaquinta feriasexta feria.

Daí, ao contrário de outras línguas, como o espanhol, o italiano, o francês, etc., que adoptaram a classificação romana baseada na divinização de um planeta: lunesmarteslundimardi, etc., o português, ao seguir a designação eclesiástica, ter dado origem aos dias da semana como: segunda-feira, terça-feira, quarta-feira, etc. Que feira, enquanto mercado esteja associada a feria, deriva do facto de os comerciantes aproveitarem os dias festivos para vender as suas mercadorias - aliás, isso ainda hoje acontece frequentemente.

De qualquer modo, o importante é sublinhar, até do ponto de vista histórico e etimológico, o carácter festivo associado às férias. Isso é tanto mais significativo, quanto isso mesmo está presente noutras línguas, que seguiram caminhos etimológicos diferentes. Assim, em espanhol, férias diz-se vacaciones e, em francês, vacances. Ora, vacaciones vacances têm o seu étimo no latim vacatio, com o significado de isenção, dispensa de serviço. Os ingleses em férias dizem que estão on holidays, e isso quer dizer: em dias santos. Os alemães, esses têm ferien ou urlaub. Ora, a raiz de urlaub é erlaubnis, com o sentido de dias livres de serviço e trabalho.

É necessário sublinhar que a Bíblia faz questão de dizer que Deus deu um mandamento de um dia feriado semanal santo, sem trabalho, para que o ser humano fizesse a experiência de que não é uma besta de carga, mas um ser festivo. Tem de trabalhar - e duro -, mas não é besta de carga. E Jesus também trabalhou e trabalhou no duro. Quantos padres falam disso? Mas também descansou e tentava levar os discípulos para um lugar recôndito onde pudessem repousar.

Mas, aqui chegados, é preciso reflectir, pois, se pensarmos bem, os dias de descanso semanal e as férias não têm, ou, pelo menos, não deveriam ter, como finalidade única e última ser só um intervalo no trabalho para repor as forças, em ordem a trabalhar outra vez e mais.

As férias e o descanso semanal têm o seu fim em si mesmos: a experiência de que o ser humano é um ser festivo. É preciso ler e escrever poesia, dançar, apanhar sol na praia, no campo, na montanha, ouvir música excelente, que nos remete para origens imemoriais e para a transcendência utópica toda. É preciso reaprender a ver o Sol a nascer no Oriente e a pôr-se no Ocidente (sabia?) e a exaltar-se com a Lua enorme - cheia - ou pequenina que nem um fio, e com o alfobre das estrelas: isso que na cidade se não vê.

É preciso voltar às alegrias simples: contemplar uma simples folha de erva, acolher o perfume de uma rosa sem porquê, como dizia Angelus Silesius, exaltar-se com o mistério de qualquer rosto humano. É preciso ter tempo para ouvir o silêncio: haverá milagre maior do que estarmos cá?

Se se for fora, encontrar-se com culturas outras e diferentes modos de ser ser humano: como americano, como asiático, como africano e, de modo mais concreto, como chinês, como ugandês, como mexicano (nestes tempos de globalização, que Deus nos livre da uniformidade!).

É preciso ter tempo para a família e para os amigos. Para andar solto. Para dialogar com o Infinito. Para contemplar e criar beleza: não é ela que redime o mundo, como disse Dostoiévski?

Ai de quem, concretamente nestes tempos de dispersão, de barulho ensurdecedor e correria sem fim não se sabe muitas vezes para onde, não tenha todos os dias um pouco de tempo para o melhor: estar consigo lá no mais íntimo para se concentrar e conviver com o milagre de viver - sim, viver é um milagre - e encontrar o mistério da Transcendência e Sentido.

Escreve de acordo com a antiga ortografia

 

sexta-feira, 9 de agosto de 2024

Levanta-te, come e caminha! -Pe. Manuel João, MC

 Levanta-te, come e caminha!

