PARA QUANDO A ELEIÇÃO
DOS BISPOS?
Frei Bento Domingues,
O.P.
15 Junho
2025
1. Em Portugal, várias dioceses estiveram muito tempo
sem bispo, à espera da decisão do Vaticano. Na Suíça, as estruturas locais da
diocese Saint-Gall elegeram o novo Bispo que Leão XIV confirmou a 22 de Maio. Recolhi
esta notícia no 7Margens de 23.05.2025.
A 20 de Agosto de 2024, o capítulo da catedral, constituído
por 13 membros do clero, abriu nas comunidades diocesanas uma ampla consulta,
inspirada no processo sinodal, essencialmente online, envolvendo 173
grupos e 1305 pessoas, para reflectir sobre o perfil que deveria ter o
bispo a eleger, face aos desafios da diocese no presente e no futuro. A
partir de 9 de Setembro do mesmo ano, com base nas conclusões da consulta,
liderada pelo Instituto Suíço de Sociologia Pastoral, sediado em Saint Gall, o
capítulo da catedral chegou a uma lista de seis candidatos cujas trajetórias
foram investigadas pela Nunciatura e pelo Dicastério para os Bispos, lista devolvida
à diocese, sem objecções, em Abril de 2025.
A diocese de Saint-Gall, criada no século XIX, conserva esse
privilégio de eleger o seu bispo. Este acontecimento levanta a seguinte
problemática: o que antes era um privilégio veio a encontrar-se, em 2021, com o
que tem sido trabalhado em toda a Igreja para que esta se torne uma Igreja
sinodal – caminhar juntos. Isto exige a participação em todas as instâncias
da diocese, a começar pelo seu bispo.
Nos primórdios do cristianismo, havia vários modelos de evangelização,
para que, a partir de Jesus Cristo, se reconhecesse que a Igreja é uma união na
diversidade. O que dizia respeito a todos, devia ser tratado por todos. O
Espírito da Igreja vem de Deus para transformar as relações humanas, para criar
um mundo fraterno, como dizia o Papa Francisco, Fratelli Tutti.
A Carta aos Efésios diz que Cristo é a nossa paz, Ele
que, dos dois povos – judeus e gentios –, fez um só povo, destruindo o muro de
separação, a inimizade[1]. A vocação dos baptizados
é a de acabar com todos os muros. Infelizmente, muitas vezes, participam na sua
construção.
O Concílio de Florença, em 1442, excluiu da salvação todos
aqueles que não professaram a fé católica. A intransigência deste axioma
facilitava o trabalho dos teólogos, definia as fronteiras. Este parecer, tão
duro e absurdo, terminou por ser questionado, já que o testemunho da Escritura
sobre a bondade de Deus é eloquente: quer que todos os seres humanos se
salvem[2].
A história da Igreja já tem mais de 2 mil anos e, nesta
história, encontramos fidelidades e traições a Jesus Cristo. É também a história
de verdadeiras e falsas reformas, como escreveu o dominicano, Yves
Congar[3].
2. O que é um bispo? É um líder religioso com
responsabilidades eclesiásticas em diversas tradições cristãs, especialmente na
Igreja Católica, Ortodoxa e algumas anglicanas e luteranas. De forma
geral, são responsáveis pela governança e administração de uma diocese,
ensinando, doutrinando, santificando e representando a Igreja.
Na 1ª Carta a Timóteo, temos uma descrição básica do que ele
pensava acerca do Bispo: «É digna de fé esta palavra: se alguém aspira ao
episcopado, deseja um excelente ofício. Mas é necessário que
o bispo seja irrepreensível, marido de uma só mulher, sóbrio, ponderado, de
bons costumes, hospitaleiro, capaz de ensinar; que não seja
dado ao vinho, nem violento, mas condescendente, pacífico,
desinteressado; que governe bem a própria casa, mantendo os
filhos submissos, com toda a dignidade. Pois, se alguém não
sabe governar a própria casa, como cuidará ele da igreja de Deus? Que
não seja neófito, para que não se ensoberbeça e caia na mesma condenação do
diabo. Mas é necessário também que ele goze de boa reputação
entre os de fora, para não cair no descrédito e nas ciladas do diabo»[4].
