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Crónicas PÁRA E PENSA
Optimismo-pessimismo:
a ambiguidade do mundo
Anselmo Borges
Padre e Professor de Filosofia
Foi Leibniz que, numa obra célebre –
Teodiceia -, na qual, perante a existência do
mal, queria defender e justificar Deus, se
apresentou como arauto do optimismo. O
nosso mundo é o melhor dos mundos
possíveis.
Leibniz era um cristão convicto e,
portanto, Deus, entre os mundos possíveis,
tinha de ter criado o melhor. De facto, se
este nosso mundo criado não fosse o
melhor, haveria a possibilidade de outro
Optimismo-pessimismo:
a ambiguidade do mundo
Anselmo Borges
Padre e Professor de Filosofia
Foi Leibniz que, numa obra célebre –
Teodiceia -, na qual, perante a existência do
mal, queria defender e justificar Deus, se
apresentou como arauto do optimismo. O
nosso mundo é o melhor dos mundos
possíveis.
Leibniz era um cristão convicto e,
portanto, Deus, entre os mundos possíveis,
tinha de ter criado o melhor. De facto, se
este nosso mundo criado não fosse o
melhor, haveria a possibilidade de outro
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melhor, o que significaria que ou Deus não
tinha conhecido esse mundo melhor ou não
o tinha querido ou não tinha podido criá-lo,
o que contradiz a sua omnisciência, a sua
bondade infinita e a sua omnipotência.
Veio o terramoto de Lisboa em 1755, que
tornava impossível a manutenção de ideias
optimistas. Voltaire escreveria o famoso
“Poema sobre o desastre de Lisboa”, onde
pede aos filósofos enganados que venham
ver as mulheres e as crianças empilhadas
umas sobre as outras, todos esses
desgraçados enterrados debaixo dos seus
tectos, terminando os seus dias no horror
dos tormentos.
Voltaire escreveu também o Cândido,
onde escalpeliza a ideia de que tudo
contribui para o melhor. O optimismo de
Pangloss e a candura de Cândido vêem-se
confrontados com a realidade bruta do mal:
as desgraças humanas causadas pelas
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catástrofes naturais, pela estupidez
humana, pelas instituições, pelas guerras,
pela avareza, pela superstição, pela
escravatura, pela hipocrisia, pelo tédio, por
todo o tipo de exploração...
Se, para Leibniz, o nosso é o melhor dos
mundos possíveis, para Arthur
Schopenhauer, é precisamente o contrário:
este é o pior dos mundos possíveis. Existir é
sofrer.
Segundo Schopenhauer, o mundo na
sua realidade última é vontade, mas
vontade cega. Tudo é impulsionado pela
vontade de viver, uma vontade infinita
nunca saciada, de tal modo que os nossos
impulsos e desejos nunca encontram
satisfação. O optimismo não passa de
escárnio frente à dor sem fim nem limites
da humanidade.
Schopenhauer acompanha-nos pelos
hospitais, pelas cadeias, pela selva (pensa-se
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pouco na dor dos animais), pelos campos de
batalha, pelos matadouros, pelas câmaras
de tortura, por todas as moradas da miséria.
A necessidade é o açoute permanente dos
humanos, mas, quando a satisfazem,
entram no tédio e desejam outra coisa – a
vida é como um pêndulo entre a dor e o
tédio. No fim, o destino é a solidão atroz,
pois cada um, no mais profundo, está
sempre sozinho. Depois, é a morte.
Pergunta-se: Devemos ser optimistas ou
pessimistas? O mundo tal como se nos
apresenta exige o optimismo ou a única
atitude razoável é o pessimismo? O
optimismo celebra o óptimo, que é o
superlativo absoluto simples de bom. O
pessimismo deixa-se derrotar pelo péssimo,
que é o superlativo absoluto simples de
mau.
Mas o mundo nem é óptimo nem é
péssimo. O mundo é ambíguo, uma mistura
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de bem e de mal. E nele fazemos
experiências negativas de contraste:
deparamo-nos com a negatividade, mas
sempre como aquilo que não devia ser, isto
é, em confronto com a positividade. Isto
significa que nos vivemos a nós mesmos no
mundo na perplexidade. O mundo não nos
aparece como completamente absurdo e,
por isso, perguntamos, à procura de um
sentido, de sentido último.
A própria Bíblia, que é toda atravessada
pela esperança, não é de modo nenhum
ingénua nem ignora o horror do mundo. O
livro de Job é paradigmático. Job, inocente,
açoitado pela desgraça, ousa erguer a voz
em quase blasfémia, quer levar Deus a
tribunal e chega a amaldiçoar ter nascido:
“Job tomou a palavra e disse: ‘Desapareça o
dia em que nasci e a noite em que foi dito:
‘Foi concebido um varão!’ Porque não morri
no seio da minha mãe? Por que razão foi
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dada luz ao infeliz e vida àqueles para
quem só há amargura? Esses esperam a
morte que não vem e procuram mais do que
um tesouro; esses saltariam de júbilo e se
alegrariam por chegar ao sepulcro.”
De qualquer modo, no meio de uma
história de calvário, a Bíblia é uma gritaria
por liberdade, sentido e salvação...
Num mundo comum, que crentes e não
crentes habitam, o que os separa é a
interpretação que dão a esse mundo
ambíguo. E não é pelo facto de o serem que
os crentes o interpretam de uma
determinada maneira, o mesmo
acontecendo aliás com os descrentes ou os
ateus. Pelo contrário, uma determinada
interpretação é que leva à fé ou ao ateísmo,
mas de tal modo que a fé, a descrença, o
agnosticismo ou o ateísmo aparecem aos
crentes, aos descrentes, aos agnósticos e aos
ateus, respectivamente, como a melhor
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maneira de interpretar e dar sentido à
existência e à realidade ambígua.
À maneira de apêndice, fica a pergunta,
absurda, mas cujo propósito, na sua
dimensão de abismo sem fundo, se entende:
Se me fosse dado escolher, teria escolhido
nascer, vir ao mundo? Faça-se a pergunta,
pensando na Ucrânia, Gaza, África onde
umas 18.000 crianças morrem todos os dias
de fome ou vítimas de umas 25 guerras em
curso, em Myanmar...: Quantos teriam
escolhido ter nascido?
A outra pergunta: O que se impõe para
melhorar o mundo?
Sábado, 31 de Maio de 2025