A mulher na Igreja. O nó do problema. 2
Anselmo Borges
24 Jan 2025
A crónica da semana passada terminava com a pergunta: Por que é que o acesso das
mulheres ao ministério sacerdotal não teve sequer possibilidade de ser colocado
no Documento Final do Sínodo sobre a sinodalidade, aprovado pelo Papa Francisco em
Outubro de 2024? E prometia tentar na crónica de hoje explicar como esta é questão
decisiva na Igreja.
A discriminação das mulheres pela Igreja oficial constitui um escândalo e um pecado.
De facto, é contra os direitos humanos e a vontade de Jesus. Tentarei desfazer
equívocos para ir ao essencial.
1. O próprio Papa Francisco tem impedido colocar a questão, argumentando que “o
sacerdócio é reservado aos varões, como sinal de Cristo Esposo que se entrega na
Eucaristia”.
Como responder? Sim, Jesus é a visibilização de Deus, mistério indizível, em
humanidade. O Evangelho segundo São João escreve que o Verbo (o Logos, Palavra) se
fez carne (em grego, sarx), humanidade frágil. Sim, Jesus é homem, mas, como faz
notar Marta Zubía, o que o Evangelho quer dizer é que o Verbo se humanizou, não que
se varonizou, que “se fez homem (anthropos, homo) e não que se fez varão (aner, vir).
Deus não se humanizou na sexualidade de Jesus, mas na sua pessoa, na sua
humanidade. Esta redução, agravada pelo uso exclusivo de linguagem e imagens
masculinas, leva a considerar a masculinidade, pelo menos na prática, como uma
característica essencial do próprio Deus.”
2. Neste sentido, há quem argumente também que na Última Ceia só havia homens, os
Apóstolos - afirmação muito discutível - e que só a eles foi entregue o governo da
Igreja. O teólogo Herbert Haag, talvez o maior exegeta do século XX, respondeu que
então, uma vez que todos eram judeus, só se poderia ordenar judeus!...
3. Jesus trouxe por palavras e obras a melhor notícia que a Humanidade teve: Deus é
bom, Pai/Mãe e todos os homens e mulheres são seus filhos e, portanto, irmãos. Isso
era intolerável para os interesses do Templo e do Império, que se coligaram para o
assassinar. Portanto, Jesus não foi vítima de Deus, mas dos homens. Que Deus seria
esse que teria precisado da morte do Filho para aplacar a sua ira? Note-se que Joseph
Ratzinger, quando era só professor, escreveu que recusava acreditar que Deus se
tornou “misericordioso” só depois de ver satisfeita a sua “vingança”. Opondo-se à
teologia da “satisfação” que situava a cruz “no interior de um mecanismo de direito
lesado e restabelecido”, rejeitou a noção de um Deus “cuja justiça inexorável teria
exigido um sacrifício humano, o sacrifício do seu próprio Filho. Esta imagem, apesar de
tão espalhada, não deixa de ser falsa”.
4. Foi também Herbert Haag que mostrou que as primeiras comunidades cristãs
celebravam a Eucaristia, um banquete festivo, recordando a memória de Jesus, o que
Ele disse e fez, a sua morte e ressurreição, e aprofundando o seu compromisso na
realização do Reino de Deus... Quem presidia era um cristão ou uma cristã com uma
casa melhor para se juntarem. Foi com a interpretação da Eucaristia como sacrifício
que surgiram os sacerdotes, com uma ordenação sacra, o que levou, contra a vontade
de Jesus que disse: “sois todos irmãos”, à divisão em duas classes: clero e leigos...
5. Como mostro no meu mais recente livro - O Mundo e a Igreja. Que Futuro? -, a Igreja
sempre teve carismas, funções, ministérios..., mas nem Jesus, nem os Apóstolos
ordenaram sacerdotes. Ela precisa de uma profundíssima reforma, e a não-
discriminação das mulheres é essencial.
Padre e professor de Filosofia.
Escreve de acordo com a antiga ortografia
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