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Crónicas PÁRA e PENSA
Mudança
na Constituição da Igreja
Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia
Estes dias desde a morte do Papa Francisco em que os meios de
comunicação social estiveram concentrados no Vaticano,
infelizmente muitas vezes nem sempre pelas melhores razões
cristãs no sentido fundo da palavra, pois lembrava-se por vezes
mais a pompa e o fausto das cortes imperiais dos antigos impérios,
deveriam ter sido uma ocasião para reflectir de modo fundo sobre
o cristianismo na sua profundidade essencial, a melhor mensagem
que alguma vez chegou à Humanidade na sua História e, dessa
reflexão, tirar necessárias e urgentes conclusões, para voltar
precisamente ao essencial.
1. É confrangedor e mesmo horripilante saber que há ainda
quem pregue e até ensine na catequese que Jesus veio ao mundo,
enviado por Deus, para ser crucificado como vítima expiatória
pelos pecados. Por causa do pecado dos primeiros pais, a
Humanidade tinha uma dívida infinita para com Deus, que Jesus
pagou na cruz, e assim Deus pôde aplacar a sua ira e reconciliar-
se com a Humanidade.
Em relação a este Deus bárbaro e macabro, pior do que qualquer
ser humano decente e que faz lembrar os deuses a quem as pessoas
sacrificavam os seus filhos primogénitos como vítimas para os
aplacar e implorar bens e graças, eu pessoalmente sou ateu.
Mudança
na Constituição da Igreja
Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia
Estes dias desde a morte do Papa Francisco em que os meios de
comunicação social estiveram concentrados no Vaticano,
infelizmente muitas vezes nem sempre pelas melhores razões
cristãs no sentido fundo da palavra, pois lembrava-se por vezes
mais a pompa e o fausto das cortes imperiais dos antigos impérios,
deveriam ter sido uma ocasião para reflectir de modo fundo sobre
o cristianismo na sua profundidade essencial, a melhor mensagem
que alguma vez chegou à Humanidade na sua História e, dessa
reflexão, tirar necessárias e urgentes conclusões, para voltar
precisamente ao essencial.
1. É confrangedor e mesmo horripilante saber que há ainda
quem pregue e até ensine na catequese que Jesus veio ao mundo,
enviado por Deus, para ser crucificado como vítima expiatória
pelos pecados. Por causa do pecado dos primeiros pais, a
Humanidade tinha uma dívida infinita para com Deus, que Jesus
pagou na cruz, e assim Deus pôde aplacar a sua ira e reconciliar-
se com a Humanidade.
Em relação a este Deus bárbaro e macabro, pior do que qualquer
ser humano decente e que faz lembrar os deuses a quem as pessoas
sacrificavam os seus filhos primogénitos como vítimas para os
aplacar e implorar bens e graças, eu pessoalmente sou ateu.
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2. Na realidade, foi o contrário que se passou. Jesus anunciou
exactamente o contrário. Este é o seu Evangelho, notícia boa e
felicitante: Deus é bom, Abbá (querido Papá), Pai/Mãe. E todos
são seus filhos e filhas e ele só quer o bem deles, a sua alegria,
felicidade e realização plena de todos. Essa foi a mensagem de
Jesus por palavras e obras, seguindo-se que, se todos são filhos e
filhas, todos são irmãos e irmãs e devem agir em consequência…
Era evidente que essa mensagem ia contra os interesses do
Templo. Jesus enfrentou concretamente o sacerdócio judaico —
parece que havia uns 20 000 sacerdotes e levitas e Flávio Josefo
refere que numa páscoa degolaram 255 600 cordeiros. Segundo
Jesus, é preciso aprender que o que Deus quer é justiça e
misericórdia, dizia-lhes: "Ide aprender: Deus não quer sacrifícios
rituais de vítimas, quer justiça e misericórdia". A mensagem de
Jesus também ia contra os interesses de Roma, pois os impérios
não existem para a fraternidade, mas para a exploração...
Jesus sabia, portanto, que punha em risco a sua vida, mas não se
acobardou. Pelo contrário, foi até ao fim para dar testemunho da
Verdade e do Amor. Assim, foi julgado e condenado à morte e
morte de Cruz: o horror pura e simplesmente. Ele, o inocente, foi
vítima não de Deus, mas dos homens, vítima de um assassinato.
