segunda-feira, 26 de maio de 2025

O novo normal Anselmo Borges Padre e professor de Filosofia

 Crónicas PÁRA E PENSA

O novo normal

Anselmo Borges

Padre e professor de Filosofia

1. Há dias, Ursula von der Leyen fez

uma comunicação de abalo e despertar.

Nela, referiu que “hoje aumentam as

tensões geopolíticas. As regras

comerciais estão a ser reescritas”,

caindo-se numa guerra comercial

global. “Acontecimentos climáticos

extremos são cada vez mais frequentes,

devido às mudanças climáticas. A

mudança nas tecnologias é cada vez

mais rápida”, apresentando o exemplo

da IA (inteligência artificial), que está a

evoluir mais rapidamente do que

2

imaginaríamos há algum tempo...

Para rematar: “The ‘new’ normal is

anything but ‘normal’.” O ‘novo normal

é tudo menos ‘normal’.”

2. Entretanto, uma boa amiga

escreveu-me nestes termos:

“Estou tão triste, meu amigo.

Que mundo vamos deixar aos jovens?

Que planeta?

Que pessoas?

Onde vamos buscar esperança?”

3. Ah! Se, nesta corrida vertiginosa e

louca em que embarcámos, cada uma,

cada um, parasse! Para pensar. Pensar

vem do latim “pensare”, que quer dizer

pesar razões e, portanto, reflectir,

meditar..., para ir ao essencial.


O crente irradiação da Shekinah de Deus - Pe. Manuel João Pereira Correia, mccj

 

O crente irradiação da Shekinah de Deus

Ano C – Tempo Pascal – 6º Domingo
João 14,23-29: “Viremos a ele e faremos nele a nossa morada.”

Aproximamo-nos das festas da Ascensão e de Pentecostes. O Evangelho deste domingo, como o do domingo passado, oferece-nos um trecho do longo discurso de despedida de Jesus durante a Última Ceia. Ao anunciar a sua partida, o ambiente enche-se de tristeza. O abatimento, a perplexidade e o medo percorrem os discípulos. Jesus tranquiliza-os, convidando-os a não temer (cf. Jo 14,1.27) e promete que a sua tristeza se transformará em alegria (Jo 16,20.22).

O dom da paz e o Paráclito

Jesus procura garantir a coesão do grupo dos discípulos. No domingo passado, o Senhor entregou-lhes – e a nós – o mandamento do amor. Hoje oferece a paz: “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz.” Notemos bem: Jesus não deseja a paz, Ele a dá! Aquela que fora a sua paz, agora a entrega a nós. Uma paz tão forte e profunda que nem mesmo a perseguição a pode suplantar.

Além disso, Jesus promete outro dom: o Espírito Santo. “O Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, Ele vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que Eu vos disse.”
Repetidamente, no seu discurso, Jesus reafirma esta promessa do envio do Espírito (Jo 14,16-17; 14,26; 15,26; 16,7-11; 16,13-15), acrescentando a cada vez novos detalhes sobre a missão do Espírito Santo, chamado a continuar a obra de Jesus.

É o Espírito Santo que torna sólida e duradoura a paz do cristão, pois Ele é o nosso Paráclito – Parákletos em grego –, ou seja, o “Advogado” que está ao nosso lado como defensor e consolador. Se o pequeno e desorientado grupo dos apóstolos, composto por pessoas humildes e analfabetas, conseguiu revolucionar a história do mundo, isso só se pode explicar com a ajuda de uma força divina: o Espírito Santo!

A angústia de uma ausência

O discurso de despedida de Jesus gira em torno do anúncio da sua partida iminente, que perturba profundamente o grupo. Quatro apóstolos fazem quatro perguntas a tal propósito. O número quatro é símbolo de totalidade e universalidade (como os quatro pontos cardeais). Os quatro – Pedro, Tomé, Filipe e Judas – representam cada um de nós. As perguntas que fazem a Jesus são também as nossas, aquelas que teríamos feito então e que continuamos a fazer hoje.