Ano B – Tempo Comum – 19º Domingo
João 6,41-51: “Eu sou o pão vivo que desceu do Céu”

Estamos no terceiro domingo da leitura do capítulo sexto do evangelho de João, sobre o discurso de Jesus sobre o pão da vida, após a multiplicação dos pães. Depois de falar do pão misterioso dado pelo Pai, Jesus agora revela que tal pão é ele próprio. Talvez sintamos uma certa dificuldade em seguir a reflexão que São João coloca na boca de Jesus. Não se trata de um relato linear, como fazem os outros evangelistas. Tem-se a impressão de que o evangelista repete as mesmas coisas. Na realidade, João avança em espiral, retomando conceitos e ideias para aprofundar o discurso. Neste “progresso em espiral” podemos notar três mudanças no trecho de hoje.

1. Mudança de interlocutores

Domingo passado era a MULTIDÃO que dialogava com Jesus, a respeito do sinal do Pão. Apesar da dificuldade em ir além do interesse pelo pão material, as pessoas manifestaram uma certa disponibilidade ao diálogo com Jesus, pedindo explicações e formulando uma oração, a seu modo: “Senhor, dá-nos sempre desse pão”, à qual Jesus respondeu: “Eu sou o pão da vida!”

MURMURADORES. Hoje não se trata mais da multidão, mas dos JUDEUS. Quem são esses “judeus”, visto que estamos em Cafarnaum, na Galileia, e eles conhecem as origens de Jesus? João, em seu evangelho, quando fala de “judeus” não se refere aos habitantes da Judeia, mas aos adversários de Jesus, particularmente os líderes religiosos, aqueles que rejeitam sua mensagem e o condenarão à morte. Esses “judeus” não dialogam com Jesus, mas murmuram entre si contra ele. O evangelista introduz aqui o tema da murmuração do povo de Israel no deserto, contra Deus e contra Moisés.

São João nos faz refletir sobre os “judeus” que existem no seio da comunidade eclesial (e em nós mesmos) que, da rejeição da Palavra, passam à murmuração, que é uma forma justificativa da própria “cardiosclerose”. Além da murmuração do mexerico pode haver uma murmuração “espiritual” bem mais perigosa, pela qual nos fechamos em nossos próprios pensamentos e mentalidade, impermeáveis a qualquer novidade. Infelizmente, esses “murmuradores” abundam e são muito ativos na Igreja de hoje. Antes de julgar os outros, contudo, busquemos identificar o “murmurador” que há em cada um de nós!

2. A origem de Jesus

Um novo tema de discussão é introduzido pelos judeus, sobre as origens de Jesus: “Os judeus murmuravam de Jesus, por Ele ter dito: «Eu sou o pão que desceu do Céu». E diziam: «Não é Ele Jesus, o filho de José? Não conhecemos o seu pai e a sua mãe? Como é que Ele diz agora: ‘Eu desci do Céu’?»”. Para eles, “o pão descido do céu” é a Torá, transmitida por Deus por meio de Moisés. Não podem conceber que a Palavra possa “se fazer carne” em um homem, em “Jesus, filho de José”. Como é possível? perguntam-se entre si. Estamos diante do mistério da encarnação, que é o “evangelho” do cristão, mas desde sempre uma pedra de tropeço para o homem “religioso” e escândalo para as “religiões do Livro”, hebreus e muçulmanos.

COMO É POSSÍVEL? À esta pergunta dos judeus de ontem e de hoje, Jesus responde de um modo que nos surpreende: “Ninguém pode vir a Mim, se o Pai, que Me enviou, não o trouxer”! Mas então a fé em Jesus é pura graça, dada a alguns e negada a outros? Não pode ser assim, pois “Deus não faz acepção de pessoas” (Atos 10,34). A graça é oferecida a todos, mas deve ser solicitada e acolhida humildemente. É dom e não conquista nossa.

Esta pergunta “Como é possível?” é uma exclamação frequente para manifestar surpresa e espanto, mas também dúvida e incredulidade. Também no âmbito da fé nos colocamos essa pergunta sobre eventos que parecem questionar a presença de Deus em nossa vida e em nosso mundo. Jesus nos diz: “Não murmureis entre vós”, mas não nos impede de fazer perguntas e buscar explicações. Uma fé que não se questiona pode facilmente se tornar um fundamentalismo que leva a uma mentalidade de enclausuramento e psicose de perseguição. Um questionamento saudável (não estamos falando da dúvida sistemática da desconfiança) nos coloca em diálogo com todos, como companheiros de jornada de cada homem e mulher. Mas, como conciliar isso com a fé? A Virgem Maria, com o pedido feito ao anjo: “como é possível?”, nos diz que tal pergunta é legítima, se feita para tornar mais consciente o nosso “sim”, o nosso “fiat”. Também é possível “duvidar em plena certeza”! (Cristina Simonelli).

