quarta-feira, 24 de setembro de 2025

ESQUECEMOS OS POBRES Frei Bento Domingues, O.P. 21 Setembro 2025

 

ESQUECEMOS OS POBRES

Frei Bento Domingues, O.P.

21 Setembro 2025

 

1. «Escutai bem, vós que espezinhais o pobre e quereis eliminar os humildes da terra. Vós dizeis: Quando passará a lua nova, para podermos vender o nosso grão? Quando chegará o fim de sábado, para podermos abrir os celeiros de trigo? Faremos a medida mais pequena, aumentaremos o preço, arranjaremos balanças falsas. Compraremos os necessitados por dinheiro e os indigentes por um par de sandálias. Venderemos até as cascas do nosso trigo. Mas o Senhor jurou pela glória de Jacob: Nunca esquecerei nenhuma das suas obras»[1]. Texto selecionado para a liturgia deste Domingo.

Esta denúncia da religião foi radicalizada no Novo Testamento: «Não é quem diz, Senhor, Senhor, que entra no Reino dos Céus»[2].

No dia 7 deste mês, foi canonizado Pedro Jorge Frassati, um jovem italiano, que assumiu, de forma radical e nada fanática, o compromisso social e político. A sua convicção política nasceu no seio da sua fé cristã. Não lhe interessava a política pela política, mas sim a política pela defesa dos pobres, numa perspectiva cristã da vida.

Afinal, quem era este jovem, um dos primeiros canonizados pelo Papa Leão XIV?

Nasceu na cidade de Turim, em 1901, oriundo de uma família da alta burguesia italiana, mas nunca foi um jovem betinho. O seu pai foi fundador do jornal La Stampa, além de Senador e Embaixador e a sua mãe, Adelaide Ametis, era uma pintora reconhecida.

Ainda menino, expressava a caridade concreta e deu os próprios sapatos a uma criança descalça que pediu ajuda à porta da sua casa. Na creche de Pollone aproximou-se do colega isolado por doença e alimentou-o de colherada a colherada.

Estudou no Politécnico de Turim. Escolheu Engenharia Mecânica, com especialização em mineração, para seguir de perto os mineiros que, na época, eram considerados os mais explorados. Aos 17 anos visitava doentes, distribuía alimentos e roupas nas Conferências Vicentinas e procurava levar ajuda às periferias, aos hospitais e ao Cottolengo, uma instituição religiosa que acolhe pessoas com deficiências. O pai não via, nestas opções, grande futuro para o filho. Era o futuro de um homem inútil.

Pedro Jorge tinha, por um lado, uma espiritualidade muito alegre e disponível para ajudar os mais necessitados. Alegria de viver, luta social e política inspirado no célebre e controverso dominicano Jerónimo Savonarola. Não era uma espiritualidade intimista que o separasse dos grandes problemas do seu tempo.

Em Novembro de 1919, no interior da FUCI (Federação dos Universitários Italianos) inscreveu-se no Círculo Universitário Cesare Balbo.

Uma das primeiras coisas que Pedro Jorge pediu no Círculo foi a união com as classes trabalhadoras em vista a uma vitória social e política das forças católicas. A ideia foi discutida, mas não acolhida. E ele, sem abandonar a FUCI, dirigiu-se, naquele mesmo mês, ao Círculo Operário Católico Jerónimo Savonarola, filiado na Igreja de S. José e dirigido pelo Padre dominicano Filippo Robotti. Este Círculo era frequentado pelos operários católicos que se opunham tanto ao social-comunismo revolucionário como ao nacionalismo que havia de desembocar no fascismo. Eles queriam uma sociedade baseada no Evangelho, da qual Cristo Rei fosse a cabeça, ao estilo de Savonarola. Filiou-se na chamada corrente de esquerda em que já militava Alcide de Gasperi, destacando-se, nela, pela sua actividade.

Entretanto, os amigos brincavam com ele, dizendo que era a Empresa de Transporte Frassati, porque carregava lenha, alimentos e móveis para as famílias pobres, numa carroça puxada por ele e os amigos, pelas ruas de Turim.

Em finais de Junho de 1925, nas suas visitas aos doentes, Pedro Jorge contraiu uma doença grave, a poliomielite fulminante, morrendo a 4 de Julho, com apenas 24 anos.