Entramos numa fase crítica de “mudança de época”, de contornos ainda obscuros, um desafio inédito: estimulante para alguns, inquietante para outros. Na nossa cultura ocidental, muitos crentes vivem esta crise como um “inverno eclesial” e uma “noite escura” da fé. A atmosfera daquela noite no Cenáculo pode simbolizar e iluminar o nosso presente de aparente “eclipse” de Deus.

1. Pedro: generosidade e fragilidade. A primeira pergunta é de Pedro. Ao anúncio da partida, Simão Pedro pergunta a Jesus: “Senhor, para onde vais?”. Jesus responde: “Para onde Eu vou, não podes seguir-me agora; seguir-me-ás mais tarde.” Pedro insiste: “Senhor, por que não posso seguir-Te agora? Darei a minha vida por Ti!”
Pedro é a imagem do discípulo decidido e generoso, que ama o seu Senhor, mas não leva em conta a própria fragilidade (cf. Jo 13,36-38). Quantas vezes também nós fizemos promessas semelhantes, para depois agir com covardia na hora da verdade. O Senhor não se escandaliza com a nossa fraqueza. Ele sabe esperar: “Seguir-me-ás mais tarde!”

2. Tomé: voluntariedade e incerteza. Jesus esclarece o objetivo da sua “viagem”: “Vou preparar-vos um lugar.” E acrescenta: “E do lugar para onde Eu vou, conheceis o caminho.”
Intervém Tomé, o discípulo prático e concreto, teimoso e voluntarioso: “Senhor, não sabemos para onde vais; como podemos conhecer o caminho?”
Também nós, muitas vezes, gostaríamos que o Senhor fosse mais explícito e claro na nossa vida. Com tantos caminhos atrativos diante de nós, sentimos-nos frequentemente desorientados.
Jesus responde: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim” (Jo 14,2-6). O Pai é o destino, e Jesus é o caminho para lá chegar, através da sua palavra e do seu exemplo.

3. Filipe: idealismo e concretismo. Jesus acrescenta ainda: “Se me conhecestes, também conhecereis o meu Pai; desde agora o conheceis e o vistes.”
Imagino que o grupo tenha ficado bastante perplexo com esta afirmação do Mestre, perguntando-se entre si quando teriam visto o Pai. É certo que Jesus falara continuamente do Pai, chegando a dizer que Ele e o Pai eram “um só” (Jo 10,30). Mas o Pai, na verdade, nunca O tinham visto!
Então intervém Filipe e pede: “Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta!” (Jo 14,8-10). Filipe, a meu ver, é o tipo de discípulo bom, idealista e simples. Também nós, por vezes, gostaríamos de “ver” sem mediações. No entanto, Jesus insiste: é preciso passar pela mediação do Filho. “Quem me vê, vê o Pai”; “Crede-me: Eu estou no Pai e o Pai está em mim.”

4. Judas: pragmatismo e impaciência. O quarto discípulo a intervir é Judas, não o Iscariotes, talvez Judas Tadeu ou um primo de Jesus. Quando Jesus fala de se manifestar a eles, aos discípulos, ele exclama, um tanto surpreso: “Senhor, como se explica que Te manifestarás a nós, e não ao mundo?”
Judas é o tipo de discípulo pragmático e impaciente com o rumo que os acontecimentos estão a tomar. A sua é uma observação bastante justa e razoável, diríamos. Eles, os discípulos, já O conheciam e acreditavam n’Ele. Jesus deveria manifestar-se com sinais e prodígios aos que ainda não criam.
A mesma coisa já Lhe tinham dito os seus parentes: “Se fazes estas coisas, manifesta-Te ao mundo” (Jo 7,3-5). A mesma, exata coisa diríamos muitos de nós hoje. Com crescente preocupação vemos diminuir o número de crentes, muitas vezes ridicularizados e perseguidos. Os valores evangélicos têm cada vez menos influência na sociedade. A guerra e a injustiça alastram... E Deus permanece em silêncio!

