1. Há
49 anos foi derrubada a ditadura em Portugal. As Comemorações dos 50 anos do 25
de Abril já começaram. Frei Luís de França, O.P. (1936-2016) teve o cuidado de
reunir os textos de grupos e individualidades do mundo católico não oficial que
maior influência tiveram no período, a vários títulos único, que decorreu entre
o 25 de Abril de 1974 e o 25 de Novembro de 1975. Por razões de ordem pessoal,
não quis aparecer como autor dessa rigorosa colheita de 394 páginas[1].
Esta publicação foi precedida de outra muito mais
breve, fruto de um grupo de cristãos que, desde os primeiros dias do 25 de
Abril, se reuniu, de modo informal e semanalmente, para reflectir sobre o modo
de ser cristão e ser Igreja nesse tempo novo.
Para se abalançar a uma reflexão de conjunto sobre a
Igreja e a Política, nesse mesmo período, o grupo resolveu estudar de modo paralelo
e cronológico esses dois mundos.
Esse estudo iniciado em 20 de Outubro de 1975 vai até
ao começo do Verão de 1976. Foi um trabalho que deixou abertas muitas
interrogações[2].
São duas obras que não pretendiam fechar a informação
e o debate sobre os cristãos e a Igreja, no interior do novo desafio político.
Quando me perguntam – e já foram tantas vezes – onde
estava no 25 de Abril, respondo que estava no Congresso Internacional, no VII
Centenário de Tomás de Aquino (Roma-Nápoles, 17-24 Abril 1974), que resultou na
publicação das Actas, em vários volumes.
Foi nesse Congresso que escutei a comunicação
extraordinária do grande especialista, Marie-Dominique Chenu, O.P., – S. Tomás
Inovador na Criatividade de um Mundo Novo – e um texto crítico, de Umberto
Eco, lamentando que tivessem feito de um incendiário um bombeiro.
Foi pelos meios de comunicação que soube do 25 de
Abril e por um telefonema do grande amigo ex-jesuíta, José Sousa Monteiro,
autoexilado na Alemanha. Só pude regressar para o 1º de Maio.
Para o que aconteceu entre o 25 de Abril de 1974 e o
25 de Novembro de 1975, remeto para o referido trabalho de Luís de França, onde
existem muitas referências à minha intervenção nesse período. Os católicos e
o 25 de Abril foi o meu último texto sobre o assunto e não desejo
repetir-me[3].
2. Continuamos na Quadra Pascal. A celebração da Páscoa
cristã só pode terminar quando desaparecerem todos os cristãos. A Páscoa
tornou-se a convicção alargada de que a morte de Cristo não era o fim. Era um
novo começo que recuperava o passado, incarnava o presente e abria o futuro à
renovação contínua da humanidade.
Esta convicção foi-se formando muito rapidamente. As
mulheres, que sempre tinham seguido o Mestre, nunca O abandonaram, mesmo nos
dias e nas noites do horror. Contam os textos do Novo Testamento que elas foram
bem premiadas. Como já referi, nestas crónicas, foram elas as primeiras
surpreendidas pelo Ressuscitado que as encarregou de reunir e de evangelizar os
apóstolos que a condenação e a morte dispersaram.
É longo o tempo litúrgico da Páscoa, mais longo ainda
é a presença do Ressuscitado, declarada ou clandestina, na vida do mundo. Neste
Domingo, somos confrontados com uma construção literária da presença
clandestina e declarada de Cristo. A habilidade desta construção é a de colocar
a situação dos discípulos entre a decepção e a esperança, os chamados discípulos
de Emaús.
A arte do texto coloca os discípulos no primeiro dia
da semana. É uma forma de dizer, não só que o tempo já não se conta a partir do
Sábado, mas do Domingo, dia do Senhor. É nesse dia que começa a contagem dos
dias da semana. A designação desses dias, a partir dos nomes dos deuses pagãos,
que noutras línguas persiste, em Portugal desapareceu.
A astúcia do texto é muito mais subtil. É construída
num duplo registo: tem de afirmar que o Ressuscitado é Jesus de Nazaré e que,
ao mesmo tempo, entrou numa situação completamente nova, sem perder a anterior.
Os discípulos de Emaús vão falando do que tinha
acontecido em Jerusalém de uma forma descoroçoada. Nisto, há um estranho que se
junta aos discípulos e vai ouvindo essa esperança frustrada, embora as mulheres
digam o contrário, mas é dito de mulheres. Não se deu a conhecer e
procurou entrar na conversa como alguém mal informado. Então, contaram a esse distraído
companheiro de viagem o que tinha acontecido a Jesus de Nazaré.
Jesus não se dá por achado, mas passa a ser Ele a
interpretar a significação do acontecido, retomando o passado que eles
reconheciam. Quando parecia que a viagem tinha acabado, ofereceram
hospitalidade a esse estranho que aceitou imediatamente sem a ter pedido.
Aconteceu algo insólito: o convidado senta-se à mesa
como se fosse Ele o dono da casa a oferecer-lhes uma ceia. Nesse momento e
nesse gesto, reconhecem quem era, de facto, o companheiro de viagem e, também
nesse momento, torna-se invisível: enquanto O viam, não O reconhecem e, quando
o reconhecem, deixam de O ver, mas com a certeza que Ele será sempre o clandestino
companheiro das nossas viagens.
3. Este ano, celebro com alegria a ressurreição dos Cadernos
ISTA (Instituto São Tomás de Aquino), com um novo director – Fr.Gonçalo Diniz – que tinham deixado de ser publicados
durante a pandemia. Agora, ressurgiram em grande como Homenagem ao Frei
Mateus Peres. Além de duas Resenhas Biográficas, a de Luiza Cabral e
a de Fr. Rui Carlos Lopes, gostei muito de ver publicado o seu excelente Curso
sobre São Tomás, as suas Conferências no Mosteiro do Lumiar e alguns
Testemunhos.
Destaco, nesta Homenagem, o Curso sobre São Tomás
(pp.15-82), para o qual espero muitos leitores estudiosos. O recente Grupo de
Estudos sobre S. Tomás de Aquino, no âmbito do ISTA, é um projecto muito
importante.
Como dizia o Padre Sertillanges, não basta dizer Senhor,
Senhor para entrar no Reino dos Céus. Também não basta dizer, S. Tomás,
S. Tomás para entrar no reino criativo da filosofia e da teologia. Há instituições
e autores que esquecem o que sobre ele escreveu o seu mais extenso biógrafo,
Guilherme de Tocco:
«Frei Tomás, nas suas aulas levantava problemas novos,
descobria novos métodos, empregava novas redes de provas e, ao
ouvi-lo ensinar uma nova doutrina, com argumentos novos, não se
podia duvidar, pela irradiação desta nova luz e pela novidade
desta inspiração, que era Deus quem lhe concedeu ensinar, desde o princípio,
com plena consciência, por palavra e por escrito, novas opiniões»[4].
Lembro-me, muitas vezes, da citada advertência de
Umberto Eco: fizeram de um incendiário um bombeiro. Era também essa a lamentação
de Frei Mateus Cardoso Peres.
23
Abril 2023
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