3. Comer o pão, comer a sua carne

Até agora, Jesus se limitou a falar de si como o pão descido do céu. Agora introduz o verbo comer: “Eu sou o pão vivo que desceu do Céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que Eu hei de dar é a minha carne, que Eu darei pela vida do mundo” (v. 51). Este versículo, que será retomado no próximo domingo, nos introduzirá, finalmente, no discurso sobre a eucaristia. Comer o pão que é sua pessoa, sua palavra e sua carne torna-se a condição para ter em nós a vida eterna.

LEVANTA-TE, COME E CAMINHA! A primeira leitura e o evangelho giram em torno do “comer” e nos convidam a nos perguntar do que nutrimos nossa vida. Fala-se de três tipos de pão: o pão do maná que nutre por um dia, o pão de Elias que nutre por quarenta dias e o pão que é Jesus que nutre para sempre. A primeira leitura (1Reis 19,4-8), que nos conta a crise do profeta Elias, perseguido de morte pela rainha Jezabel, é de uma beleza extraordinária. Por um lado, mostra-nos a fraqueza do grande profeta, que desafiara sozinho os 400 profetas de Baal, uma fraqueza que o torna semelhante e próximo a nós. Por outro lado, mostra-nos a ternura de Deus que não repreende seu profeta, mas lhe envia seu anjo, por duas vezes, para revigorá-lo e colocá-lo de novo em caminho em direção ao monte Sinai, onde o Senhor o espera. Este é o nosso Deus, que se aproxima de cada um de nós nos momentos de prova, de crise e de desânimo para nos reanimar: “Levanta-te e come, porque ainda tens um longo caminho a percorrer!”

P. Manuel João Pereira Correia, mccj
Verona, 8 de agosto de 2024

 

P. Manuel João Pereira Correia mccj
p.mjoao@gmail.com
https://comboni2000.org

 

terça-feira, 6 de agosto de 2024

NÃO VOS ABANDONAREI Frei Bento Domingues, O.P. 28 Julho 2024

 

NÃO VOS ABANDONAREI

Frei Bento Domingues, O.P.

28 Julho 2024

 

1. A bela música de Caetano Veloso e Kleber Lucas – Deus cuida de mim – presta-se a um equívoco. Se, por um lado, é importante a convicção de fé que Deus cuida de cada um de nós, que não estamos sozinhos no mundo, por outro, pode transformar-se numa acusação a Deus. Quem se sente rejeitado, abandonado ou esquecido, vai perguntar, onde é que está esse Deus que cuida de mim? Como alguns disseram, ou Ele não é todo-poderoso ou não é bom, não tem compaixão. É um modo de dizer que Deus não existe.

E, no entanto, parece-me cristianíssima a expressão Deus cuida de mim, porque convoca os seres humanos para cuidarem uns dos outros[1]. Sem esta fé, cada um segue o seu caminho sem olhar para os que precisam de ajuda. Quer em certos livros do Antigo Testamento quer nos textos cristãos, Deus é Aquele que não pode deixar ninguém sozinho porque nos responsabiliza pela situação em que o mundo se encontra, que gasta em armas o que devia gastar em tornar este mundo habitável, cheio de beleza e solidariedade.

A mensagem do Papa Francisco, para este IV Dia Mundial dos Avós e Idosos, começa por aqueles que já não contam e facilmente são descartáveis[2].

Estamos no tempo das férias de Verão que acentuam uma situação que pode percorrer o ano todo. O Papa, na sua Mensagem deste ano, recorda a sua própria experiência. «A molesta companheira da nossa vida de idosos e avós é, com frequência, a solidão. Muitas vezes me sucedeu, como bispo de Buenos Aires, ir visitar lares de terceira idade, dando-me conta de como raramente recebiam visitas aquelas pessoas: algumas, há muitos meses, não viam os seus familiares».

