segunda-feira, 24 de abril de 2023

Para onde estás andando? Pe. Manuel João, mc

 Ano A - Páscoa - 3º Domingo

Evangelho: Lucas 24,13-35
Domingo de Emaús e de Cristo Peregrino

O Grande Domingo e as 7 Páscoas

A Igreja celebra o mistério da Páscoa durante 7 semanas, da Páscoa ao Pentecostes, um período de cinquenta dias, o tempo da "santa alegria", considerado pelos antigos padres da Igreja como "o grande Domingo". Durante todo este tempo, a oração litúrgica era feita de pé, como sinal da ressurreição: "Consideramos que não nos é permitido jejuar ou rezar de joelhos aos domingos. Praticamos a mesma abstenção com alegria desde o dia de Páscoa até Pentecostes" (Tertuliano). 

Estes sete domingos convidam-nos a celebrar a Páscoa... sete vezes (a plenitude!). Se no domingo passado foi a Páscoa de Tomé, hoje é a Páscoa dos dois discípulos de Emaús, narrada por São Lucas! Com isto concluimos os (três) domingos em que o evangelho nos apresenta aparições de Jesus Ressuscitado.

As três aparições em São Lucas

No capítulo 24, o capítulo final do seu evangelho, São Lucas fala-nos de três aparições:
1. a primeira, na manhã da Páscoa, a dos anjos às mulheres, junto do túmulo vazio;
2. a segunda, na tarde do mesmo dia, a aparição do Senhor Ressuscitado aos dois discípulos que caminhavam na estrada de Jerusalém para Emaús; 
3. a terceiro, à noite, a aparição de Jesus aos Onze, em Jerusalém.

As três aparições são para testemunhar a realidade da ressurreição, mas também para evangelizar os discípulos sobre o significado da paixão e morte de Jesús, que os tinha escandalizado e deixado em completa consternação.

A narração das três aparições termina com a ascensão de Jesús ao céu. Note-se bem que tudo isto se passa no mesmo dia, o dia de Páscoa! É um dia exageradamente longo! Como assim? Como se pode conciliar isto com o que narram os outros evangelistas? É preciso lembrar que os evangelhos foram escritos várias décadas mais tarde. Os factos eram então conhecidos no seio das comunidades cristãs, transmitidos oralmente. Os evangelistas, ao escreverem o seu evangelho, têm em conta não só a história, mas também a situação das suas comunidades. Ou seja, eles têm uma intenção teológica e catequética. Aqui São Lucas quer apresentar-nos o que é o domingo típico do cristão. Trata-se de um artificio literário. De facto, no início dos Actos dos Apóstolos ele apresenta as coisas de forma um pouco diferente: "a eles se manifestou vivo depois de sua Paixão, com muitas provas, aparecendo-lhes durante quarenta dias e falando das coisas do Reino de Deus" (1,3).

Evangelho em miniatura

A narração dos dois caminhantes de Emaús é um dos relatos mais evocativos dos evangelhos. Diz o card. Martini: "Evangelho em miniatura, é uma história onde fé e emoção, razão e sentimento, tristeza e alegria, dúvida e certeza se unem, tocando as cordas mais profundas do leitor, seja ele um crente ou apenas alguém em busca, criando ressonâncias profundas ao desejo de pôr-se em caminho para Aquele que oferece a plenitude da felicidade".

Quem são os dois discípulos?

Um chama-se Cléofas. Segundo uma tradição do século II, Cléofas seria um tio de Jesus, irmão de São José, uma pessoa bem conhecida na comunidade cristã. Do outro discípulo, nenhum nome é dado. Isto permite-nos identificar-nos com ele ou ... com ela! Sim, porque - segundo João 19,25, na versão da Bíblia de Jerusalém -, Cléofas teria Maria, irmã de Maria, a mãe de Jesus, como sua mulher. O outro discípulo, portanto, poderia ser... a sua esposa? 

A viagem a Emaús não é um passeio de lazer, mas sim um regresso à aldeia, ao passado, após a grande desilusão; uma fuga do crucificado, após a estrondosa derrota: "Nós esperávamos que fosse Ele quem havia de libertar Israel".

O tema do caminho é caro a São Lucas. Conversar caminhando é o que Jesús faz na sua "grande viagem" a Jerusalém, que ocupa nada menos que dez capítulos (9.51-19.27). Enquanto Jesus subia a Jerusalém, o lugar da manifestação de Deus, estes dois fogem de lá. A fuga é o pecado original do homem e cada um tem o seu próprio 'Emaús'. Não é um lugar, mas um mecanismo de fuga que se repete frequentemente nas nossas vidas. Qual é o meu Emaús? 

Um companheiro de viagem 

"Enquanto falavam e discutiam, Jesus aproximou-se deles e pôs-se com eles a caminho". Mas eles estavam demasiado tristes e desapontados para O reconhecerem. O Senhor fá-los contar a sua (Sua!) história e com a Palavra da Escritura ajuda-os a relê-la, a compreendê-la; Ele ilumina-a e dá-lhe sentido. E então o coração aquece-se e a esperança regressa: "Não ardia cá dentro o nosso coração, quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?".

É a palavra que interpreta a vida. A nossa visão do sentido da existência, do significado dos acontecimentos da nossa história, tudo depende da palavra que ouvimos. Que palavra é que ouço para reler a minha vida? A do "mundo" ou a de Cristo?

O Senhor ressuscitado segue-nos nos nossos extravios, como o Bom Pastor que procura a ovelha perdida, que se afastou da comunidade. O teólogo P. A. Sequeri diz mesmo que Deus precede-nos até mesmo nos caminhos que nos afastam d'Ele, para nos tecer uma armadilha e assim cair nos seus braços. Ele é "o Deus das mil emboscadas".

Uma presença - ausência!

Atraídos pelo misterioso Peregrino, os dois caminhantes convidam-no a ficar com eles: "Ficai connosco, Senhor, porque o dia está a terminar e vem caindo a noite". E, ao "partir o pão" (uma expressão usada para a Eucaristia), "nesse momento abriram-se-lhes os olhos e reconheceram-n'O". Quando o "vêem", finalmente, Ele pode tornar-se invisível. Pois Ele já não está fora deles, mas dentro deles! E regressam a Jerusalém, à comunidade, para partilhar a sua alegria e ser, por sua vez, revigorados pelo testemunho dos demais. Pois a alegria, tal como a fé, é multiplicada pela sua partilha.

Esta história é um belo resumo do domingo, com a sua alusão à comunidade cristã, à liturgia da Palavra que ilumina os acontecimentos da vida, à liturgia eucarística que nos alimenta, e à missão do cristão de testemunhar que Cristo ressuscitou. Somos nós cristãos do Domingo de Páscoa?

P. Manuel João Pereira Correia mccj

Castel d'Azzano (Verona), 21 de Abril de 2023


P. Manuel João Pereira Correia mccj
p.mjoao@gmail.com
https://comboni2000.org

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