No seu funeral, multidões formadas principalmente pelos pobres, que ele servia, acompanharam o cortejo. O pai reconheceu ali quem era realmente o seu filho e converteu-se. Acontecimento visto por muitos como o primeiro milagre de Pedro Jorge Frassati[3].

2. Importa não esquecer o passado que fala para hoje. No entanto, numa   Europa com mais de 93 milhões de pobres e com uma política da União cada vez mais focada na Defesa, ainda há quem lute para que o combate à pobreza esteja no topo da agenda europeia e também em Portugal.

Foi para refletir e sensibilizar para esta preocupação que a EAPN Portugal / Rede Europeia Anti-Pobreza organizou no final da última semana, em Lisboa, um almoço com os eurodeputados portugueses, um ano após as eleições para o Parlamento Europeu.

«Pretendemos, uma vez mais, reforçar o diálogo entre representantes nacionais no Parlamento Europeu, organizações da sociedade civil e cidadãos, nomeadamente, cidadãos que vivem em situação de Pobreza e/ou Exclusão social».

Um objetivo que esta e outras iniciativas perseguem é avançar na definição de uma Estratégia Europeia, coesa e eficaz, de Combate à Pobreza com vista à erradicação deste fenómeno, prevista para os primeiros meses de 2026.

Os promotores entendem que isso só se conseguirá através de um diálogo participativo que aproxime os representantes dos países no Parlamento Europeu, as entidades da sociedade civil e os cidadãos, nomeadamente aqueles que se encontram em situação de pobreza.

Esse diálogo participativo teve, em Março último, um momento alto no Porto, com a realização e em cooperação com a EAPN-Europa de uma Cimeira das Pessoas 2025, cujas conclusões acabam de ser publicadas e servem agora como referencial e ponto de partida.

Maria Joaquina Madeira, Presidente da EAPN Portugal, afirmou: «Há uma preocupação comum que nos move há muitos anos. A pobreza e a luta pela sua erradicação. Este continua a ser um dos desafios mais urgentes do nosso tempo, pois é um fenómeno que é diretamente influenciado por escolhas políticas. E estas opções políticas não permitiram que a luta contra a pobreza fosse considerada uma prioridade».

3. Os bispos participantes no XVI Encontro de Bispos dos Países Lusófonos criticaram na sexta-feira, 12 de Setembro, de forma contundente, as alterações às leis de imigração em Portugal e pela situação de mal-estar provocada pelo sofrimento e pela pobreza extrema.

O Bispo de Leiria-Fátima, José Ornelas, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, afirmou que «esta proposta de nova legislação tem muito de proibição e de medo e tem muito pouco do que precisamos: regular a imigração, sim, mas promovendo o reagrupamento familiar. Empolou-se desnecessariamente toda a questão, sem atenção aos dados objetivos com objetivos manipuladores e não respeitando a verdade. O que mais me custa é ouvir pessoas responsáveis dizerem-se católicos e acusarem os imigrantes de serem responsáveis pelos males de um país que, na verdade, não pode viver sem eles».

Esquecer os pobres é esquecer a eterna pergunta de Deus: Que fizeste do teu irmão, da tua irmã?[4]

 

 



[1] Profeta Amós 8, 4-7

[2] Mateus 7, 21-23

[3] Notas recolhidas de Fr. Aristónico Montero, op, Frassati. Modelo fascinante para a juventude de hoje, Conselho Nacional da Família Dominicana

[4] Génesis 4, 9

Administradores resolutos e astutos - Manuel João Pereira Correia, mccj

 Administradores resolutos e astutos

Ano C – Tempo Comum – 25.º Domingo
Lucas 16,1-13: “Fazei amigos com a riqueza injusta”

As leituras deste domingo podem parecer de difícil compreensão. Na primeira leitura, Amós, o profeta pastor e camponês do século VIII, toma a defesa do indigente e ameaça com a vingança de Deus contra aqueles que “espezinham o pobre” (Am 8,4-7). Um aviso mais do que atual. Mas, no Evangelho, Jesus conta uma parábola em que parece louvar um administrador desonesto. Trata-se de uma das parábolas mais discutidas do Evangelho. Na realidade, o que se quer pôr em relevo é a prontidão e a astúcia deste administrador. São estas qualidades que Jesus propõe aos “filhos da luz”. Por isso a parábola é também chamada do “administrador sagaz”.

