Não é raro que, entre os filhos
da Igreja, o problema
da santidade seja olhado
como uma espécie de
mundo longínquo, ao qual
apenas têm acesso as pessoas
que são dotadas por Deus com um
carisma especial. E este carisma parece
apenas ser possível para quem o Senhor
chama a uma vida diferente da habitual.
Ou seja, a santidade é uma chamada reservada
por Deus a uma elite muito escassa,
que tem de responder a um tipo
de vida “sui generis”, que não se enquadra,
de forma alguma, com a existência
normal dum homem ou de uma mulher
que vivem o seu dia a dia no trabalho e
na educação de uma família normal e
corrente que constituíram.
O estado matrimonial é o mais comum
entre as criaturas da nossa natureza.
Deus, desde o primeiro casal – Adão
e Eva, de acordo com o relato bíblico –,
atribuiu-lhe o encargo de crescer e multiplicar-
se para encher e dominar a terra
(Cfr. Gén.1, 28), pelo que o casamento não
é uma situação de inferioridade, mas somente
a via mais habitual que Deus escolheu
para o ser humano, a fim de se realizar
e fazer a sua vontade com a energia
exigida pelo primeiro Mandamento da
Lei de Deus, que nos manda adorá-Lo e
amá-Lo sobre todas as coisas.
Seria estranho que o Senhor tivesse instituído
um sacramento – o do matrimónio
–, que confere a quem o recebe uma graça
especial para dele retirar todo o fruto
que essa mesma graça sacramental pode
conferir, e que esta não fosse a de conduzir
os contraentes à santidade. Nesse caso,
quem se casasse já sabia, de antemão,
que Deus não o chamava a ser santo, mas
a uma vida alheia a essa finalidade, pois só
quem seguisse outros caminhos ascéticos
na obediência à vontade divina é que poderia
aspirar a graus ou teores de existência
mais elevados.
Mais ainda: com o sacramento do Baptismo,
pelo qual nos é concedida a condição
de filhos de Deus (por adopção e não
por natureza, como é evidente), seria muito
estranho que, à partida, o Senhor excluísse
da santidade a esmagadora maioria
dos seus filhos. Dir-se-ia que olhava
com mais simpatia para uns do que para
outros, independentemente da forma e
do grau como O amassem. Ou então, que
só poderiam amá-Lo como verdadeiros
santos, quem seguisse um percurso menos
costumeiro.
Pois bem: Deus chama todos os homens
à santidade. Para ser santo, a todos
exige, com uma paciência e uma compreensão
verdadeiramente paternal e familiar
para com as suas debilidades, que
O procuremos amar como ordena o primeiro
mandamento, independentemente
das circunstâncias e das características
da existência de cada um, desde que, obviamente,
sejam honradas e rectas. Como
alguém observava, Deus não abençoa ou
aprova, apesar da perfeição com que é executada,
a arte de um carteirista exímio...
Na vida da esmagadora maioria dos
cristãos, as suas tarefas e ocupações interligam
o trabalho profissional e o cuidado
do lar da sua família. É essa a panorâmica
das suas obrigações prementes, às quais
não só não deve fugir, como dar-lhes o
seu melhor esforço. É Deus que lho pede:
que nelas seja o mais exemplar possível.
Trabalhar com competência e honestidade
e, se constituiu uma família, procurar
viver no seu seio as exigências próprias
da caridade, com denodo e entrega
generosa, são as notas essenciais do chamamento
divino, que devem espelhar-se
em todos os momentos da sua conduta.
É aí que se realiza a sua vocação, é aí que
Deus o chama com o seu Amor e carinho.
Como sabemos, nem sempre se torna fácil
corresponder a tanto desvelo do nosso
criador. Sonhar com outros horizontes e
pensar numa vocação diferente, onde tudo
se realizasse da melhor maneira, sem luta
e numa espécie de planeta cor-de-rosa,
eis o que Santa Teresa de Ávila designaria
como um fruto da “louca da casa”, isto é,
da nossa imaginação febril, sem freio, de
que o diabo é um hábil condutor e uma
pertinaz fonte de inspiração.
Tudo o que se disse não ignora que o
Senhor, na sua infinita sabedoria e misericórdia,
chama também seus filhos e filhas
para outros tipos de existência, como
a vida religiosa ou sacerdotal. Mas não reduzamos
a estes apelos divinos, diferentes
e menos numerosos, o termo “vocação”.
P. Rui Rosas da Silva antónio maria martins melo
antmelo@braga.ucp.
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