Além disso, as pessoas idosas e doentes, muitas vezes, têm ainda de suportar a acusação de que são elas que impedem o desabrochar da vida dos mais novos. Seriam, assim, responsabilizadas pelos conflitos de gerações. O que se gasta com os mais idosos e doentes seria roubado ao desenvolvimento dos jovens e do próprio país. Contrapor as gerações é um fruto da cultura do conflito.

2. A solidão e o descarte dos idosos e doentes não são casuais nem inevitáveis, mas fruto de opções – políticas, económicas, sociais e pessoais – que não reconhecem a dignidade infinita de cada pessoa.

Hoje, existem muitas mulheres e homens que procuram, de tal maneira, a sua própria realização pessoal, que optam por uma existência autónoma, ligada apenas às exigências da sua carreira ou da sua comodidade. Esta é a marca do individualismo. A passagem do «nós» ao «eu», autossuficiente e distraído dos outros, é sinal de egoísmo.

Como diz o Papa Francisco, a família é a primeira e a mais radical contestação da ideia de nos podermos salvar sozinhos. É, antes, uma das vítimas desta cultura individualista.

Quando se envelhece e à medida que as doenças aumentam e as forças diminuem, a miragem do individualismo, a ilusão de não precisar de ninguém e de poder viver sem vínculos, revela que já não podemos alimentar a ideia de que poderíamos viver sem a ajuda dos outros. Muitas vezes, já é demasiado tarde.

A solidão e o descarte, tão frequentes, têm múltiplas raízes e é fundamental não tratar todas as situações com as mesmas receitas. Nalguns casos, são o resultado duma exclusão planeada, uma espécie de triste «conjura social»; noutros, trata-se infelizmente de uma decisão própria; noutros ainda, fingindo que se trata de uma opção autónoma, não passa de uma ficção criada para tornar suportável essa solidão.

Em qualquer dos casos, é importante não se resignar, mas colaborar com as pessoas que procuram soluções viáveis. Contra a atitude egoísta, que leva ao descarte e à solidão, deve-se contrapor um coração aberto e confiar em quem diz, como na história bíblica de Rute, não te abandonarei![3].

3. Durante muito tempo, costumava recomendar um livro para férias. Gostaria de voltar a esse costume. Para estas férias, recomendo um dos últimos livros do professor de Filosofia da Universidade de Barcelona, Josep Maria Esquirol, A Escola da Alma. Da forma de educar à maneira de viver[4]. A escola da Alma é o mundo.

Importa começar pelas suas notas introdutórias, para não lhe emprestar propósitos que não sejam dele, para não se pensar, pela capa, que seria um livro puramente espiritualista, embora o seu tema seja, de facto, a forma de educar e a maneira de viver.

Começa pelo mundo. Há casa porque há intempérie. E a intempérie pede amparo. Há escola porque há mundo. E o mundo pede atenção. Há casa e há escola porque, no amparo e na atenção, cada um pode fazer caminho e amadurecer para frutificar. Que tipo de fruto? Mais casa e mais mundo.

Uma verdadeira escola é um lugar onde se treina a prestar atenção às coisas do mundo e aos outros. Pode ou não ter o nome de escola. Pode ser uma escola primária, num qualquer lugarejo do mediterrâneo ou um mosteiro budista nas montanhas do Tibete; a escola que Epicteto tinha em Nicópolis, há dois mil anos ou a que, apesar de tudo, continua a acontecer hoje, numa qualquer sala de aula universitária. Como o cultivo da atenção é sempre oportuno e benéfico, poderia haver – deveria haver – escola ao longo de toda a vida. Sobretudo se se tiver em consideração que há coisas que se fazem esperar, como uma revelação do mundo, que costuma acontecer ao cabo de muitos anos.

A escola é antidestino em todos os sentidos. Cria um lugar e um momento onde a família e as origens sociais passam para segundo plano. Porém, como a capacidade de uma pessoa tem muito a ver com as condições sociais, por vezes temos de ir contra a facticidade, principalmente quando ela é desfavorável. A escola é um lugar de igualdade e liberdade básicas.

A vida humana é uma resposta interminável. Na escola pode acontecer um encontro que, ao dar confiança, ofereça também um bom impulso. Educar é ajudar a esboçar alguns nos traços dessa resposta.

