sábado, 6 de dezembro de 2025

 A Voz e o Caminho - P. Manuel João Pereira Correia, mccj

 A Voz e o Caminho

Ano A – Advento – 2º Domingo
Mateus 3,1-12: “Voz daquele que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor!”

O evangelho do segundo domingo do Advento leva-nos ao deserto para encontrar João Batista e para escutar a mensagem particular que ele tem a transmitir da parte do Deus-que-vem. O deserto não é um lugar que nos atrai, a não ser quando o visitamos como turistas, equipados com as comodidades e seguranças necessárias. A figura de João, além disso, não parece imediatamente simpática. Ele é rude, não apenas no modo de se vestir, mas sobretudo na palavra, quase agressiva. Mas devemos encontrá-lo necessariamente no nosso itinerário de Advento. E, afinal de contas, devemos reconhecer que, embora seja um tipo excêntrico, é uma pessoa especial, tanto pelo modo de vida que leva quanto pela liberdade com que fala diante das autoridades políticas e religiosas; e isso o torna uma testemunha credível.

João, filho de um sacerdote, havia se despojado das vestes sacerdotais e deixado o templo para ir viver no deserto, conduzindo uma vida austera, no limite da sobrevivência. E “a palavra de Deus veio a João, filho de Zacarias, no deserto” (Lc 3,2). Então João começou a pregar: “Convertei-vos, porque o Reino de Deus está próximo!”. Serão estas as primeiras palavras pronunciadas também por Jesus no início de sua pregação.

Os profetas em Israel não falavam há muito tempo, e Israel tinha fome da palavra de Deus. Espalhou-se a notícia de que João era um profeta, e as pessoas afluíam a ele de todas as partes. A essencialidade da sua mensagem tocava os corações e as consciências, e todos eram batizados por ele no rio Jordão, pedindo perdão por seus pecados. O povo reconhecia nele a chegada do Mensageiro anunciado por Malaquias, o último dos profetas: “Eis que envio o meu mensageiro para preparar o caminho diante de mim” (3,1).

Cumpria-se assim a profecia de Isaías (40,3-5):

Uma voz clama:
‘No deserto preparai o caminho do Senhor,
aplanai na estepe uma estrada para o nosso Deus.
Todo vale seja elevado,
todo monte e colina sejam abaixados;
o terreno acidentado se transforme em planície
e o escarpado em vale.
Então se revelará a glória do Senhor
e todos os homens a verão juntos,
porque a boca do Senhor falou’”.

Duas palavras estão no centro da profecia: VOZ e CAMINHO. A Voz é a de João, forte e poderosa como um trovão, ardente como a de Elias, penetrante como a espada de dois gumes (Hb 4,12). Ela prenuncia a voz do Messias que, como diz a primeira leitura (Is 11,1-10), “ferirá o violento com a vara de sua boca e, com o sopro de seus lábios, matará o ímpio”. O aparecimento dessa voz já é um evangelho, uma boa notícia. De fato, todas as vozes tinham sido amordaçadas, silenciadas, instrumentalizadas, portadoras de mentiras. Ouvir que existe uma voz nova, livre, que nos diz a verdade, mesmo quando nos fere, já é uma esperança de vida.

Preparai o caminho do Senhor!”. O caminho do Senhor é aquele que conduz a Ele, mas sobretudo aquele que Deus percorre para vir até nós. É uma estrada frequentemente interrompida, que é preciso desobstruir para torná-la transitável.

O caminho é a imagem por excelência do tempo de Advento. Trata-se de um símbolo muito presente na Bíblia. Lembremo-nos de que tudo começa com a viagem de Abraão, depois dos patriarcas, de Moisés que guia o povo por quarenta anos no deserto... O próprio Jesus, com os seus, estará sempre em caminho, e os primeiros cristãos serão chamados “os do caminho”. Além disso, o caminho é imagem tanto da condição humana — o homo viator — quanto do crente, chamado a ser parte de uma “Igreja em saída”, como gostava de recordar o Papa Francisco.

