domingo, 4 de maio de 2025

O dia da consolação - P. Manuel João Pereira Correia, mccj

 O dia da consolação

Ano C – Páscoa – 3.º Domingo
João 21,1-19: “É o Senhor!”

No domingo passado, São João relatou-nos as duas aparições de Jesus aos discípulos em Jerusalém, ocorridas num domingo, enquanto eles estavam encerrados no cenáculo. Hoje, apresenta-nos a sua manifestação num contexto completamente diferente: já não estamos na cidade santa, mas na “Galileia dos gentios”, terra de fé incerta; não é domingo, mas um dia de semana, num ambiente profano. O Ressuscitado não se encontra apenas no espaço sagrado da igreja, ao domingo, mas também nos contextos quotidianos, no trabalho, na rotina diária.

Um dia de trabalho

Tudo começa com a iniciativa de Simão Pedro, que decide ir pescar. Os seus companheiros juntam-se a ele: “Nós também vamos contigo.” Perguntamo-nos: o que significa este gesto de Pedro? Será motivado pelo tédio, por não saber o que fazer? Ou por um sentimento de desorientação, agora que se encontram sozinhos, sem o Mestre? Ou ainda um regresso ao passado, à vida de antes, depois dos três anos passados a seguir Jesus? Também nós podemos viver situações semelhantes. Após uma experiência marcante que se interrompe bruscamente, deixando-nos desiludidos e desorientados, a tentação é esquecer tudo e “voltar à vida de antes”.

Contudo, o relato sugere algo diferente. O evangelista introduz elementos que deixam entrever uma dimensão simbólica do acontecimento. Não se trata de uma pesca qualquer, mas da missão que lhes foi confiada: serem “pescadores de homens”. Fala-se do barco de Pedro (símbolo da Igreja); dos sete discípulos (símbolo da totalidade da comunidade cristã, ao contrário dos doze que representam Israel); do mar (símbolo das forças hostis à vida); de Tiberíades, cidade construída por Herodes Antipas em honra do imperador Tibério, cidade semi-pagã, que Jesus parece nunca ter visitado, considerada impura por ter sido edificada sobre um cemitério (F. Armellini).

Em suma, uma missão muito semelhante à nossa, hoje. Nesse barco, representados pelos sete, estamos também nós, juntamente com todos os que lutam para libertar o mundo das forças do mal.

Uma noite de frustração

“Mas, naquela noite, nada apanharam.”
Porquê? Por falta de habilidade? Ou será uma confirmação de que, sem Ele, nada podemos fazer? Todos vivemos momentos semelhantes: frustração, sensação de inutilidade, a impressão de termos desperdiçado tempo e energia… A maturidade, tanto humana como cristã, passa também por estes tempos de provação. A nossa condição é a de trabalhar na “noite”, sem resultados garantidos.

Uma aurora de esperança

Mas, depois de cada noite, nasce sempre a aurora, que traz luz e esperança à nossa vida. Essa luz e essa esperança vêm do “Desconhecido” que aparece na margem:
“Quando já amanhecia, Jesus estava de pé na margem, mas os discípulos não sabiam que era Jesus.”
Talvez estivesse lá durante toda a noite, mas os seus olhos não eram capazes de O reconhecer.

“Jesus disse-lhes: «Meus filhos, tendes alguma coisa para comer?» Responderam-lhe: «Não.» Disse-lhes Ele: «Lançai a rede do lado direito do barco e encontrareis.» Lançaram-na, e já não tinham forças para a puxar, por causa da grande quantidade de peixes”: 153 grandes peixes, um número enigmático que simboliza a abundância e, talvez, a totalidade da humanidade a salvar.

Jesus dirige-se a eles com o afetuoso termo “meus filhos”. Assim também nos chama hoje, sobretudo nos momentos de tristeza, frustração e desânimo. E indica-nos onde lançar a rede: à direita, o lado certo, o lado bom que existe em cada pessoa.