A surpresa de uma nova presença

O trecho do Evangelho de hoje apresenta a resposta de Jesus a Judas.
Começa com uma revelação extraordinária: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e viremos a ele e faremos nele a nossa morada.”
Aquele que os céus não podiam conter; que no passado se limitava a visitar os seus amigos Abraão, Jacó, Moisés...; que Se fazia presente na Arca da Aliança; que consentiu estabelecer a sua morada (Shekinah) no Templo; que nos últimos tempos Se tornara “Emanuel”, Deus no meio de nós... agora dá um passo ulterior e estabelece a sua Shekinah no coração do crente!

É algo inaudito, uma realidade misteriosa, íntima e profunda, que talvez ainda não tenhamos interiorizado. São Paulo percebeu isso muito bem quando afirmou que somos o Templo de Deus (cf. 1Cor 3,17 e 6,19; veja também 2Cor 6,16; Ef 3,17; Rom 8,11).

Talvez achemos isso grande demais para ser verdade. Ou, quem sabe, temos receio de ser acusados de pietismo, de intimismo ou de espiritualismo? Contudo, não há um “evangelho” mais belo e, ao mesmo tempo, mais revolucionário. O coração do crente – movido pelo amor e por uma fé operosa – torna-se uma espécie de rede (web) de relações de comunhão e de interação entre a humanidade e Deus.

Mas não pensemos que Deus espera uma recepção cinco estrelas! Basta-Lhe um coração simples e aberto: com uma mesa, uma toalha e uma flor fresca; o pão e uma jarra de água fresca (ou melhor ainda, uma garrafa de vinho!) sobre a mesa; algumas cadeiras em volta; e a porta entreaberta, convidando o viandante.

A cada um de nós cabe a fantasia e a criatividade para traduzir tudo isso em gestos concretos e num estilo de vida. Então seremos a irradiação da Shekinah, da Morada de Deus, testemunhas da Ressurreição!

Pe. Manuel João Pereira Correia, mccj

 

 




terça-feira, 20 de maio de 2025

A verdadeira novidade é o amor - P. Manuel João Pereira Correia, mccj

 A verdadeira novidade é o amor

Ano C - Tempo Pascal - 5º Domingo

Leituras: Actos 14,21-27; Salmo 144; Apocalipse 21,1-5;

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João 13,31-35: “Dou-vos um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros”.

 

Com os dois últimos domingos do tempo pascal, entramos na preparação imediata para as festas da Ascensão e do Pentecostes. São os domingos da despedida. O Evangelho deste domingo e do próximo oferece-nos excertos do discurso de despedida de Jesus aos seus discípulos na Última Ceia. É o seu testamento, antes da sua paixão e morte.

Porquê retomar estes textos precisamente no tempo pascal? A Igreja segue a antiga tradição de ler, durante este período, os cinco capítulos do Evangelho de João relativos à Última Ceia (capítulos 13 a 17), nos quais Jesus apresenta o sentido da sua morte e da sua “Páscoa”.

Além disso, poderíamos dizer que, tratando-se de um legado, o testamento deve ser aberto após a sua morte. Jesus deixa a sua herança, os seus bens, a nós, seus herdeiros. A sua herança por excelência é o mandamento do amor, tema da passagem evangélica de hoje.

 

1. Uma palavra une as três leituras de hoje: NOVO ou NOVIDADE.

 

Na primeira leitura, dos Actos dos Apóstolos, encontramos a notícia contada por Paulo e Barnabé à Igreja de Antioquia, que os tinha enviado em missão: “como Deus tinha aberto a porta da fé aos gentios”;

Na segunda leitura, tirada do Apocalipse, João vê “um novo céu e uma nova terra” e “a cidade santa, a nova Jerusalém, que desce do céu, vinda de Deus”, e ouve a Voz que diz: “Eis que faço novas todas as coisas”;

No Evangelho, Jesus dá-nos “um mandamento novo”.

Vivemos numa sociedade onde predomina o tédio, sobretudo entre os jovens. Precisamos de estímulos constantes, de novidades, para tornar os nossos dias mais atraentes. Infelizmente, muitas vezes confundimos novidade com diversidade. As novidades que nos são propostas são muitas vezes uma reciclagem do antigo, pelo que envelhecem rapidamente, deixando-nos desiludidos e insatisfeitos.