Administradores, não proprietários!

Deixaremos de lado os aspetos exegéticos mais problemáticos para nos concentrarmos na mensagem principal. A palavra-chave é administrador. Os termos administrador / administração / administrar (em grego oikonomos, oikonomia, oikonomeō) aparecem 7 vezes no nosso texto. Não se trata de uma terminologia comum no NT. Contudo, embora apareça poucas vezes, o conceito de “ser administrador” (oikonomos) daquilo que Deus nos confiou é um tema recorrente e fundamental na teologia neotestamentária.

São Paulo diz-nos: “Que cada um nos considere como servos de Cristo e administradores dos mistérios de Deus” (1 Cor 4,1); e São Pedro: “Cada um, segundo o dom que recebeu, ponha-o ao serviço dos outros, como bons administradores da multiforme graça de Deus” (1 Pe 4,10). Não pensemos apenas nos dons espirituais, mas também nos dons naturais e nos bens materiais.

Aqui chegamos ao primeiro ponto da nossa reflexão: nós somos simples administradores, não proprietários. Isto é, devemos ocupar-nos das coisas, dos bens, do dinheiro, como gestores. Também os bens são talentos que nos foram confiados. Não são nossos e não podemos retê-los. É preciso fazê-los circular e frutificar com resolução e sagacidade! Não para proveito próprio, mas ao serviço dos outros e do Reino.

Hoje já não existe nenhum valor tão universal como o dinheiro. A maior parte do nosso tempo é gasta a ganhar a vida. Mas mesmo o dinheiro que ganhámos com o suor do nosso rosto não é nosso, para usar a nosso bel-prazer. Aliás, sabemos que o sistema monetário atual é injusto e iníquo. Não nos podemos autoabsolver dizendo que nada podemos fazer. É preciso administrá-lo com sabedoria e tendo em conta o que diz Paulo VI na Populorum Progressio: “A propriedade privada não constitui para ninguém um direito incondicional e absoluto. Ninguém está autorizado a reservar para seu uso exclusivo aquilo que excede a sua necessidade, quando outros carecem do necessário” (n.º 23).

Os pobres, porteiros do Paraíso!

A Palavra deste domingo fala-nos também da amizade. Das relações humanas corrompidas pela avidez e pela injustiça, denunciadas pelo profeta Amós. Das relações de fraternidade com todos os homens, que garantam a paz e a justiça, como diz São Paulo na segunda leitura: “para que possamos levar uma vida calma e tranquila, digna e dedicada a Deus” (1 Tm 2,1-8). Mas é sobretudo Jesus, no Evangelho de hoje, que faz uma proposta inesperada: “Fazei amigos com a riqueza injusta, para que, quando ela faltar, eles vos recebam nas moradas eternas”.

Mas então, serão os pobres os porteiros do Paraíso? Ao que parece, sim. Segundo Mt 25,11-12, Jesus será o Juiz que decidirá quem poderá entrar no Reino dos Céus: “Senhor, Senhor, abre-nos!”. Mas Ele respondeu: “Em verdade vos digo: não vos conheço”. E de modo semelhante em Mt 7,22-23: “Nesse dia muitos me dirão: ‘Senhor, Senhor, não profetizámos nós em teu nome? E em teu nome não expulsámos demónios? E em teu nome não realizámos muitos prodígios?’”. Mas então eu lhes declararei: “Nunca vos conheci. Afastai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade!”.

Aqui, em Lc 16,9, porém, soa de forma um pouco diferente. Eis como um catequista de Moçambique explicava aos seus catecúmenos, segundo o relato de um colega missionário:

Quando chegarmos às portas do Paraíso e batermos para poder entrar – sim, porque o Paraíso tem portas, não entra lá qualquer um! – aparece São Pedro, a quem Jesus delegou as chaves do Reino dos Céus, e perguntará: – “Quem és tu?” – “Sou fulano de tal”. Mas como fará Pedro para conhecer toda a gente?! Muito simples: Pedro gritará lá para dentro e perguntará: – “Eh, amigos, há aí alguém que conheça este fulano de tal que pede para entrar?”. Então alguém dirá (assim se espera!): – “Sim, eu conheço-o, deu-me muitas vezes de comer”. E outro: – “Eu também o conheço, visitou-me tantas vezes quando estava doente”. E ainda outro: – “Deu-me roupa para me vestir”. Então Pedro abrirá a porta: – “Entra, amigo, és dos nossos!”.