“Então, o discípulo que Jesus amava disse a Pedro: «É o Senhor!»”
Pedro e João são os protagonistas deste domingo, como Tomé o foi no domingo passado. Não são rivais, mas complementares: representam a instituição e o carisma, a prontidão e a reflexão, a ação e a contemplação. São os dois pilares fundamentais da nossa vida cristã.

Uma manhã de consolação

“Assim que chegaram a terra, viram ali um lume de brasas, com peixe em cima e pão... Jesus disse-lhes: «Vinde comer.»”
O encontro com o Ressuscitado conclui-se em torno do fogo pascal, num momento de convivialidade. O convite a comer torna-se uma alusão à Eucaristia. O pão e o peixe são símbolos cristológicos recorrentes na comunidade cristã primitiva.

Mas havia algo no ar daquela manhã primaveril que inibia a explosão da alegria. As chamas daquele fogo faziam regressar à memória de Pedro os fantasmas da noite em que, também junto a um fogo, negara o Mestre três vezes. Nem os outros discípulos ousavam olhar Jesus nos olhos. Nenhum tinha a consciência tranquila. A qualquer momento esperavam uma repreensão de Jesus pela sua infidelidade. Mas nada disso aconteceu. Jesus, com extrema delicadeza e ternura amorosa, dissipou a nuvem sombria que pairava sobre Simão Pedro.

“Depois de comerem, Jesus disse a Simão Pedro: «Simão, filho de João, amas-me (verbo grego agapan) mais do que estes?» Ele respondeu: «Sim, Senhor, Tu sabes que Te quero bem (philein)». Disse-lhe: «Apascenta os meus cordeiros.»”
Jesus pergunta usando o verbo agapan, que indica um amor total, incondicional (ágape), enquanto Pedro responde com o verbo philein, que expressa amor de afeto e amizade (filia). À terceira vez, Jesus adapta-se ao amor de Pedro e adota o verbo philein:
“«Simão, filho de João, queres-me bem?» Pedro ficou triste por Lhe ter perguntado, pela terceira vez: «Queres-me bem?», e respondeu: «Senhor, Tu sabes tudo; Tu sabes que Te quero bem». Disse-lhe Jesus: «Apascenta as minhas ovelhas.»”
A Pedro, que se mostrara pouco fiável, Jesus confia o seu rebanho. Constitui-o Pastor, um título messiânico que até então reservara para Si.
“E, depois disto, acrescentou: «Segue-me.»”
Segue-me, para seres o Pastor que dá a vida pelas minhas ovelhas.

Um modelo maravilhoso de consolação

Concluo com este belo comentário do cardeal Carlo Maria Martini:
“A atuação de Jesus é um modelo maravilhoso de consolação que, passando por cima de todos os defeitos, capta o melhor da pessoa.”
O Ressuscitado não repreende ninguém. É verdade que tinha repreendido os dois discípulos de Emaús e os onze pela sua incredulidade, mas nunca mencionou a sua infidelidade ou traição (Lucas 24,25; Marcos 16,14).
“Esta é verdadeiramente consolação régia: não aproveitar a humilhação alheia para ridicularizar, esmagar, afastar, mas reabilitar, dar coragem, restituir responsabilidade. Para consolar assim, creio que é necessário ser como Jesus, ou seja, ter em si uma grande alegria, um grande tesouro, pois então é fácil comunicá-lo. O Senhor, que possui o tesouro da sua vida divina, faz descer a consolação como bálsamo, gota a gota. E nós, na certeza de estarmos em comunhão com Ele, podemos também fazer descer a consolação gota a gota, sem repreensões nem presunção.”

E é precisamente por esta consolação que os apóstolos, depois de terem sido açoitados, “saíram do Sinédrio contentes por terem sido considerados dignos de sofrer ultrajes pelo nome de Jesus” (primeira leitura).

P. Manuel João Pereira Correia, mccj

 

 

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