Por outro lado, as verdadeiras novidades assustam-nos porque perturbam os nossos princípios e o nosso modo de vida. Exigem que “nasçamos de novo”, como disse Jesus a Nicodemos (João 3,3).

Se isto é verdade para cada cristão, é igualmente verdade para cada comunidade cristã e para toda a Igreja. A fidelidade à Tradição não pode dissimular a tentação de cair no passado, em tradições antigas e ultrapassadas. A acusação feita à Igreja de estar ancorada ao passado deve fazer-nos questionar a nossa abertura ao sopro inovador do Espírito.

A escuta e o acolhimento da Palavra, que nos propõe a novidade, exigem de nós uma grande abertura de mente e de coração. O perigo é o de nos fecharmos ao novo, o que traz sempre alguns estragos à nossa vida. Pior ainda seria se esta Palavra ressoasse nos nossos ouvidos como “velha”, só porque a ouvimos tantas vezes! Peçamos, pois, ao Senhor que faça de nós “odres novos” para recebermos o seu “vinho novo”!

 

2. Uma nova GLÓRIA

 

“Quando Judas saiu [do Cenáculo], Jesus disse: 'Agora o Filho do Homem foi glorificado, e Deus foi glorificado nele'”.

Ao escutar o Evangelho de hoje, a nossa atenção dirige-se imediatamente para o “mandamento novo”, mas esta novidade é introduzida por uma outra, incompreensível, chocante e escandalosa, porque parece subverter a nossa visão da realidade.

Quando Judas sai para o entregar, em vez de exprimir tristeza e dor, Jesus fala de “glorificação” - e fá-lo cinco vezes. Jesus liga a sua glória, e a glória de Deus, à traição de Judas! De que glória se trata, então? A de ser levantado na cruz, porque a cruz é a manifestação máxima do amor de Deus.

Judas encarna a mentalidade do Messias “vencedor”; Jesus, pelo contrário, manifesta-se como um Messias “perdedor”. O verdadeiro Messias adopta a lógica do amor. “É por isso que o Pai me ama: porque dou a minha vida para a retomar” (Jo 10,17), disse o Bom Pastor no domingo passado.

 

Esta visão invertida da realidade é um murro no estômago quando comparada com a nossa constante busca de “vanglória”. Perguntemo-nos, então: que tipo de glória procuro, nos meus pensamentos, desejos, fantasias e intenções para as minhas acções? O tipo de glória que procuramos revela se temos fé ou não. Pois Jesus diz-nos: “Como podeis crer, vós que recebeis glória uns dos outros e não procurais a glória que vem do único Deus?” (João 5,44).

 

3. Um novo MANDAMENTO

 

“Filhinhos, por mais um pouco de tempo estou convosco. Dou-vos um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros”. (Ver também Jo 15,12 e 15,17).

Em que consiste esta novidade?

É “nova” porque não é espontânea nem natural, não nasce do instinto.

É nova porque se caracteriza pela gratuidade e não pela reciprocidade.

É novo porque abole o velho “olho por olho e dente por dente”.

É nova porque ultrapassa a sabedoria do antigo preceito: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Levítico 19,18).

É novo porque agora o padrão do amor é Jesus: “Como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros”.

É novo sobretudo porque nunca envelhecerá. O que vive no tempo envelhece, mais cedo ou mais tarde. Mas o que pertence aos “novos céus e à nova terra” não envelhece mais, porque participa da eternidade de Deus.

É novo porque é final e definitivo, escatológico, isto é, do fim. A fé e a esperança passarão, mas só o amor permanecerá (1 Cor 13,13). Porque o amor é a própria essência de Deus: “Deus é amor” (1Jo 4,8). Por isso, já não faz sentido distinguir entre o amor a Deus e o amor aos irmãos, entre o amor “vertical” e o amor “horizontal”, porque o amor é um só.

Este tipo de amor será o critério supremo para reconhecer o discípulo de Jesus:

“Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros.”

