LOUVADO SEJAS,
FRANCISCO!
Frei Bento Domingues,
O.P.
04 Maio 2025
1. A 13 de Março de 2013, surgiu, na tradicional Varanda,
o novo Papa que, antes de dar a bênção, pediu ele a bênção à multidão, aos que
estavam ali presentes e a quem estava através dos meios de comunicação. Despediu-se,
desejando um bom jantar a todos. Era um jesuíta que escolheu, para o seu
pontificado, o nome de Francisco de Assis. Era estranho, mas percebemos
rapidamente que não poderia ter feito melhor escolha.
Agora, crentes e não crentes, católicos e não católicos já
passaram duas semanas a tentar despedir-se do Papa Francisco. Mesmo internado,
não deixou de estudar e escrever para nos deixar trabalho programado e inspirador,
até Outubro de 2028, que provoque novos trabalhos de todas as Igrejas.
Francisco continuou activo nas tarefas imediatas que apontou
para mudar o mundo, mudar a vida[i]. Importa não esquecer este
dado essencial: estabeleceu o início de um caminho que deve levar a uma
Assembleia Eclesial, daqui a três anos, consolidando o que foi realizado até hoje
e abrindo novos caminhos. O Papa Francisco procurou, em tudo o que disse e
realizou, despertar a Alegria do Evangelho, suscitando sempre o sentido
da liberdade e da criatividade. Não eram propriamente os dogmas e a sua infabilidade
que o preocupavam. Essas dimensões, por mais importantes que sejam, não foram
as suas preocupações dominantes. A Igreja é de todos, todos, todos,
porque é fruto do trabalho, da oração e do empenhamento de todos. Deus não
é só de alguns. Não podemos falar de uma Igreja do Papa Francisco, mas de uma
Igreja acolhedora de todos os que andam à procura de um sentido para vida.
Não posso supor que um novo Papa tente eliminar este
processo, que não é de um Papa, mas de uma Igreja Sinodal. É evidente que isso
seria possível. No entanto, quem se metesse por esse caminho estaria a romper a
maior redescoberta do pontificado do Papa Francisco. Por isso, é tão
importante aproveitar este tempo para meditar e aprofundar as suas mensagens,
os seus textos e a Carta dirigida a todos os bispos, publicada durante o seu
internamento (11.03.2025), que se refere à fase de implementação do Sínodo
concluído em 2024. Não é uma carta apenas de um hierarca, mas a expressão das
próprias comunidades eclesiais que abraçaram o processo sinodal de comunhão,
participação e missão.
Sinto-me obrigado a não esquecer essas vozes. Digo isto no
plural porque se trata, de facto, de um texto que já é da Igreja – o Documento
final da 16ª Assembleia Geral, Outubro 2024 – elaborado pelas
comunidades cristãs, na sua diversidade, e assumido pelo Magistério ordinário
do Sucessor de Pedro.
Como explicou o cardeal Mario Grech, secretário-geral do Sínodo,
isto implica, para as Igrejas locais e para os grupos de Igrejas, o
compromisso de implementar as indicações do próprio Documento sinodal,
por meio de processos de discernimento e decisão, culminando na Assembleia
Geral 2028.
A Igreja, sempre em reforma, é chamada a expressar a
crença de que a Igreja Cristã deve continuamente reexaminar-se para garantir a
pureza da sua mensagem e prática, conformes ao Evangelho.
2. Importa voltar ao esforço de Francisco para que a
Igreja viva preocupada e ocupada com as questões da sociedade: a pobreza, os
descartáveis, os migrantes, as guerras e as vítimas das guerras, a ecologia
integral, o diálogo inter-religioso e, sobretudo, a eliminação da economia
que mata. Via a Igreja como um hospital de campanha, de saída,
não virada para si mesma, mas para o mundo com os seus problemas[ii].
Como disse Paul Ricoeur, «se verdadeiramente as religiões quiserem
sobreviver, devem satisfazer muitas exigências. É preciso, em primeiro lugar, renunciar
a toda a espécie de poder que não seja o de uma palavra desarmada. Devem, por
outro lado, fazer prevalecer a compaixão sobre a rigidez doutrinal. É preciso
sobretudo – e é o mais difícil – procurar no mais fundo dos seus ensinamentos
este excesso não dito, graças ao qual, cada um poderá esperar encontrar
os outros, pois não é por ocasião de manifestações superficiais, que permanecem
competições, que as verdadeiras aproximações são feitas: é apenas em
profundidade que as distâncias são vencidas».
Quando andava à procura da Religião dos Portugueses,
o arquitecto Nuno Teotónio Pereira ajudou-me a descobrir um movimento cristão,
em Portugal, nos anos 40-50 do século passado, intitulado Metanoia e
inspirado naquele que Bergoglio escolheu para o seu pontificado, Francisco de
Assis. Este movimento foi sufocado pela época política em que se vivia. No
entanto, ainda consegui falar com alguns dos seus fundadores e conservo várias
das suas publicações.
3. O Papa Francisco deixou-nos um legado de gestos e palavras
que podem alimentar todas as correntes espirituais e sociais que desejem seguir
o caminho sinodal. É normal que o novo Papa tenha outras inspirações, outros
métodos e outras orientações. Não serão, porém, contraditórias porque o próprio
do Papa Francisco foi o de abraçar a largueza das experiências humanas, católicas
e não católicas. Bergoglio não gostaria nada de suscitar imitadores, mas mulheres
e homens inspirados no Evangelho e no melhor de toda a história da igreja e da
humanidade.
Além do seu programa – Alegria do Evangelho (2013) – e
do impulso que deu ao diálogo inter-religioso, destaco, entre muitos outros
textos, A Alegria do Amor (2016), a Declaração sobre a Fraternidade
Humana pela Paz Mundial e a convivência comum (2019), a Fratelli Tutti
(2020), sem esquecer os seus "3 Ts": Terra, Tecto (casa) e
Trabalho, inspirados no Encontro Mundial de Movimentos Populares (2014).
Em resposta a uma carta do Delegado da Região Pastoral de
Buenos Aires, a propósito de A Alegria do Amor, o Papa recomenda
simplesmente isto: acolher, acompanhar, discernir, integrar. Estas
atitudes devem ter em conta a inculturação, no tempo e nas circunstâncias em
que as pessoas se encontram. É esta a teologia do Papa Francisco para as
famílias[iii].
Louvado sejas, Papa Francisco, por todo o legado que nos
deixaste e pela insistência com os jovens portugueses: procurai e arriscai.