domingo, 1 de junho de 2025

A TEOLOGIA DEIXOU DE SER RESERVA DOS PADRES Frei Bento Domingues, O.P. 01 Junho 2025

 

A TEOLOGIA DEIXOU DE SER RESERVA DOS PADRES

Frei Bento Domingues, O.P.

01 Junho 2025

 

1. Na Páscoa deste ano, os católicos, e não só, sentiram a morte do Papa Francisco e acolheram o novo Papa, Leão XIV. Para os católicos, esta é uma referência que só tem sentido no seguimento dos acontecimentos de há 2 mil anos, em torno de Cristo.

Hoje, na liturgia católica, somos confrontados com o começo da Igreja contado em Os Actos dos Apóstolos. Como diz Frederico Lourenço, é uma obra superlativamente bem escrita que, para lá das suas magníficas qualidades literárias (dir-se-ia mesmo cinematográficas – tal é a vivacidade pictórica da narrativa, carregada de suspense e povoada de personagens retratadas com estudado realismo a viver situações extremas de perigo, pranto e exaltação), exerce também pela sua temática um especial fascínio, devido ao facto de nos descrever o dia seguinte após ter sido cumprida, na Terra, a missão de Jesus.

O livro tem um objectivo declarado de narrar as primeiras etapas do novo movimento religioso inspirado na vida e testemunho de Cristo e, sendo o herói da narrativa o apóstolo Paulo, este texto constitui, para muitos leitores ainda hoje, um documento fundamental para a reconstituição dos primórdios do cristianismo[i]. Trata-se do segundo livro de S. Lucas (Os Actos dos Apóstolos), que não pode ser entendido sem tomar a sério o primeiro livro (o seu Evangelho).

Ele próprio confessa: No meu primeiro livro, ó Teófilo, narrei as obras e os ensinamentos de Jesus, desde o princípio até ao dia em que, depois de ter dado, pelo Espírito Santo, as suas instruções aos Apóstolos que escolhera, foi arrebatado ao Céu. A eles também apareceu vivo depois da sua paixão e deu-lhes disso numerosas provas com as suas aparições, durante quarenta dias, e falando-lhes também a respeito do Reino de Deus.

No decurso de uma refeição que partilhava com eles, ordenou-lhes que não se afastassem de Jerusalém, mas que esperassem lá o Prometido do Pai, do qual – disse Ele – me ouvistes falar. João baptizava em água, mas, dentro de pouco tempo, vós sereis baptizados no Espírito Santo.

Estavam todos reunidos, quando lhe perguntaram: Senhor, é agora que vais restaurar o Reino de Israel? Respondeu-lhes: Não vos compete saber os tempos nem os momentos que o Pai fixou com a sua autoridade. Mas ides receber uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria e até aos confins do mundo. Dito isto, elevou-se à vista deles e uma nuvem subtraiu-o a seus olhos. E como estavam com os olhos fixos no céu, para onde Jesus se afastava, surgiram de repente dois homens vestidos de branco, que lhes disseram: Homens da Galileia, porque estais assim a olhar para o céu? Esse Jesus que vos foi arrebatado para o Céu virá da mesma maneira, como agora o vistes partir para o Céu[ii].

2. Se a religião dá um sentido especial à vida, as expressões desse sentido serão plurais. As religiões são diferentes. Aqui, interessa-me destacar um dos aspectos que a convicção cristã assume, neste Domingo da Ascensão de Cristo aos Céus. Se a abordagem da fé não é a da ciência[iii], é de boa higiene mental partir do princípio de que não estamos a falar de um lugar nem das vias de acesso a esse espaço que pudesse ser observado e descrito por qualquer ciência ou técnica, como se Jesus fosse um dos precursores dos astronautas. Basta de representações ridículas da fé. Na pregação, na catequese e na teologia, temos de reflectir sobre a linguagem que a Bíblia e o Credo cristão usam. As "leis" da linguagem simbólica, metafórica, parabólica, poética e narrativa existem para sugerir, dão que pensar, mas não obedecem a uma ligação circunscrita entre os significantes e os significados. Esse tipo de explicações mata a música da linguagem e não dá conta das transformações a que ela convida. A linguagem das transformações espirituais da existência não se lê nem se interpreta com um dicionário.

A Ascensão pode entender-se como a linguagem da fuga à manipulação política de Cristo pelas Igrejas. Jesus tinha vencido essas tentações, mas nunca estarão definitivamente resolvidas. Os Actos dos Apóstolos, a primeira história da Igreja, começam por essas permanentes ambições dos discípulos: Senhor, será agora que ides restaurar a realeza em Israel? Cristo parece cansado com essa pergunta recorrente. Dissera tantas vezes que não veio ao Mundo para mandar, mas para servir a esperança e a transformação da vida e eles sempre na mesma... Agora, confessa que só o Espírito de Deus lhes poderá dar a volta e é o único dom que ele tem para a Igreja.

É também recorrente a pergunta: onde estarão as pessoas que amamos e morreram? Não aconselho ninguém a ir ao cemitério. Creio que estão no coração de Deus, a casa definitiva de todos. Se me perguntam onde é e como é, atrevia-me a dizer que é tão grande como o amor de Deus, tão invisível e presente como Ele. Não procuro outro Céu.

3. Hoje, a teologia já não é reserva dos padres, como acontecia no passado. As mulheres ainda se queixam, e com razão, de lhes ser negado o acesso aos ministérios ordenados, mesmo quando são teólogas.

Uma freira austríaca, Martha Zechmeister, teóloga e professora em El Salvador, enviou uma carta aberta a Leão XIV. Depois de apontar vários aspectos semelhantes no seu percurso e no do novo Papa, insiste em que chegou o momento de alterar a situação de descriminação das mulheres, na Igreja, porque muito já se falou e escreveu.

Consta dessa carta o que a muitos poderá parecer um atrevimento. Não é. É apenas um direito e um dever cristão.

Escreve ao Papa Leão: «és um homem sensato e sensível. Ao ouvir a tua primeira mensagem breve e clara, senti-me muito grata, porque a tua sobriedade e racionalidade contrastam com o populismo irracional dos machões que dominam o mundo. E és canonista. Sabes quanto do aparato da Igreja não é devido ao direito divino, mas surgiu historicamente e é moldado pelo contexto e pela cultura; e quanto disso, portanto, pode mudar. A única coisa que deve ser cânone, regra firme para a forma como organizamos a Igreja, é a forma como Jesus formou a comunidade e como os seus discípulos se reuniram depois do encontro com o Ressuscitado e da efusão do Espírito no Pentecostes. Tudo o resto é obra humana e, portanto, modificável.

(…) Creio que chegou novamente a hora de derrubar muros e dar espaço ao Espírito vivo de Deus.

(…) Não quero que esta Igreja continue a ser um vestígio arcaico, reflectindo uma ordem social insustentável. Quero que ombro a ombro – mulheres e homens – transformemos este mundo. E, para isso, devemos começar já: com a plena integração das mulheres em todos os ministérios de liderança na Igreja. Não mais tarde. Agora.

Com determinação, amor pela Igreja e uma esperança ardente, a tua irmã, Martha».

Continuamos na celebração da Páscoa, Ascensão e Pentecostes. É nesta Luz que nós vemos a Luz!



[i] Cf. Frederico Lourenço, Bíblia, Vol. II – Novo Testamento. Apóstolos, Epístolas, Apocalipse, Quetzal, 2016, p.45

[ii] Act 1, 1-11

[iii] Cf. Francisco J. Ayala, Darwin y el Diseño Inteligente, Alianza, 2008.