 

4. Como obter este novo AMOR?

 

Diz-se que o coração não pode ser comandado. Como, então, adquirir este amor? Contemplando-o na Eucaristia, onde este amor é celebrado. “Fixando o olhar em Jesus” (Hebreus 12,2). Contemplando com amor e ternura o Crucificado, onde este amor se consuma. Ou, nas palavras de São Daniel Comboni, dirigindo-se aos seus missionários:

“Mantenham sempre os olhos fixos em Jesus Cristo, amando-o ternamente e procurando compreender cada vez melhor o que significa um Deus morto na cruz para a salvação das almas. Se, com fé viva, contemplarem e saborearem um mistério de tal amor, serão bem-aventurados por se oferecerem para perder tudo e morrer por Ele e com Ele”. (Escritos, 2721-2722)

 

P. Manuel João Pereira Correia, mccj

 

segunda-feira, 19 de maio de 2025

Mudança na Constituição da Igreja - Anselmo Borges Padre e professor de Filosofia

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Crónicas PÁRA e PENSA
Mudança

na Constituição da Igreja

Anselmo Borges

Padre e professor de Filosofia

Estes dias desde a morte do Papa Francisco em que os meios de
comunicação social estiveram concentrados no Vaticano,
infelizmente muitas vezes nem sempre pelas melhores razões
cristãs no sentido fundo da palavra, pois lembrava-se por vezes
mais a pompa e o fausto das cortes imperiais dos antigos impérios,
deveriam ter sido uma ocasião para reflectir de modo fundo sobre
o cristianismo na sua profundidade essencial, a melhor mensagem
que alguma vez chegou à Humanidade na sua História e, dessa
reflexão, tirar necessárias e urgentes conclusões, para voltar
precisamente ao essencial.

1. É confrangedor e mesmo horripilante saber que há ainda
quem pregue e até ensine na catequese que Jesus veio ao mundo,
enviado por Deus, para ser crucificado como vítima expiatória
pelos pecados. Por causa do pecado dos primeiros pais, a
Humanidade tinha uma dívida infinita para com Deus, que Jesus
pagou na cruz, e assim Deus pôde aplacar a sua ira e reconciliar-
se com a Humanidade.

Em relação a este Deus bárbaro e macabro, pior do que qualquer
ser humano decente e que faz lembrar os deuses a quem as pessoas
sacrificavam os seus filhos primogénitos como vítimas para os
aplacar e implorar bens e graças, eu pessoalmente sou ateu.
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2. Na realidade, foi o contrário que se passou. Jesus anunciou
exactamente o contrário. Este é o seu Evangelho, notícia boa e
felicitante: Deus é bom, Abbá (querido Papá), Pai/Mãe. E todos
são seus filhos e filhas e ele só quer o bem deles, a sua alegria,
felicidade e realização plena de todos. Essa foi a mensagem de
Jesus por palavras e obras, seguindo-se que, se todos são filhos e
filhas, todos são irmãos e irmãs e devem agir em consequência

Era evidente que essa mensagem ia contra os interesses do
Templo. Jesus enfrentou concretamente o sacerdócio judaico
parece que havia uns 20 000 sacerdotes e levitas e Flávio Josefo
refere que numa páscoa degolaram 255 600 cordeiros. Segundo
Jesus, é preciso aprender que o que Deus quer é justiça e
misericórdia, dizia-lhes: "Ide aprender: Deus não quer sacrifícios
rituais de vítimas, quer justiça e misericórdia". A mensagem de
Jesus também ia contra os interesses de Roma, pois os impérios
não existem para a fraternidade, mas para a exploração...