Fácil de dizer: educar tem a ver com indicar e iniciar o caminho que conduz à maturidade. E o que é maturidade? Bom, também é fácil de dizer: dar frutos. Todo o ser vivo tende para a maturidade. Mas principalmente, e de forma especialíssima, o humano, porque cedo se reconhece chegado à vida e mortal.

A educação relaciona-se com o processo de amadurecimento das pessoas e, portanto, com o fruto que acaba por se oferecer. Mas, então, cabe perguntar: de que tipo é o fruto principal? E depois, o que é que o faz amadurecer? Descobrir o sabor deste fruto e os elementos mais apropriados ao seu cultivo é encontrar o sentido da educação[5].

A mística deste filósofo é como a teologia do Papa Francisco, uma mística de olhos e coração abertos para toda a realidade.

Boas férias. Até Setembro.

 

 

 



[1] É esse o fundamento da chamada ética samaritana, Lc 10, 29-37

[2] Foi este Papa que, em 2021, estabeleceu o Dia Mundial dos Avós e dos Idosos, a celebrar no 4º Domingo de Julho.

[3] Rute 1, 16-17; cf. Mensagem do Papa Francisco para o IV Dia Mundial dos Avós e dos Idosos, 2024

[4] Edições Paulinas, 2024

[5] Cf. Josep Maria Esquirol, A Escola da Alma. Da forma de educar à maneira de viver, Edições Paulinas, 2024

sábado, 3 de agosto de 2024

Eu sou o pão da vida - Pe. Manuel João, MC

 Eu sou o pão da vida

Ano B – Tempo Comum – 18º domingo
João 6,24-35: "Eu sou o Pão da Vida"

Após o relato da multiplicação dos pães, hoje, e nos próximos três domingos, continuaremos a leitura do capítulo 6 do evangelho de São João, uma longa catequese sobre o significado do "sinal" (milagre) operado por Jesus. Retornando dos arredores de Tiberíades, estamos agora em Cafarnaum, na sinagoga (v. 59). Lembremos o contexto. Após o milagre, "Jesus, sabendo que viriam buscá-lo para o fazerem rei, retirou-se novamente, sozinho, para o monte", enquanto seus discípulos, ao entardecer, subiram no barco e se dirigiram para Cafarnaum. A liturgia saltou esta segunda unidade do capítulo (6,16-21), que conta o episódio de Jesus que, caminhando sobre as águas, alcança seus discípulos no barco.

Um discurso em diálogo

A reflexão sobre o "sinal" é apresentada em forma de diálogo entre a multidão e Jesus. Encontramos três perguntas e um pedido da multidão, aos quais Jesus responde com outras tantas intervenções.

1. "Mestre, quando chegaste aqui?". A MULTIDÃO ficara surpresa porque não encontrara Jesus onde ele tinha ficado no dia anterior, ou seja, nos arredores de Tiberíades.
- JESUS, em vez de responder à questão deles, vai direto à intenção da busca deles: "Em verdade, em verdade vos digo: vós PROCURAIS-ME, não porque vistes milagres, mas porque comestes dos pães e ficastes saciados"; e conclui com uma exortação: "Trabalhai, não tanto pela comida que se perde, mas pelo alimento que dura até à vida eterna".

2. "Que devemos nós fazer para praticar as obras de Deus?". A MULTIDÃO pede uma explicação sobre o "fazer" e "praticar", ou seja, quais obras realizar.
- JESUS responde-lhes que uma única obra é necessária: "A OBRA de Deus consiste em acreditar naquele que ele enviou".

3. "Que milagres fazes tu, para que nós vejamos e acreditemos em ti? Que obra realizas?". Dado que Jesus reclama uma confiança total na sua pessoa, a MULTIDÃO pede um sinal adicional, uma obra maior do que a que Jesus havia feito. Jesus havia alimentado uma multidão de cinco mil e uma única vez, enquanto, segundo eles, Moisés com o maná havia nutrido todo um povo durante quarenta anos!
Ao que JESUS responde: "Não foi Moisés que vos deu o PÃO do Céu; meu Pai é que vos dá o verdadeiro pão do Céu". Ou seja, não foi Moisés, mas o Pai que deu o maná no passado e agora oferece a eles o pão verdadeiro, realmente descido do céu"!