Mas se lá de dentro abanam a cabeça, dizendo que não o conhecem, então sim é que serão sarilhos sérios!

Parece, portanto, que os pobres são o júri de São Pedro. Eis porque Jesus recomenda: “Fazei amigos com a riqueza injusta, para que, quando ela faltar, eles vos recebam nas moradas eternas”. Por isso não hesita em dar-nos o “administrador desonesto” como exemplo de astúcia!

Dir-se-ia quase que, para entrar no Paraíso, são precisas recomendações! Mas não a São Pedro, e sim aos pobres, e aqui na terra, antes que seja demasiado tarde!

Manuel João Pereira Correia, mccj


domingo, 7 de setembro de 2025

O MUNDO PODE MUDAR SE NÓS MUDARMOS - Frei Bento Domingues, O.P. 07 Setembro 2025

 

O MUNDO PODE MUDAR SE NÓS MUDARMOS

Frei Bento Domingues, O.P.

07 Setembro 2025

 

1. Esta crónica não é o começo nem o fim de férias. A minha praia foi uma Clínica na Idanha. Tenho de agradecer, através do generoso acolhimento do Público, a tantas pessoas que me mantiveram em contacto com o que se passava no país e no mundo.

Fiquei a saber que, neste Verão, em Portugal, ardeu 3% do território. Não tinha de ser um desastre ecológico inevitável, se cuidássemos da Ecologia Integral proposta pelo Papa Francisco e continuada por Leão XIV. A Ecologia Integral não é feita apenas de belos princípios de relação com a Natureza.

Acontecimentos muito simples podem servir para contrariar o que parece inevitável. Setembro é o mês de começos e recomeços. O início do Ano Lectivo deve ser um programa de novidades. É o mês da abertura do futuro. Em vez de estragar, de destruir, podemos alterar. Não estamos condenados ao mundo como está. A educação, se for aberta e verdadeiramente democrática, poderá ajudar a sustentabilidade de um progresso para todos. Os mais novos poderão ser os protagonistas da alteração das sociedades, a nível nacional e global.

As grandiosas Jornadas Mundiais da Juventude, de Lisboa (2023) e de Roma (2025), se não foram apenas uma exibição oca, têm de mostrar frutos novos de transformação da sociedade e da Igreja.

No dia 1 deste mês, ocorreu o X Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, cujo tema é Sementes de Paz e Esperança. Nas palavras do Papa Leão XIV, na sua Mensagem deste ano, «a semente entrega-se inteiramente à terra e aí, que deve morrer para dar fruto, a vida germina, mesmo nos lugares mais inesperados, numa surpreendente capacidade de gerar futuro».

No dia 5, o Papa inaugurou o Burgo Laudato Si’, criado por desejo do Papa Francisco em 2023 nos Jardins das Vilas Pontifícias em Castel Gandolfo. É um projecto de conscientização e formação para sermos fieis às exigências da Ecologia Integral. Funciona como um espaço para aprofundar a ligação com a Criação, concretizando a Encíclica Laudato Sí’. Visa contribuir para aprofundar as questões ambientais e promover estilos de vida mais sustentáveis.

Graças à criação deste projecto, a beleza dos Jardins das Vilas Pontifícias tornou-se o cenário natural para o desenvolvimento de um espaço aberto a todas as pessoas de boa vontade para que a Terra volte a ser o nosso mundo. Ao criar o Burgo Laudato Si', nos espaços de Castel Gandolfo, o Papa Francisco quis demonstrar que os princípios descritos na Encíclica Laudato Si' poderiam tornar-se realidade. O projeto foi desenvolvido em três direções: formação em ecologia integral, economia circular e generativa e sustentabilidade ambiental.

2. Já a 9 de Julho, o Papa Leão XIV, em Castel Gandolfo, começou por dizer: Neste lindo dia, antes de mais nada, gostaria de convidar todos, começando por mim mesmo, a viver o que estamos a celebrar na beleza de uma catedral, que se poderia dizer natural, com as plantas e tantos elementos da criação que nos conduziram aqui para celebrar a Eucaristia, usando o novo formulário da Missa pelo cuidado da criação, fruto dos diferentes Dicastérios do Vaticano.

