sábado, 31 de maio de 2025

Optimismo-pessimismo: a ambiguidade do mundo - Anselmo Borges Padre e Professor de Filosofia

 Optimismo-pessimismo:

a ambiguidade do mundo

Anselmo Borges

Padre e Professor de Filosofia

Foi Leibniz que, numa obra célebre –

Teodiceia -, na qual, perante a existência do

mal, queria defender e justificar Deus, se

apresentou como arauto do optimismo. O

nosso mundo é o melhor dos mundos

possíveis.

Leibniz era um cristão convicto e,

portanto, Deus, entre os mundos possíveis,

tinha de ter criado o melhor. De facto, se

este nosso mundo criado não fosse o

melhor, haveria a possibilidade de outro

2

melhor, o que significaria que ou Deus não

tinha conhecido esse mundo melhor ou não

o tinha querido ou não tinha podido criá-lo,

o que contradiz a sua omnisciência, a sua

bondade infinita e a sua omnipotência.

Veio o terramoto de Lisboa em 1755, que

tornava impossível a manutenção de ideias

optimistas. Voltaire escreveria o famoso

“Poema sobre o desastre de Lisboa”, onde

pede aos filósofos enganados que venham

ver as mulheres e as crianças empilhadas

umas sobre as outras, todos esses

desgraçados enterrados debaixo dos seus

tectos, terminando os seus dias no horror

dos tormentos.

Voltaire escreveu também o Cândido,

onde escalpeliza a ideia de que tudo

contribui para o melhor. O optimismo de

Pangloss e a candura de Cândido vêem-se

confrontados com a realidade bruta do mal:

as desgraças humanas causadas pelas

3

catástrofes naturais, pela estupidez

humana, pelas instituições, pelas guerras,

pela avareza, pela superstição, pela

escravatura, pela hipocrisia, pelo tédio, por

todo o tipo de exploração...

Se, para Leibniz, o nosso é o melhor dos

mundos possíveis, para Arthur

Schopenhauer, é precisamente o contrário:

este é o pior dos mundos possíveis. Existir é

sofrer.

Segundo Schopenhauer, o mundo na

sua realidade última é vontade, mas

vontade cega. Tudo é impulsionado pela

vontade de viver, uma vontade infinita

nunca saciada, de tal modo que os nossos

impulsos e desejos nunca encontram

satisfação. O optimismo não passa de

escárnio frente à dor sem fim nem limites

da humanidade.

Schopenhauer acompanha-nos pelos

hospitais, pelas cadeias, pela selva (pensa-se

4

pouco na dor dos animais), pelos campos de

batalha, pelos matadouros, pelas câmaras

de tortura, por todas as moradas da miséria.

A necessidade é o açoute permanente dos

humanos, mas, quando a satisfazem,

entram no tédio e desejam outra coisa – a

vida é como um pêndulo entre a dor e o

tédio. No fim, o destino é a solidão atroz,

pois cada um, no mais profundo, está

sempre sozinho. Depois, é a morte.

Pergunta-se: Devemos ser optimistas ou

pessimistas? O mundo tal como se nos

apresenta exige o optimismo ou a única

atitude razoável é o pessimismo? O

optimismo celebra o óptimo, que é o

superlativo absoluto simples de bom. O

pessimismo deixa-se derrotar pelo péssimo,

que é o superlativo absoluto simples de

mau.

Mas o mundo nem é óptimo nem é

péssimo. O mundo é ambíguo, uma mistura

5

de bem e de mal. E nele fazemos

experiências negativas de contraste:

deparamo-nos com a negatividade, mas

sempre como aquilo que não devia ser, isto

é, em confronto com a positividade. Isto

significa que nos vivemos a nós mesmos no

mundo na perplexidade. O mundo não nos

aparece como completamente absurdo e,

por isso, perguntamos, à procura de um

sentido, de sentido último.

A própria Bíblia, que é toda atravessada

pela esperança, não é de modo nenhum

ingénua nem ignora o horror do mundo. O

livro de Job é paradigmático. Job, inocente,

açoitado pela desgraça, ousa erguer a voz

em quase blasfémia, quer levar Deus a

tribunal e chega a amaldiçoar ter nascido:

“Job tomou a palavra e disse: ‘Desapareça o

dia em que nasci e a noite em que foi dito:

‘Foi concebido um varão!’ Porque não morri

no seio da minha mãe? Por que razão foi

6

dada luz ao infeliz e vida àqueles para

quem só há amargura? Esses esperam a

morte que não vem e procuram mais do que

um tesouro; esses saltariam de júbilo e se

alegrariam por chegar ao sepulcro.”

De qualquer modo, no meio de uma

história de calvário, a Bíblia é uma gritaria

por liberdade, sentido e salvação...

Num mundo comum, que crentes e não

crentes habitam, o que os separa é a

interpretação que dão a esse mundo

ambíguo. E não é pelo facto de o serem que

os crentes o interpretam de uma

determinada maneira, o mesmo

acontecendo aliás com os descrentes ou os

ateus. Pelo contrário, uma determinada

interpretação é que leva à fé ou ao ateísmo,

mas de tal modo que a fé, a descrença, o

agnosticismo ou o ateísmo aparecem aos

crentes, aos descrentes, aos agnósticos e aos

ateus, respectivamente, como a melhor

7

maneira de interpretar e dar sentido à

existência e à realidade ambígua.

À maneira de apêndice, fica a pergunta,

absurda, mas cujo propósito, na sua

dimensão de abismo sem fundo, se entende:

Se me fosse dado escolher, teria escolhido

nascer, vir ao mundo? Faça-se a pergunta,

pensando na Ucrânia, Gaza, África onde

umas 18.000 crianças morrem todos os dias

de fome ou vítimas de umas 25 guerras em

curso, em Myanmar...: Quantos teriam

escolhido ter nascido?

A outra pergunta: O que se impõe para

melhorar o mundo?

Sábado, 31 de Maio de 2025

Sem comentários:

Enviar um comentário