sábado, 8 de fevereiro de 2025

Chamados a surpreender Deus! - P. Manuel João Pereira Correia mccj

 Chamados a surpreender Deus!

Ano C – Tempo Comum – 5º Domingo
Lucas 5,1-11: “Sob a tua palavra lançarei as redes”

Após a apresentação do seu programa e o anúncio do ano jubilar, rejeitado pelos seus concidadãos de Nazaré, Jesus continua a sua missão pregando por toda a Galileia. Hoje, encontramos Jesus junto ao lago e, como “a multidão o apertava para ouvir a palavra de Deus”, Ele subiu ao barco de Simão, pediu-lhe que se afastasse um pouco da margem, sentou-se naquela “cátedra” improvisada e ensinava às multidões a partir do barco.

Quando terminou de falar, Jesus convidou Simão a avançar para águas mais profundas e lançar as redes para a pesca. Simão respondeu-lhe: “Mestre, trabalhamos a noite inteira e não apanhamos nada; mas, sob a tua palavra, lançarei as redes”. Assim fizeram e apanharam uma quantidade tão grande de peixes que as redes quase se rompiam e os barcos quase afundavam! Ao ver isso, Simão Pedro lançou-se aos pés de Jesus, dizendo: “Senhor, afasta-te de mim, porque sou um pecador”. Pedro e os seus companheiros ficaram dominados pelo espanto. Então Jesus disse a Simão: “Não temas; de agora em diante serás pescador de homens”. E, trazendo os barcos para a terra, Pedro e os seus companheiros deixaram tudo e seguiram-no.

Este é o relato que São Lucas faz da vocação dos primeiros apóstolos: Simão Pedro, Tiago e João. As três leituras deste domingo falam-nos de vocação. Na primeira leitura, o profeta Isaías afirma: “Ouvi a voz do Senhor que dizia: ‘A quem enviarei e quem irá por nós?’. Então respondi: ‘Eis-me aqui, envia-me!’”. Na segunda leitura, São Paulo fala da sua vocação apostólica: “Eu sou o menor dos apóstolos e não sou digno de ser chamado apóstolo”.

Três características unem estas vocações: o contexto de uma forte experiência de Deus; a consciência do próprio pecado e indignidade; e a prontidão para responder ao chamado de Deus. Podemos acrescentar uma quarta, que é sublinhada no caso de Isaías e dos apóstolos: o temor! É por isso que o Senhor diz a Simão e a cada vocacionado: Não temas!

Pistas de reflexão

A vocação de Isaías, Paulo, Pedro e dos seus companheiros é especial e excepcional, pois estas figuras marcaram profundamente a história da salvação. No entanto, através do relato da sua chamada, a Palavra de Deus quer também falar-nos da nossa vocação pessoal. Então, o que nos diz esta Palavra?

1. Deus tem um Plano para o mundo e para cada um de nós.

A nossa visão do universo, da vida e da existência humana mudou profundamente. Não estamos imunes à influência de uma sociedade que excluiu Deus dos seus horizontes. Passamos de uma visão em que a presença e a ação de Deus eram percebidas em toda parte — “Não se move uma folha sem que Deus o queira” — para uma exclusão de Deus do nosso mundo e da nossa história. Mesmo no âmbito da fé e da teologia, parece que falar de “milagres” ou de “aparições” incomoda alguns, como se fossem uma invasão indevida de Deus.

No entanto, toda a Escritura nos fala de um Deus próximo, que vive e caminha conosco, que nos chama pelo nome. Um Deus que tem um projeto para a sua criação e para a humanidade (cf. Efésios 1,4-5) e que o realiza com paciência, constância e amor pelas suas criaturas. É este plano de Deus que dá sentido à vida, à história e ao universo. No entanto, Deus é um “Nós” e quer que a sua obra seja também a nossa, de cada um de nós!

2. Uma vocação única e muito pessoal.

Falar de vocação significa aceitar o convite de Deus para colaborar no seu plano de amor. Mas que sentido faz falar de um chamado pessoal dirigido a cada pessoa? Será que cada um de nós está predestinado a uma missão específica? Que Deus tem um plano particular para cada um de nós? Deus não é um Grande Relojoeiro que encaixa cada peça no seu devido lugar, nem um supercomputador que controla o destino de cada uma das oito bilhões de pessoas no mundo. A vocação não é um decreto da vontade de Deus que pré-determina a minha vida! É, antes, o seu sonho, o seu desejo, o seu anseio para a minha existência, para que eu a realize da forma mais fecunda e feliz, tendo em conta quem sou, a minha história e as minhas circunstâncias. Esta será a alegria de Deus!

Diante de nós estão as necessidades do mundo e da Igreja. Em geral, o Senhor não nos dirá: “Faz isto” ou “Faz aquilo”. Cabe-nos “inventar” a resposta. Quando nos são apresentadas como exemplo figuras como Isaías, Paulo ou Pedro, não é para que os imitemos. Deus não quer fotocópias, mas originais. Somos chamados a fazer da argila da nossa vida uma obra de arte única. Deus é aberto a surpresas. Na verdade, Ele espera de nós um “golpe de génio”, capaz de surpreendê-lo!

Um discípulo perguntou ao Rabino de Zloczow: ‘Quando a minha obra alcançará a dos Patriarcas Abraão, Isaac e Jacó?’. E ele respondeu: ‘Cada um em Israel tem o dever de reconhecer que é único no mundo: se já tivesse existido um homem idêntico a ele, ele não teria razão para estar no mundo. Cada homem é algo novo no mundo e deve realizar a sua natureza neste mundo. Enquanto isso não acontecer, a vinda do Messias será adiada’” (conto hassídico).

3. Segue-me!

Neste ponto, alguns podem perguntar se vale a pena falar de vocação quando já tomamos as grandes decisões da vida, especialmente se já temos uma idade avançada. Diante de novas propostas, é natural que digamos como Nicodemos, às vezes com um misto de tristeza e decepção: “Como pode um homem nascer sendo velho? Pode, porventura, entrar uma segunda vez no ventre de sua mãe e nascer?” (João 3,4).

No entanto, o chamado de Deus é permanente. Todos os dias o Semeador sai para semear a sua Palavra, semente de vida nova. A cada hora, o dono da vinha sai para chamar novos trabalhadores (cf. Mateus 20,1-16). Cada idade tem a sua fecundidade.

Mas o que dizer quando, olhando para trás, sentimos que trabalhamos em vão, que as nossas redes estão vazias, talvez por causa da nossa fraqueza e do nosso pecado? Lembremo-nos então da pesca pascal após a traição de Pedro (João 21). O Senhor apenas nos perguntará: “Tu me amas?”. E quando respondermos com o coração triste e magoado: “Senhor, Tu sabes tudo; Tu sabes que eu Te amo”, Ele nos chamará novamente: “Segue-me!”.

“Deus é suficientemente grande para fazer uma vocação até dos nossos erros!” (Emmanuel Mounier).

P. Manuel João Pereira Correia, mccj



P. Manuel João Pereira Correia mccj
p.mjoao@gmail.com

 

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