O profeta Isaías (o Segundo Isaías) foi o idealizador, o engenheiro rodoviário do “caminho do Senhor”. João é o chefe de obra, o capataz. É preciso seguir as suas instruções. Munamo-nos de picareta, pá e enxada. Sim, meios simples: trata-se de um trabalho manual que exigirá tempo, constância e paciência. Seguindo o plano de Isaías, João dá-nos três orientações principais:

1“Todo VALE seja elevado”: é a primeira orientação. O evangelista Lucas fala de precipício (3,5). Trata-se do precipício do nosso DESÂNIMO, no qual corremos o risco de cair e permanecer irremediavelmente presos, depois de tantas tentativas e fracassos. É um perigo frequentemente mortal, um abismo que sepulta qualquer esperança de progresso humano e espiritual. Como preenchê-lo? Às vezes, pode tornar-se uma tarefa quase impossível. O que fazer então? A única solução é construir uma ponte! A ponte da esperança no “Deus dos impossíveis”. Eis por que Paulo, na segunda leitura (Rm 15,4-9), nos convida a “manter viva a ESPERANÇA”. Às vezes, trata-se de “esperar contra toda esperança” (Rm 4,18), porque “a esperança não decepciona”... nunca! (Rm 5,5).

2. “Todo MONTE e toda colina sejam abaixados”: trata-se do monte do nosso ORGULHO. Colina, monte, às vezes até uma montanha difícil de escalar. Enchemo-nos de soberba e nos iludimos de ser grandes. O “monte” ocupa toda a estrada, que se torna intransitável. É preciso descer das nossas “alturas” para nos tornarmos acessíveis a Deus e aos outros. Quantas “picadas” são necessárias! Quanto custa tornar-se um vale plano onde todos podem passar tranquilamente! Às vezes, é preciso um trator para remover certos obstáculos. É o trator da HUMILDADE, cantada pela Virgem Maria no seu Magnificat. Não desprezemos, porém, as pequenas picadas diárias: uma crítica, um serviço humilde, um silêncio diante de uma observação injusta, um deslize que nos mortifica... Elas nos prepararão para receber aquelas grandes “pancadas de trator” que a vida, cedo ou tarde, nos dará.

3. “O terreno ACIDENTADO se transforme em planície e o escarpado em vale”: há pedras e espinhos demais no caminho, que fazem tropeçar os viajantes e os arranham a cada passo. São os nossos DEFEITOS e PECADOS, que muitas vezes escandalizam os outros ou os ferem. Aqui também é preciso um trabalho incessante, sabendo que jamais conseguiremos completamente. Certas pontas permanecerão ali, obstinadamente irremovíveis. Certos espinhos, cortados cem vezes, brotarão sempre de novo, quase zombando da nossa persistência. Estão ali para nos lembrar que não podemos viver sem a MISERICÓRDIA do Senhor e dos irmãos — e para nos recordar que também devemos ser misericordiosos com os outros. Paulo, na segunda leitura, recorda-nos isso: “Acolhei-vos uns aos outros, como também Cristo vos acolheu”.

Estas são as instruções do chefe de obra. Espera-nos um trabalho exigente. Não se trata de fazer alguns pequenos sacrifícios, considerando-nos já cristãos, à maneira dos fariseus e saduceus que se sentiam seguros apenas por serem filhos de Abraão. Também eles recebiam o batismo, mas para muitos era uma simples formalidade, um gesto de fachada. João, porém, não foi indulgente com eles. Chamou-os de “raça de víboras”. Cuidemos para que não acabe dizendo o mesmo de nós. E acrescenta: “Toda árvore que não dá bom fruto é cortada e lançada no fogo”. A coisa é séria: não tomemos de ânimo leve esta graça do Advento.

P. Manuel João Pereira Correia, mccj


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