O BAPTISMO
DE JESUS INTERROGA-NOS
Frei Bento Domingues,
O.P.
12 Janeiro 2025
1. Para
a Igreja Católica, este Novo Ano tem a particularidade de vir a seguir ao
Sínodo, isto é, ao novo processo da sua reforma, ao serviço da transformação da
sociedade. É preciso não deixar que se percam 3 anos para entender e praticar
uma nova forma de viver em Igreja de
saída, abrindo todas as portas para entrar toda a gente e abrir as janelas
para vermos o que se passa no mundo e o que podemos fazer para acabar com os
cenários de miséria e de guerra.
João Paulo II tinha defendido a impossibilidade definitiva
da ordenação sacerdotal de mulheres. O Sínodo não foi por esse caminho. Abriu
corajosamente um outro. A sua importância fundamental merece especial destaque[1]:
«Em
virtude do Baptismo, homens e mulheres gozam de igual dignidade no Povo de
Deus. No entanto, as mulheres continuam a encontrar obstáculos para obter um
reconhecimento mais pleno dos seus carismas, da sua vocação e do seu lugar nos
vários sectores da vida da Igreja, em detrimento do serviço à missão comum. As
Escrituras atestam o papel de primeiro plano de muitas mulheres na história da
salvação. A uma mulher, Maria de Magdala, foi confiado o primeiro anúncio da Ressurreição;
no dia de Pentecostes, Maria, a Mãe de Jesus, estava presente no Cenáculo,
juntamente com muitas outras mulheres que tinham seguido o Senhor. É importante
que as passagens relevantes da Escritura encontrem lugar apropriado nos leccionários
litúrgicos. Alguns momentos cruciais da história da Igreja confirmam o
contributo essencial das mulheres movidas pelo Espírito. As mulheres constituem
a maioria daqueles que frequentam as igrejas e são frequentemente as primeiras
testemunhas da fé nas famílias. São activas na vida das pequenas comunidades
cristãs e nas paróquias; dirigem escolas, hospitais e centros de acolhimento;
lideram iniciativas de reconciliação e de promoção da dignidade humana e da
justiça social. As mulheres contribuem para a investigação teológica e estão
presentes em posições de responsabilidade nas instituições ligadas à Igreja, na
Cúria diocesana e na Cúria Romana. Há mulheres que exercem cargos de autoridade
ou são responsáveis pela comunidade. Esta Assembleia convida a dar plena implementação
de todas as oportunidades já previstas no direito vigente relativamente ao
papel das mulheres, particularmente nos lugares onde estes continuam por
cumprir. Não há razões que impeçam as mulheres de assumir funções de liderança
na Igreja: não se pode impedir o que vem do Espírito Santo. A questão do acesso
das mulheres ao ministério diaconal também permanece em aberto. É necessário
prosseguir o discernimento a este respeito. A Assembleia convida também a
prestar maior atenção à linguagem e às imagens utilizadas na pregação, no
ensino, na catequese e na redacção dos documentos oficiais da Igreja, dando
mais espaço ao contributo de mulheres santas, teólogas e místicas».
Esperemos
que isto não fique, apenas, como muitas vezes acontece, num excelente texto.
2. Na organização do
calendário litúrgico, este Domingo celebra o Baptismo de Jesus, no rio Jordão.
Significava que Jesus, durante algum tempo, foi seduzido pelo caminho de João
Baptista, entre os vários grupos diferentes – lembremos, por exemplo, a célebre
comunidade de Qumran – que
não alinhavam com a religião do templo de Jerusalém. Há razões para julgar que
lhe assiste alguma base histórica, apresentada numa interpretação, sobretudo de
ruptura com o frequente legalismo do Antigo Testamento.
Não convinha nada que Jesus fosse baptizado por João que
tinha discípulos que sobreviveram ao seu assassinato e ao de Jesus. Eles
poderiam sempre dizer aos seguidores do Nazareno: foi o nosso mestre que
baptizou o vosso e não o contrário. De facto, nos diferentes Evangelhos existe
uma vontade de mostrar que Jesus exaltou a figura de João Baptista – entre os nascidos de mulher, não há ninguém
maior do que João –, mas ao mesmo tempo, mostrar também que, quem acolhesse
a novidade revolucionária do Evangelho, seria maior que ele.
Este baptismo de Jesus significa passar de um ritual e uma
prática ascética para uma abertura do céu e da terra a uma nova idade.
A narrativa de S. Lucas é comovente. Por um lado, faz de
Jesus um discípulo de João, por outro, mostra a ruptura com o seu antigo mestre[2].
O que terá acontecido? João era o símbolo da necessidade
de reformar a religião de Israel, mas ainda na linha austera dos profetas. A
sua pregação não se afastava de um rigor moralista carregado de ameaças. Jesus
teve uma experiência espiritual que o obrigou a romper com esse mundo. Diz o
texto que Jesus baptizado entrou em oração. O resultado exprime a própria
personalidade do Nazareno: Ele é a terra aberta ao céu e o céu aberto à terra,
aberto a todos os mundos. O Espírito de Deus, ao banhar o seu espírito, declara
que Ele é um filho muito amado. Jesus sai dessa experiência com uma missão:
mostrar que toda a gente, a começar pela mais desclassificada, sob o ponto de
vista religioso, moral e material, é amada por Deus e chamada a viver do mesmo
Espírito: Espírito de Deus, Espírito de Cristo, Espírito de renovação da
Igreja, Espírito de transformação do mundo, numa imensa pluralidade de carismas
e de caminhos. É um Espírito que solicita a nossa inteligência e a nossa
vontade, mas que nunca se impõe à nossa liberdade.
3. O
que se celebra hoje é a ruptura de Jesus com o movimento de João Baptista e o
começo do seu movimento a partir de uma nova experiência de Deus. Esta experiência
ditou-lhe um novo caminho a percorrer, que detectamos no seu percurso
posterior, através das narrativas do Novo Testamento: Deus surge, na sua
pessoa, como uma declaração de amor por todos os seres humanos, de todos os
povos, culturas e religiões.
Em suma, há dois mil anos, a partir de situações muito
concretas, num canto do império romano, no seio do judaísmo, na Galileia das Nações, Jesus de Nazaré
questionou e abalou as falsas certezas.
Se a crise financeira e económica de consequências globais
não for aproveitada para questionar e alterar a orientação absurda da nossa
civilização, se não fizer surgir um novo olhar sobre o mundo e o ser humano, se
não levar a um novo caminho, só resta continuar de alienação em alienação, na
rota da auto-destruição.
Vivemos
numa época marcada pelo aumento das desigualdades, pela crescente desilusão com
os modelos tradicionais de governação, pelo desencanto com o funcionamento da
democracia, pelo aumento das tendências autocráticas e ditatoriais, pelo
predomínio do modelo de mercado sem ter em conta a vulnerabilidade das pessoas
e da criação, e pela tentação de resolver os conflitos através da força e não
do diálogo. Práticas autênticas de sinodalidade permitem aos cristãos
desenvolver uma cultura capaz de profecia crítica face ao pensamento dominante
e, assim, oferecer um contributo peculiar na procura de respostas a muitos dos
desafios que as sociedades contemporâneas devem enfrentar e na construção do
bem comum[3].
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