ESQUECEMOS
OS POBRES
Frei Bento Domingues,
O.P.
21 Setembro 2025
1. «Escutai
bem, vós que espezinhais o pobre e quereis eliminar os humildes da terra. Vós
dizeis: Quando passará a lua nova, para
podermos vender o nosso grão? Quando chegará o fim de sábado, para podermos
abrir os celeiros de trigo? Faremos a medida mais pequena, aumentaremos o
preço, arranjaremos balanças falsas. Compraremos os necessitados por dinheiro e
os indigentes por um par de sandálias. Venderemos até as cascas do nosso trigo.
Mas o Senhor jurou pela glória de Jacob: Nunca
esquecerei nenhuma das suas obras»[1]. Texto selecionado para a
liturgia deste Domingo.
Esta denúncia da religião foi
radicalizada no Novo Testamento: «Não é quem
diz, Senhor, Senhor, que entra no Reino dos Céus»[2].
No dia 7
deste mês, foi canonizado Pedro Jorge Frassati, um jovem italiano, que assumiu,
de forma radical e nada fanática, o compromisso social e político. A sua convicção
política nasceu no seio da sua fé cristã. Não lhe interessava a política pela
política, mas sim a política pela defesa dos pobres, numa perspectiva cristã da
vida.
Afinal, quem
era este jovem, um dos primeiros canonizados pelo Papa Leão XIV?
Nasceu na
cidade de Turim, em 1901, oriundo de uma família da alta burguesia italiana,
mas nunca foi um jovem betinho. O seu
pai foi fundador do jornal La Stampa,
além de Senador e Embaixador e a sua mãe, Adelaide Ametis, era uma pintora
reconhecida.
Ainda
menino, expressava a caridade concreta e deu os próprios sapatos a uma criança
descalça que pediu ajuda à porta da sua casa. Na creche de Pollone aproximou-se do colega isolado por doença e alimentou-o de
colherada a colherada.
Estudou no
Politécnico de Turim. Escolheu Engenharia Mecânica, com especialização em
mineração, para seguir de perto os mineiros que, na época, eram considerados os
mais explorados. Aos 17 anos visitava doentes, distribuía alimentos e roupas
nas Conferências Vicentinas e procurava levar ajuda às periferias, aos
hospitais e ao Cottolengo, uma
instituição religiosa que acolhe pessoas com deficiências. O pai não via,
nestas opções, grande futuro para o filho. Era o futuro de um homem inútil.
Pedro Jorge
tinha, por um lado, uma espiritualidade muito alegre e disponível para ajudar
os mais necessitados. Alegria de viver, luta social e política inspirado no
célebre e controverso dominicano Jerónimo Savonarola. Não era uma
espiritualidade intimista que o separasse dos grandes problemas do seu tempo.
Em Novembro
de 1919, no interior da FUCI (Federação dos Universitários Italianos) inscreveu-se
no Círculo Universitário Cesare Balbo.
Uma das
primeiras coisas que Pedro Jorge pediu no Círculo foi a união com as classes
trabalhadoras em vista a uma vitória social e política das forças católicas. A
ideia foi discutida, mas não acolhida. E ele, sem abandonar a FUCI, dirigiu-se,
naquele mesmo mês, ao Círculo Operário Católico Jerónimo Savonarola, filiado na
Igreja de S. José e dirigido pelo Padre dominicano Filippo Robotti. Este Círculo
era frequentado pelos operários católicos que se opunham tanto ao
social-comunismo revolucionário como ao nacionalismo que havia de desembocar no
fascismo. Eles queriam uma sociedade
baseada no Evangelho, da qual Cristo Rei fosse a cabeça, ao estilo de
Savonarola. Filiou-se na chamada corrente de esquerda em que já militava Alcide
de Gasperi, destacando-se, nela, pela sua actividade.
Entretanto,
os amigos brincavam com ele, dizendo que era a Empresa de Transporte Frassati, porque carregava lenha, alimentos e
móveis para as famílias pobres, numa carroça puxada por ele e os amigos, pelas
ruas de Turim.
Em finais de
Junho de 1925, nas suas visitas aos doentes, Pedro Jorge contraiu uma doença
grave, a poliomielite fulminante, morrendo a 4 de Julho, com apenas 24 anos.
No seu
funeral, multidões formadas principalmente pelos pobres, que ele servia,
acompanharam o cortejo. O pai reconheceu ali quem era realmente o seu filho e
converteu-se. Acontecimento visto por muitos como o primeiro milagre de Pedro Jorge Frassati[3].
2. Importa não esquecer o
passado que fala para hoje. No entanto, numa Europa com mais
de 93 milhões de pobres e com uma política da União cada vez mais focada na
Defesa, ainda há quem lute para que o combate à pobreza esteja no topo da
agenda europeia e também em Portugal.
Foi para refletir e sensibilizar para esta preocupação que a EAPN
Portugal / Rede Europeia Anti-Pobreza organizou no final da última semana, em
Lisboa, um almoço com os eurodeputados portugueses, um ano após as eleições
para o Parlamento Europeu.
«Pretendemos, uma vez mais, reforçar o diálogo entre
representantes nacionais no Parlamento Europeu, organizações da sociedade civil
e cidadãos, nomeadamente, cidadãos que vivem em situação de Pobreza e/ou
Exclusão social».
Um objetivo que esta e outras iniciativas perseguem é avançar na
definição de uma Estratégia Europeia, coesa
e eficaz, de Combate à Pobreza com vista à erradicação deste fenómeno,
prevista para os primeiros meses de 2026.
Os promotores entendem que isso só se conseguirá através de um diálogo participativo que aproxime os
representantes dos países no Parlamento Europeu, as entidades da sociedade
civil e os cidadãos, nomeadamente aqueles que se encontram em situação de
pobreza.
Esse diálogo participativo teve, em Março último, um momento alto
no Porto, com a realização e em cooperação com a EAPN-Europa de uma Cimeira das
Pessoas 2025, cujas conclusões acabam de ser publicadas e servem agora como
referencial e ponto de partida.
Maria Joaquina Madeira,
Presidente da EAPN Portugal, afirmou: «Há uma preocupação comum que nos move há
muitos anos. A pobreza e a luta pela sua erradicação. Este continua a ser um
dos desafios mais urgentes do nosso tempo, pois é um fenómeno que é diretamente
influenciado por escolhas políticas. E estas opções políticas não permitiram
que a luta contra a pobreza fosse considerada uma prioridade».
3. Os bispos participantes no XVI Encontro de Bispos dos
Países Lusófonos criticaram na sexta-feira, 12 de Setembro, de forma
contundente, as alterações às leis de imigração em Portugal e pela situação de
mal-estar provocada pelo sofrimento e pela pobreza extrema.
O Bispo de Leiria-Fátima, José Ornelas, presidente da Conferência
Episcopal Portuguesa, afirmou que «esta proposta
de nova legislação tem muito de proibição e de medo e tem muito pouco do que
precisamos: regular a imigração, sim, mas promovendo o reagrupamento familiar.
Empolou-se desnecessariamente toda a questão, sem atenção aos dados objetivos
com objetivos manipuladores e não respeitando a verdade. O que mais me custa é
ouvir pessoas responsáveis dizerem-se católicos e acusarem os imigrantes de
serem responsáveis pelos males de um país que, na verdade, não pode viver sem eles».
Esquecer os pobres é esquecer
a eterna pergunta de Deus: Que fizeste do
teu irmão, da tua irmã?[4]