Esta primeira parte do diálogo se conclui com a "oração" da multidão: "Senhor, dá-nos sempre desse pão". Mas qual pão?! Jesus responde com uma revelação: "Eu sou o pão da vida!" EU SOU ("Egō eimí", em grego) é uma alusão ao nome de Deus!

Até aqui, poder-se-ia dizer que a multidão manifesta certa receptividade. Afinal, eles procuraram Jesus, pediram explicações e formularam uma espécie de "oração". Contudo, notamos uma persistente ambiguidade de fundo. Enquanto Jesus tenta levá-los a uma leitura espiritual, profunda, do "sinal" miraculoso, a multidão permanece fixada no pão material. Veremos o que acontecerá nos próximos domingos. Não podemos, contudo, julgá-los e muito menos condená-los, pois eles não são senão o espelho de nossa realidade!

 

Aprofundar o sinal

Procuremos aprofundar o "sinal", pedindo ao Pai que nos atraia para Jesus. Ele nos dirá no próximo domingo: "Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o atrair" (v. 44). Façamos esse trabalho de aprofundamento através de três palavras ou conceitos que sintetizam o diálogo entre Jesus e a multidão: a procura, a obra e o pão.

1. A PROCURA. O relato começa com a procura. A multidão procura Jesus e o encontra em Cafarnaum. A procura é uma atitude natural de quem experimenta a sua própria indigência, nas suas várias formas. É também a atitude daquele que acredita e tem sede de Deus: "Desde a aurora eu te procuro, ó Deus" (Salmo 63). O tema da procura é caro a São João. As primeiras palavras de Jesus são: "Que procurais?", dirigidas aos dois discípulos que o seguiam (João 1,38). Denunciando a não autenticidade da busca da multidão, Jesus interpela também a cada um de nós. O que procuro eu no meu relacionamento com Cristo? Simplesmente uma ajuda, um benefício, uma graça ou uma consolação? Ou busco realmente estabelecer com ele um vínculo autêntico de amor e confiança? Nossa resposta pode parecer quase óbvia. Apenas um exame contínuo e sincero de nossas motivações mais profundas levará a um longo, árduo e, por vezes, até doloroso trabalho de purificação!

2. A OBRA. A única obra daquele que acredita é buscar, conhecer e amar cada vez mais o seu Senhor. Todos os dias nos esforçamos para ganhar o pão material. Um compromisso semelhante deve ser assumido na busca de conhecer o Senhor, através da Palavra de Deus, da oração e da reflexão sobre os acontecimentos da vida. O dia em que não cresci no conhecimento do Senhor foi um dia desperdiçado!

3. O PÃO. O pão é o tema central das leituras: encontramo-lo mencionado inúmeras vezes na primeira leitura, no salmo e no evangelho. De que pão se trata? Sim, também se trata do pão material, pois quando falta o pão, facilmente se perde a liberdade. Isso é bem retratado na primeira leitura (Êxodo 16), onde Israel recorda com saudade o tempo da escravidão em que podia comer carne e pão à vontade. Para comer, os trabalhadores deixam-se explorar pelo patrão. Para comer, tantas jovens mulheres são obrigadas a prostituir-se nas ruas de nossas cidades. Para comer, vendemos a nossa dignidade, como Esaú por um prato de lentilhas!...

Mas "não só de pão vive o homem"! A Palavra de Deus convida-nos a tomar consciência dos diferentes tipos de fome que há em nosso coração e de como e com o que os estamos saciando. Jesus se propõe como o "Pão da Vida" que sacia a fome e a sede de vida que carregamos dentro de nós. Jesus ainda não está a falar da eucaristia, mas de si mesmo como a Palavra descida do céu. "A Palavra se fez carne" (João 1,14). Podemos então orar verdadeiramente como a multidão do evangelho: "Senhor, dá-nos sempre desse pão", o Pão que és tu, Palavra do Pai, descida do Céu!

P. Manuel João Pereira Correia,
Verona, 2 de agosto de 2024

P. Manuel João Pereira Correia mccj
p.mjoao@gmail.com