Jesus sabia, portanto, que punha em risco a sua vida, mas não se
acobardou. Pelo contrário, foi até ao fim para dar testemunho da
Verdade e do Amor. Assim, foi julgado e condenado à morte e
morte de Cruz: o horror pura e simplesmente. Ele, o inocente, foi
vítima não de Deus, mas dos homens, vítima de um assassinato.
Deus, porém, ressuscitou-o: Jesus, na morte, não encontrou o nada,
mas a plenitude da vida, e os discípulos acreditaram e foram
anunciar a Boa Nova e surgiram comunidades de cristãos e cristãs.
Eles amavam como Jesus mandara: “Dou-vos um mandamento
novo: amai-vos uns aos outros como eu vos amei.”. E reuniam-se
em banquetes festivos e fraternos para recordar a Última Ceia e
outros banquetes de Jesus, a sua mensagem, a sua morte, a sua
ressurreição, celebrar e aprofundar a fé e a esperança, animar a
caridade, o amor... E a celebração acontecia na casa de um cristão
ou cristã com uma casa maior e melhor, e quem presidia era o dono
ou a dona da casa.
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3. Com o tempo (século III) quem explicou isso bem foi
Herbert Haag, Professor da Universidade de Tubinga, talvez o
maior exegeta do século XX, que tive o privilégio de ter como
querido amigo , também porque os cristãos iam sendo acusados
de ateus por não oferecerem sacrifícios à divindade, a Eucaristia
foi perdendo esse carácter de banquete festivo e fraterno e surgiu a
sua interpretação como sacrifício o manual de Teologia por que
estudei em jovem ainda falava na Missa como mactatio mystica
Christi (matação, imolação mística de Cristo, discutindo-se se a
imolação era real, moral, sacramental) e, quando presentemente
nas igrejas se olha para os altares laterais, vem à lembrança o
tempo ainda recente em que vários sacerdotes iam oferecendo, só
com um acólito, que nada entendia, até porque era em latim, o
“santo sacrifício da Missa” por diversas intenções, e ainda não se
acabou com o absurdo dos “Trintários de Missas e, com a
interpretação da Eucaristia como sacrifício de expiação pelos
pecados, começou a ordenação sacerdotal e, assim, na Igreja
apareceram duas classes: o clero com todos os seus privilégios e
os leigos. Totalmente contra o que Jesus queria: "sois todos
irmãos". E nem Jesus nem os Apóstolos ordenaram sacerdotes.
Mas, com a ordenação sacerdotal, apareceu não só uma Igreja com
duas classes o clero e o povo , mas foi-se também impondo o
celibato, e as mulheres, que antes também tinham presidido, foram
excluídas, por causa da impureza ritual

E nem Francisco abriu a porta à ordenação presbiteral
intencionalmente, não utilizo a palavra sacerdotal das mulheres
nem à ordenação de homens casados e ao fim da lei do celibato

4. Para voltar a Jesus, impõe-se uma mudança na Constituição
da Igreja, uma verdadeira revolução, que implica, como explico
longamente no meu mais recente livro: O Mundo e a Igreja. Que
Futuro?, "pôr fim à ordenação de sacerdotes".

Evidentemente, na Igreja não sou anarquista haverá, como
desde o início houve, funções, ministérios e serviços ordenados,
que até podem ser temporários, de homens e mulheres, mas não
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com a ordenação sacerdotal, com ordens sacras, o que é
completamente diferente.

De facto, segundo a doutrina oficial, a ordenação sacerdotal
implica uma transformação ontológica do ordenado, fazendo dele
um "alter Christus", "outro Cristo", só ele podendo presidir à
Eucaristia e perdoar os pecados na confissão. Com a ordenação
sacerdotal, a Igreja não tem reforma possível, por causa da sua
divisão automática em duas classes, repito: clero e povo, de tal
modo que, quando se fala em Igreja, o que se está normalmente a
referir é menos de 1% da Igreja: a chamada hierarquia. E Jesus
tinha dito: "sois todos irmãos".

E aí estão a peste do clericalismo e a pompa e o luxo destes dias.
E, quando se entrou em conclave para eleger o novo Papa,
esteve aquele “extra omnes”: fora todos, todos os que não
pertencem ao conclave, ao qual só pertence o topo da hierarquia,
aliás num sistema endogâmico, pois aqueles 133 cardeais eleitores
são purpurados criados por Papas anteriores, portanto,
evidentemente, sem nenhuma mulher, mesmo se mais de metade
dos católicos são mulheres...

Sábado, 17 de Maio de 2025