3. O dominicano português, Frei Bartolomeu dos
Mártires (1514-1590), uma das figuras mais relevantes do Concílio de Trento
(1545-1563), desenhou o que deve ser o perfil do bispo que, ainda hoje, nos
questiona pela sua actualidade, Estímulo de Pastores[5].
Ficou conhecido como o bracarense por causa do permanente desassossego
reformador que introduziu na última fase do Concílio de Trento e mais bracarense
se tornou, na firme resistência à guerrilha que o poderoso Cabido da
Arquidiocese desencadeou contra a efectivação do programa das reformas
conciliares, pelas quais sempre lutou e das quais nunca desistiu.
O território da diocese de Braga era, na altura, o que está
agora repartido por quatro dioceses: Viana, Braga, Vila Real e Bragança. É
normal que todas se sintam herdeiras dos longos e pedregosos caminhos que Frei
Bartolomeu percorreu, a pé ou na sua mula, por fidelidade ao lema episcopal que
adoptara: arder e iluminar sem nunca
se acomodar à desfiguração do mundo e da Igreja do seu tempo[6].
Frei Luís de Sousa (1555-1632) foi o seu exímio biógrafo[7] e Frei Raúl de Almeida
Rolo (1922-2004) publicou as suas obras completas com o patrocínio da Fundação
Calouste Gulbenkian.
Como disse, D. Jorge Ortiga, o Papa Paulo VI ofereceu, no
final do Concílio Vaticano II, um exemplar a cada um dos bispos que
participaram no Concílio. A oferta foi o reconhecimento da sua actualidade para
a renovação da Igreja em todas as coordenadas geográficas. Foi ainda um apelo a
todos os bispos para que definissem as prioridades da vida pessoal e,
posteriormente, concretizassem o aggiornamento que o Espírito Santo
sugeria e continuava a interpelar[8].
Para Frei Bartolomeu dos Mártires era toda a Igreja que
precisava mudar, do topo até à base, a começar pelos eminentíssimos cardiais que precisavam de uma eminentíssima reforma.
Os bispos não podiam, como se tornara habitual, viver
regaladamente dos bens das dioceses, longe dos diocesanos e os párocos longe
das suas paróquias. Tudo, na Igreja, tinha de estar ao serviço das populações, sobretudo
dos mais pobres, que devem ser os preferidos da acção das dioceses, das
paróquias e das ordens religiosas, varrendo todas as benesses, nepotismos e
privilégios por mais antigos que se apresentassem.
Foi o Papa
Francisco que autorizou a canonização de Frei Bartolomeu dos Mártires (2019).
Tinha descoberto que este Bispo português, do século XVI, tinha vivido, na sua
pessoa e na sua acção, o projecto da reforma da Cúria, do conjunto da Igreja e
o tinha precedido no combate ao vírus do carreirismo eclesiástico. A sua vida
foi um milagre. Não era preciso esperar outro para o canonizar.
[1]
Ef 2, 14
[2]
Christian Duquoc, OP, El destierro de la Teología, Edições Mensajero,
2006, p. 27
[3]
Y.M.-J. Congar, Vraie et fausse réforme dans l’Église, Cerf 1950
[4]
1 Tm 3, 1-7
[5]
Traduzido em português e publicado em 2017, Stimulus Pastorum, 1565
[6]
Romanos, 12, 2.
[7]
Frei Luís de Sousa, A Vida de D. Frei
Bartolomeu dos Mártires, Imprensa Nacional, 1984, 76-77.
[8]
Estímulo de Pastores (Stimulus Pastorum,
1565), Prefácio, 2017, p. 5
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