PARA
TRÁS, NÃO HÁ PAZ
Frei Bento
Domingues, O.P.
18 Maio
2025
1. No coração da teologia europeia, nasceu a
convicção de que tinha chegado a hora de uma transformação, no sentido de uma
profunda revisão do modo de conceber a Igreja que pertencia à época “barroca”.
Como Dominique Chenu, O.P., viria a afirmar, num ensaio de 1932, o Cristo da fé
reconhece-se no Cristo da história. Já que a historicidade é condição da fé e da
Igreja, o teólogo não tem outra expectativa senão a de reencontrar as suas
fontes na História. Esta, não sendo a natureza das coisas, das formas
intemporais ou das essências metafísicas, é a dos acontecimentos. Existe, por
conseguinte, um desenvolvimento efectivo e não somente acessório, na
inteligibilidade revelada, não certamente de um critério material de progresso
indefinido, mas segundo o critério já enunciado por Tomás de Aquino, da
proximidade a Cristo. Toda a atenção é, portanto, requerida para ler e
distinguir os “lugares teológicos” em causa.
A “santa curiosidade” de Dominique Chenu, nos longínquos
anos 30, mostrava como a expansão missionária, liberta da simbiose com o
colonialismo, o pluralismo das civilizações que solicitava a criatividade da
Igreja, a exigência imprescritível de recuperação da tradição oriental, a
exigência ecuménica, o advento da cultura de massas que abriu possibilidades
inesperadas para o cristianismo e, por fim, a nova juventude da Igreja chamada
a assumir, com determinação e coragem, a sociedade humana em todas as suas
dimensões[1].
No século XX, os teólogos que despertaram para o sentido da
história e para a interrogação, Experiência do mundo, experiência de Deus?,
foram os que influenciaram o Papa João XXIII, o Vaticano II e as dificuldades
posteriores. Antes deste Papa, de Roma só vinham proibições[2]. Com Francisco, o Papa tornou-se
a vanguarda da Igreja. Não se pode
entender Bergoglio sem a sua opção pelo Vaticano II e pelo estilo de João
XXIII. As suas preocupações era a situação dos descartáveis da sociedade – os
pobres, os prisioneiros, os migrantes, as vítimas das guerras, a
sustentabilidade do Planeta, a ecologia integral, a economia que mata, a
sinodalidade no interior da Igreja, chamando todo o povo de Deus a
pronunciar-se.
As pessoas estavam muito inquietas sobre quem seria o novo
Papa, embora este não substitua os cristãos. Como o próprio Leão XIV lembrou, convosco
sou cristão, para vós sou bispo.
Não podemos fazer juízos precipitados porque não sabemos o
futuro. Perante o mundo que se aproxima, Leão XIV tem de enfrentar e ajudar a
enfrentar os imprevistos que podem ser muitos. A sinodalidade é, precisamente,
o caminhar juntos. Nem o Papa nem a hierarquia podem substituir o povo cristão.
Ninguém substitui ninguém.
2. O cardeal Robert Francis Prevost, O.S.A., escolheu
para o seu pontificado o nome de uma grande personalidade que marcou a história
da Igreja do século XIX, Leão XIII, o Papa da Rerum Novarum (1891), que
trata da condição dos operários e das questões levantadas pela Revolução
Industrial e as sociedades democráticas da época. Esta encíclica é
considerada um documento fundamental para a Doutrina Social da Igreja e aborda
temas como a justiça social, os direitos dos trabalhadores e o papel do Estado.
Segundo as palavras de Leão XIII, «A sede de inovações, que
há muito tempo se apoderou das sociedades e as tem numa agitação febril, devia,
tarde ou cedo, passar das regiões da política para a esfera vizinha da economia
social. Efectivamente, os progressos incessantes da indústria, os novos
caminhos em que entraram as artes, a alteração das relações entre os operários
e os patrões, a influência da riqueza nas mãos dum pequeno número ao lado da
indigência da multidão, a opinião mais avantajada que os operários formam de si
mesmos e a sua união mais compacta, tudo isto, sem falar da corrupção dos
costumes, deu em resultado final um temível conflito.
«Por toda a parte, os espíritos estão apreensivos e numa
ansiedade expectante, o que por si só basta para mostrar quantos e quão graves
interesses estão em jogo. Esta situação preocupa e põe ao mesmo tempo em
exercício o génio dos doutos, a prudência dos sábios, as deliberações das
reuniões populares, a perspicácia dos legisladores e os conselhos dos
governantes e não há, presentemente, outra causa que impressione com tanta
veemência o espírito humano» (RR, nº 1).
No primeiro discurso do Papa Leão XIV aos membros do Colégio
Cardinalício, revelou a razão da escolha do nome para o seu pontificado.
Começou por dizer que o Papa é um humilde servo de Deus e
dos irmãos, nada mais do que isso. «Demonstram-no bem os exemplos de
tantos dos meus Predecessores, o último dos quais o próprio Papa Francisco, com
o seu estilo de total dedicação ao serviço e sobriedade essencial na vida, de
abandono em Deus no tempo da missão e de serena confiança no momento da partida
para a Casa do Pai. Acolhamos esta preciosa herança e retomemos o caminho,
animados pela mesma esperança que vem da fé.
«É o Ressuscitado, presente no meio de nós, que protege e
guia a Igreja e que continua a reavivá-la na esperança, através do amor derramado
nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado. Cabe a cada um de
nós tornarmo-nos ouvintes dóceis da sua voz e ministros fiéis dos seus
desígnios de salvação, recordando que Deus gosta de se comunicar, mais do que
no estrondo do trovão e do terremoto, no “murmúrio de uma brisa suave” ou, como
alguns traduzem, numa leve voz de silêncio. Este é o encontro
importante, a que não se pode faltar, e para o qual devemos educar e acompanhar
todo o santo Povo de Deus que nos está confiado.
«(…) A este respeito, gostaria que hoje renovássemos juntos
a nossa plena adesão a este caminho, que a Igreja universal percorre há décadas
na esteira do Concílio Vaticano II. O Papa Francisco recordou e atualizou magistralmente
os seus conteúdos na Exortação Apostólica Evangelii gaudium.
«Justamente por me sentir chamado a seguir nessa linha,
pensei em adotar o nome de Leão XIV. Na verdade, são várias as razões, mas a
principal é porque o Papa Leão XIII, com a histórica Encíclica Rerum novarum,
abordou a questão social no contexto da primeira grande revolução industrial e,
hoje, a Igreja oferece a todos a riqueza de sua doutrina social para responder a
outra revolução industrial e aos desenvolvimentos da inteligência artificial,
que trazem novos desafios para a defesa da dignidade humana, da justiça e do
trabalho[3]».
3. Como escreveu Guimarães Rosa, para trás, não há
paz. Foram de Paz as primeiras palavras do Cardial eleito, quando apareceu na
varanda, perante a grande multidão que o esperava. Hoje, dia 18 de Maio, na Praça
São Pedro, Leão XIV celebra a missa de início do seu Pontificado, no qual
estamos todos implicados.
[1]
Cf. Giuseppe Alberigo, Réforme et unité de l’Église, in André Vauchez
(direc.), Cardinal Yves Congar. 1904-1995, Cerf, 1999, pp. 9-25
[2]
F. Leprieur, Quand Rome condamne. Dominicains et prêtres-ouvriers. Paris, Pion/Cerf, 1989
[3]
www.vatican.va,
10.05.2025
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