sábado, 22 de março de 2025

Cuidado! Cuidar Anselmo Borges Padre e professor de Filosofia - 22 Março

 Cuidado! Cuidar

Anselmo Borges

Padre e professor de Filosofia

Entre as grandes obras

filosóficas do século XX, figura uma

do filósofo alemão Martin

Heidegger: Sein und Zeit (Ser e

Tempo). Nela, retoma a célebre

fábula sobre o Cuidado, de Higino,

um escravo culto (64 a. C.-16 d.

C.). Fica aí, traduzida literalmente.

“Uma vez, ao atravessar um rio,

‘Cuidado’ viu terra argilosa.

Pensativo, tomou um pedaço de

barro e começou a moldá-lo.

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Enquanto contemplava o que tinha

feito, apareceu Júpiter. ‘Cuidado’

pediu-lhe que insuflasse espírito

naquela figura, o que Júpiter fez de

bom grado. Mas, quando ‘Cuidado’

quis dar o próprio nome à criatura

que havia formado, Júpiter proibiu-

lho, exigindo que lhe fosse dado o

seu. Enquanto ‘Cuidado’ e Júpiter

discutiam, surgiu também a Terra

(Tellus) e também ela quis conferir

o seu nome à criatura, pois fora ela

a dar-lhe um pedaço do seu corpo.

Os contendentes invocaram

Saturno como juiz. Este tomou a

seguinte decisão, que pareceu

justa: ‘Tu, Júpiter, deste-lhe o

espírito; por isso, receberás de

volta o seu espírito por ocasião da

sua morte. Tu, Terra, deste-lhe o

corpo; por isso, receberás de volta

o seu corpo. Mas, como foi

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‘Cuidado’ a ter a ideia de moldar a

criatura, ficará ela na sua posse

enquanto viver. E, uma vez que

entre vós há discussão sobre o

nome, chamar-se-á ‘homo’

(Homem), já que foi feita a partir

do húmus (Terra)’.”

Martin Heidegger, um dos

maiores filósofos do século XX,

retoma a fábula e reflecte sobre o

cuidado enquanto estrutura

essencial do ser humano. Cuidar e

ser cuidado são determinantes da

sua constituição. O que seria de

nós, se, ainda dentro do ventre

materno, não houvesse cuidado,

se, ao nascermos e depois do

nascimento, não cuidassem de

nós? O cuidado nunca nos pode

abandonar. Sem o cuidado ao

longo da vida toda, do nascimento

à morte, o ser humano

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desestrutura-se, sente-se perdido,

só, não encontra sentido e acaba

por morrer, entregue ao abandono.

O cuidado tem uma dupla

vertente. Por um lado, significa

preocupação mais ou menos

ansiosa e a consequente

prevenção. É assim que os pais

dizem aos filhos, ameaçados por

perigos: tem cuidado, filho; tem

cuidado, filha! E prevenimos os

amigos que nos pedem conselho:

eu não iria por aí, tem cuidado,

tenha cuidado, acautele-se! Por

outro lado, e sobretudo, tem a ver

com a entrega abnegada aos

outros, cuidando deles em todas as

dimensões, pois a perfeição do ser

humano na realização das suas

possibilidades mais próprias é

tarefa do cuidado.

Cuidar de quem e de quê?

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Claro, cuidar de nós, cuidar dos

familiares e amigos, cuidar dos

mais frágeis, cuidar da natureza,

cuidar da espiritualidade, da

transcendência..., de Deus em nós.

Sábado, 22 de Março de 2025

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