Estes textos não são só palavras, falam de realizações da sabedoria ecológica. A fé sem obras é morta, como disse nos começos do Cristianismo a Carta de S. Tiago, «De que aproveita, irmãos, que alguém diga que tem fé, se não tiver obras de fé? Acaso essa fé poderá salvá-lo? Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e precisarem de alimento quotidiano, e um de vós lhes disser: Ide em paz, tratai de vos aquecer e de matar a fome, mas não lhes dais o que é necessário ao corpo, de que lhes aproveitará? Assim também a fé: se ela não tiver obras, está completamente morta. Mais ainda: poderá alguém alegar sensatamente: Tu tens a fé e eu tenho as obras; mostra-me então a tua fé sem obras, que eu, pelas minhas obras, te mostrarei a minha fé»[1].

Esta realização do Papa lança, implicitamente, uma interrogação às Igrejas de todo o Mundo e, nomeadamente, às de Portugal: que podem elas fazer para concretizar o exemplo do Burgo Laudato Si’?

Como viu o Papa Francisco, a Ecologia Integral é uma convocatória a crente e não crentes. De facto, a Igreja ou as Igrejas – o conjunto dos cristãos – não estão isoladas na defesa da vida na Terra. «A vida, ubíqua como é, continua a ser um profundo mistério científico. Talvez isto surpreenda muita gente, mas a verdade é que, até ao momento, os cientistas não partilham uma definição consensual de vida nem, já agora, uma compreensão mesmo ao nível mais primitivo, de como surgiu na Terra. Ou em temos mais simples e directos: continuamos sem saber o que é a vida e como começou». Esta é uma passagem do livro O Universo Consciente. Um Manifesto para o Futuro da Humanidade, de Marcelo Gleiser, físico e astrónomo premiado, que faz um apelo admirável ao advento de um novo iluminismo e a um reconhecimento da preciosidade da vida, fazendo uso da razão e da curiosidade – os pilares da ciência – para estudar, proteger e em última análise preservar a humanidade face à actual crise existencial das alterações climáticas.

3. Colhi do mesmo autor a seguinte passagem: «O Universo só tem uma história porque nós estamos cá para a contar. Através da nossa diligência e engenho, juntámos os principais capítulos da longa saga que começou com o Big Bang há 13,8 mil milhões de anos. Esta história desenrola-se na vastidão do espaço e narra o drama da matéria a dançar ao ritmo de forças de atração e repulsão, a moldar-se em estruturas cada vez mais complexas que se tornaram átomos, estrelas, galáxias, planetas, vida, nós. A forma como contamos uma história faz toda a diferença. E chegou o momento de recontar a história de quem somos, na perspetiva de uma nova mentalidade. Este livro é sobre a vida na Terra, sobre a sua relevância cósmica, sobre o mandato moral da humanidade para se erguer acima do passado e remodelar o futuro coletivo. Escrevo-o com um sentido de urgência e esperança.

O advento da vida mudou tudo. A vida é matéria com propósito, com um desejo de existir»[2].

Para Marcelo Gleiser, ciência e espiritualidade não se opõem: «Pouco ou nada sabemos sobre como a vida surgiu da não-vida na Terra e como evoluiu para se tornar inteligente, dadas as muitas contingências da história única do nosso planeta. A origem da vida continua a ser um mistério, enquanto a evolução da vida unicelular simples para a vida inteligente não é um caminho necessário – e ainda menos inevitável – para a evolução da vida. A vida preocupa-se com estar bem adaptada ao seu meio, de modo a poder reproduzir-se com êxito e não com a capacidade de construir foguetões ou escrever poesia. (…) A nossa história não é, porém, apenas uma narrativa científica. Abrange múltiplas dimensões culturais, sendo a ciência uma delas. Não há como negar que o Universo em expansão é vasto e que o nosso planeta não passa de um pequeno grão numa vulgar galáxia em espiral»[3].

O mundo pode mudar se nós mudarmos.

 



[1] Tg 2, 14-18

[2] Marcelo Gleiser, O universo Consciente. Um manifesto para o futuro da humanidade, Temas e Debates – Círculo de Leitores, p. 11

[3] Ibidem, pp. 72-72