FAZ-TE
AO LARGO
Frei
Bento Domingues, O.P.
09
Fevereiro 2025
1. Este título faz parte do
Evangelho deste Domingo[1], mediante a parábola sobre
uma imprevisível pesca milagrosa, significando a arte de fazer discípulos para a
evangelização sem limites de povos e suas culturas, vencendo as tendências
exclusivistas, como se a salvação fosse uma reserva de privilegiados. O
Cristianismo é, na sua raiz, universal.
As parábolas, que constituem a terça parte de todas as
palavras de Jesus registadas nos Evangelhos, são uma linguagem paradoxal. Colhida
em diferentes aspectos da vida corrente do mundo de Jesus, diz que a fé cristã deve
fermentar todas as dimensões da existência humana.
Foi longo o caminho para se chegar à fórmula do Papa
Francisco – todos, todos, todos – tentando eliminar exclusivismos e, por
isso, assinou, com o Grão Imame de Al-Azhar Ahamad, em Abu Dhabi (2019), o Documento
sobre a Fraternidade Humana pela Paz Mundial e a convivência comum e publicou
a Encíclica Fratelli tutti (2020), para trabalharmos por um
mundo de irmãos. Isto é o desabrochar do chamado movimento ecuménico, cuja
história não cabe nos limites desta crónica, mas teve de vencer a estreiteza da
fórmula muito usada, fora da Igreja católica não há salvação.
Importa, por isso, não esquecer uma figura incontornável
do movimento ecuménico, Yves Congar, O.P. (1904-1995), cujo percurso, entre
1937 e 1982, foi o grande pioneiro da teologia e da história do movimento
ecuménico. De perseguido e exilado, passou, pela mão de João XXIII, a ser um
dos principais teólogos do Concílio Vaticano II.
De 1947 a 1956, os escritos polémicos de Congar foram censurados
pelo Vaticano. Um dos seus livros mais significativos, Vraie et fausse réforme
dans l’Église (1950), e todas as suas traduções foram proibidas por Roma,
em 1952. Y. Congar foi impedido de ensinar ou publicar depois de 1954, durante
o pontificado do Papa Pio XII, após a publicação de um artigo em apoio ao
movimento padres operários, em França. Muito tarde, pouco tempo antes de
morrer, foi nomeado cardeal por João Paulo II[2]!
Em Portugal, o Padre Joaquim Alves Correia (1886-1951) foi
uma figura rara do movimento ecuménico. O seu livro, A Largueza do Reino de
Deus (1931), punha em causa a estreiteza do catolicismo.
Integrou o MUD, em 1945, e opôs-se a todas as formas de
totalitarismos. A sua frontalidade desassombrada valeu-lhe, pouco depois da
publicação do artigo, O Mal e a Caramunha, sobre a Noite Sangrenta
de 1920, o exílio, nos EUA, e no exílio morreu[3].
2. O grande acontecimento
eclesial foi o Sínodo 2021-2024 preparado, em todas as suas fases, para mulheres
e homens se envolverem em abrir caminhos que façam da Igreja uma
responsabilidade activa de todos. A sua preparação e realização de comunhão,
participação e missão foram exigentes, com muitos limites. Seria traí-lo,
porém, pensar e agir como se fosse um processo terminado, quando de facto, tudo
está por cumprir, embora já com alguns bons gestos e decisões inesperadas.
Já referi que o Cristianismo é, na sua raiz, universal.
Esse universalismo, na Igreja Católica, está comprometido com a exclusão das
mulheres para os ministérios ordenados. O Faz-te ao largo do Evangelho é
esquecido quando se fala das mulheres.
O Papa Francisco insiste em alargar as tarefas de evangelização
confiadas às mulheres. Significa que não está de acordo com a situação actual.
O problema das mulheres não é, aliás, uma questão menor – trata-se da maioria específica
da Igreja Católica.
