domingo, 16 de julho de 2023

A “mãe” de todas as parábolas - Pe João mc

 A “mãe” de todas as parábolas

 

Ano A - 15º Domingo do Tempo Comum
Mateus 13,1-23: Eis que o semeador saiu a semear!

 

Começamos neste domingo o “discurso em parábolas” do capítulo 13 do evangelho de São Mateus. É o terceiro discurso de Jesus, depois do discurso inaugural “sobre a montanha” (cap. 5-7) e do “discurso missionário” do envio dos apóstolos em missão (cap. 10). Este discurso é composto por sete parábolas. As primeiras quatro são dirigidas à multidão (o semeador, o joio, a mostarda e o fermento) e as outras três aos discípulos (o tesouro, a pérola, a pesca). Sete parábolas para apresentar “o mistério do reino de Deus” (13,11). 

A expressão “reino dos céus” ou “reino de Deus” ou simplesmente “reino” aparece cerca de cinquenta vezes no evangelho de Mateus; a primeira vez na boca de João Batista (3,1) e a segunda na boca de Jesus: “Convertei-vos, porque está próximo o reino dos céus” (4,17). O Reino é o tema da pregação de Jesus, o objetivo da sua vida e da sua missão. O que é o Reino de Deus? Jesus expõe-no-lo através destas parábolas.

O que é uma parábola? É um relato que, partindo de um facto, de uma história verosímil ou de uma realidade da vida, pretende transmitir, de uma maneira simbólica, uma mensagem mais profunda, por vezes um pouco enigmática, que exige um esforço de interpretação. Jesus utilizou frequentemente parábolas na sua pregação. É preciso distinguir, no entanto, entre parábola e alegoria. Na alegoria, cada elemento narrativo tem um significado, ao passo que na parábola apenas se deve procurar o significado global.

 

1. A parábola do otimismo e da esperança

A parábola do semeador é uma das mais conhecidas do Evangelho, “a mãe de todas as parábolas” (Papa Francisco). A passagem tem três partes distintas: na primeira, a narração da parábola (vv. 1-9); na segunda, a razão pela qual Jesus fala por parábolas (vv. 10-17); na terceira, uma explicação alegórica da parábola (vv. 18-23). 

Esta parábola foi contada num momento delicado da vida de Jesus, quando o fracasso da sua missão começava a fazer-se sentir. Nesta altura, perguntamo-nos: porque é que o mal parece triunfar sempre? Porque é que o bem tem tanta dificuldade em enraizar-se no mundo, no coração das pessoas? Poder-se-ia dizer que a resposta da parábola é: tudo depende da qualidade do terreno onde a semente é lançada. A intenção principal, porém, não é tanto o convite a perguntarmo-nos que tipo de solo é o nosso coração, mas antes o encorajamento aos discípulos - e a nós - para proclamarmos o Evangelho “na esperança de que haja, algures, um bom solo” (São Justino). Os obstáculos, a oposição, a rejeição que a Palavra encontra podem levar-nos ao pessimismo. Pois bem, Jesus encoraja-nos a continuar a anunciar a Palavra, confiantes na sua extraordinária e prodigiosa fecundidade, até cem por um (quando em terra palestina o máximo que se podia esperar era dez por um, ou seja, de um grão de trigo uma espiga com dez grãos!)

 

2. O princípio capitalista do espírito

À pergunta dos discípulos: “Porque lhes falas por parábolas?” Jesus parece responder de forma discriminatória: “Porque a vós é dado conhecer os mistérios do Reino dos Céus, mas a eles não lhes é dado”. Como é que isto é possível? Parece que Jesus fala de propósito por parábolas, para não ser compreendido, quando se esperaria o contrário. Na realidade, trata-se de um “semitismo”, ou seja, uma maneira típica de falar, entre a ironia, a tristeza e a desilusão, perante os corações fechados dos que O escutam. Quem sabe quantas vezes o Senhor empregará esta linguagem, vendo a nossa teimosia e incredulidade! 

Impressiona-me muito a afirmação de Jesus: “Porque a quem tem, ser-lhe-á dado e terá em abundância; mas a quem não tem, até o que tem lhe será tirado”. É aquilo a que eu chamaria o “princípio capitalista” do espírito: tal como o dinheiro corre para quem tem muito e desaparece no bolso do pobre, assim acontece na esfera do espírito: quanto mais tiveres, mais graça receberás, quanto menos tiveres, por preguiça, por negligência, por coração fechado, menos terás.

Neste domingo, milhões e milhões de cristãos ouvirão esta Palavra nas nossas igrejas: uma parte sairá enriquecida, a outra empobrecida, mas ninguém sairá como entrou, porque a oportunidade perdida contribui para a “esclerocardia” espiritual, o endurecimento do coração, que nos torna cada vez mais insensíveis à Palavra de Deus.

 

3. A explicação alegórica da parábola

O evangelista atribui a Jesus a explicação alegórica da parábola. Na realidade, é talvez a aplicação que dela faz São Mateus à vida concreta da sua comunidade. Podemos perguntar-nos porque é que o semeador espalha o trigo pelo caminho, em terreno pedregoso, entre silvas, em vez de o semear só na boa terra. É preciso saber que, na Palestina, primeiro semeava-se e depois lavrava-se para enterrar a semente. Esperava-se que o arado desbravasse o caminho percorrido pelos transeuntes, levantasse as pedras, arrancasse as silvas... 

Deixo a cada um a tarefa de nos confrontarmos com a Palavra e de nos interrogarmos sobre o tipo de solo do nosso coração. Talvez a resposta nos deixe um pouco desconsolados. Esta frase do dramaturgo irlandês Samuel Beckett pode animar-nos: “Sempre tentei. Sempre falhei! Não discutas. Tenta de novo. Falha de novo. Falha melhor!”

O meu “tempo de antena” das duas páginas habituais terminou, mas deixem-me acrescentar mais um elemento alegórico: neste caso, qual é o arado? O da cruz de Cristo, que cava o nosso coração e o transforma em terra boa? (Aliás, o arado era feito de madeira com uma ponta de ferro!). Iludimo-nos com a ideia de tentar evitar todo o sofrimento, de que podemos esquivar-nos à cruz, mas.... “é necessário que passemos por muitas tribulações para entrar no Reino de Deus” (Actos 14,22).

 

Conclusão: “Eis que o semeador saiu a semear!”

Jesus saiu de casa e sentou-se à beira-mar”. Esta Palavra vai encontrar alguns de vós a gozar um merecido tempo de descanso. Pois bem, Jesus também irá ao teu encontro! Encontrarás tempo para o escutar?

P. Manuel João Pereira, Comboniano
Castel d'Azzano (Verona) 14 de julho de 2023

P. Manuel João Pereira Correia mccj
p.mjoao@gmail.com
https://comboni2000.org

Sem comentários:

Enviar um comentário