Deus, porém, ressuscitou-o: Jesus, na morte, não encontrou o nada,
mas a plenitude da vida, e os discípulos acreditaram e foram
anunciar a Boa Nova e surgiram comunidades de cristãos e cristãs.
Eles amavam como Jesus mandara: “Dou-vos um mandamento
novo: amai-vos uns aos outros como eu vos amei.”. E reuniam-se
em banquetes festivos e fraternos para recordar a Última Ceia e
outros banquetes de Jesus, a sua mensagem, a sua morte, a sua
ressurreição, celebrar e aprofundar a fé e a esperança, animar a
caridade, o amor... E a celebração acontecia na casa de um cristão
ou cristã com uma casa maior e melhor, e quem presidia era o dono
ou a dona da casa.
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3. Com o tempo (século III) — quem explicou isso bem foi
Herbert Haag, Professor da Universidade de Tubinga, talvez o
maior exegeta do século XX, que tive o privilégio de ter como
querido amigo —, também porque os cristãos iam sendo acusados
de ateus por não oferecerem sacrifícios à divindade, a Eucaristia
foi perdendo esse carácter de banquete festivo e fraterno e surgiu a
sua interpretação como sacrifício — o manual de Teologia por que
estudei em jovem ainda falava na Missa como “mactatio mystica
Christi” (matação, imolação mística de Cristo, discutindo-se se a
imolação era real, moral, sacramental) e, quando presentemente
nas igrejas se olha para os altares laterais, vem à lembrança o
tempo ainda recente em que vários sacerdotes iam oferecendo, só
com um acólito, que nada entendia, até porque era em latim, o
“santo sacrifício da Missa” por diversas intenções, e ainda não se
acabou com o absurdo dos “Trintários de Missas” — e, com a
interpretação da Eucaristia como sacrifício de expiação pelos
pecados, começou a ordenação sacerdotal e, assim, na Igreja
apareceram duas classes: o clero com todos os seus privilégios e
os leigos. Totalmente contra o que Jesus queria: "sois todos
irmãos". E nem Jesus nem os Apóstolos ordenaram sacerdotes.
Mas, com a ordenação sacerdotal, apareceu não só uma Igreja com
duas classes — o clero e o povo —, mas foi-se também impondo o
celibato, e as mulheres, que antes também tinham presidido, foram
excluídas, por causa da impureza ritual…
E nem Francisco abriu a porta à ordenação presbiteral —
intencionalmente, não utilizo a palavra sacerdotal — das mulheres
nem à ordenação de homens casados e ao fim da lei do celibato…
4. Para voltar a Jesus, impõe-se uma mudança na Constituição
da Igreja, uma verdadeira revolução, que implica, como explico
longamente no meu mais recente livro: O Mundo e a Igreja. Que
Futuro?, "pôr fim à ordenação de sacerdotes".
Evidentemente, na Igreja — não sou anarquista — haverá, como
desde o início houve, funções, ministérios e serviços ordenados,
que até podem ser temporários, de homens e mulheres, mas não
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com a ordenação sacerdotal, com ordens sacras, o que é
completamente diferente.
De facto, segundo a doutrina oficial, a ordenação sacerdotal
implica uma transformação ontológica do ordenado, fazendo dele
um "alter Christus", "outro Cristo", só ele podendo presidir à
Eucaristia e perdoar os pecados na confissão. Com a ordenação
sacerdotal, a Igreja não tem reforma possível, por causa da sua
divisão automática em duas classes, repito: clero e povo, de tal
modo que, quando se fala em Igreja, o que se está normalmente a
referir é menos de 1% da Igreja: a chamada hierarquia. E Jesus
tinha dito: "sois todos irmãos".
E aí estão a peste do clericalismo e a pompa e o luxo destes dias.
E, quando se entrou em conclave para eleger o novo Papa, lá
esteve aquele “extra omnes”: “fora todos”, todos os que não
pertencem ao conclave, ao qual só pertence o topo da hierarquia,
aliás num sistema endogâmico, pois aqueles 133 cardeais eleitores
são purpurados criados por Papas anteriores, portanto,
evidentemente, sem nenhuma mulher, mesmo se mais de metade
dos católicos são mulheres...
Sábado, 17 de Maio de 2025
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