Diz-se que o dossiê relacionado com o lugar das mulheres
na Igreja continua aberto até ao final do próximo mês de Junho, aceitando contributos
de pessoas, organismos e comunidades eclesiais. Esta data só pode ser uma ficção.
Deve estar aberto enquanto as mulheres continuarem excluídas. Como diz o
Documento Final do Sínodo, não se pode impedir o que vem do Espírito Santo.
Se já existem mulheres com funções de animação e liderança
eclesial, ainda há terrenos em que é necessário alargar essas funções:
Dar um lugar apropriado a passagens relevantes da
Escritura que atestam o papel de primeiro plano de muitas mulheres na
história da salvação.
Prestar maior atenção à linguagem enviesada e às imagens
utilizadas na pregação, no ensino, na catequese e na redacção dos documentos
oficiais da Igreja. Por exemplo, no próprio Credo, homens e mulheres continuam
a professar que Jesus desceu dos céus…por nós, homens, e para a nossa
salvação.
Conceder mais espaço ao contributo de mulheres santas,
teólogas e místicas.
Prosseguir o discernimento sobre a questão do acesso das
mulheres ao ministério diaconal, que a Assembleia sinodal e o Papa decidiram
manter em aberto.
Em alguns meios, são as iniciativas de movimentos
feministas que têm mantido e promovido o debate e a sensibilização para
mudanças profundas na vida eclesial, ainda que outros quase reduzam as
iniciativas à questão dos ministérios ordenados. A verdade é que o processo
sinodal pôs em evidência que o problema é bem mais largo e mais profundo[4].
3. Já há muito tempo que, por
falta de padres ou bispos para celebrar a Eucaristia dominical, foram sobretudo
as mulheres que presidiram e presidem à liturgia da Palavra. Neste momento, são
os próprios padres que solicitam leigos, mulheres e homens, para preparar os
candidatos aos sacramentos e acompanhá-los, depois da celebração, para
continuarem a aprofundar o conhecimento e a prática do Evangelho.
São bastante restritas as determinações canónicas sobre a
pregação dos leigos, sobretudo acerca da homilia que faz parte da celebração
eucarística. No entanto, também diz: os fiéis leigos, em virtude do baptismo e
da confirmação, são testemunhas da mensagem evangélica pela palavra e pelo
exemplo da vida cristã; podem também ser chamados a cooperar com o Bispo e
os presbíteros no exercício do ministério da palavra (Cân. 759).
A necessidade do crescimento dessas práticas vai exigir
uma revisão das prescrições canónicas, no tocante aos leigos, mulheres e
homens. As leis da Igreja devem servir para realizar a vontade de Cristo – faz-te
ao largo. O Papa Francisco, seguindo esta vontade de Cristo, usa a bela expressão,
Igreja de saída, Igreja das periferias. Aliás, os melhores
momentos da longa história da Igreja são os que coincidiram com a sua
actividade missionária a não confundir com proselitismo.
Foi também Bergoglio que, perante as reformas que se
propunha empreender, encontrou-se muitas vezes com a expressão, sempre assim
foi, como se as prescrições eclesiásticas fossem para salvaguardar uma indústria
de conserva. Ora, nós encontramos, nos Evangelhos da inovação, da criatividade,
a recusa dos fariseus em aderir a este novo movimento, em nome da Lei. A
resposta de Jesus foi esta: disseram-vos, eu porém digo-vos. A Lei mata,
o Espírito vivifica.
[1] Lc 5,
1-11. João Paulo II usou esta mesma expressão na sua Carta Apostólica, Novo
Millenium Ineunte, publicada no encerramento do Ano Jubilar de 2 000.
[2] Ver, Cardinal
Yves Congar 1904-1995, Cerf, 1999
[3] Cf. P.
Francisco Lopes, Pe. Joaquim Alves Correia, Editora Rei dos Livros, 1996
[4] Cf.
Manuel Pinto, 7Margens de 29.01.2025
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