A verdadeira novidade é o amor
Ano C - Tempo Pascal - 5º Domingo
Leituras: Actos 14,21-27; Salmo 144; Apocalipse 21,1-5;
++++++++++++++++++++
João 13,31-35: “Dou-vos um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros”.
Com
os dois últimos domingos do tempo pascal, entramos na preparação
imediata para as festas da Ascensão e do Pentecostes. São os domingos da
despedida. O Evangelho deste domingo e do próximo oferece-nos excertos
do discurso de despedida de Jesus aos seus discípulos na Última Ceia. É o
seu testamento, antes da sua paixão e morte.
Porquê
retomar estes textos precisamente no tempo pascal? A Igreja segue a
antiga tradição de ler, durante este período, os cinco capítulos do
Evangelho de João relativos à Última Ceia (capítulos 13 a 17), nos quais
Jesus apresenta o sentido da sua morte e da sua “Páscoa”.
Além
disso, poderíamos dizer que, tratando-se de um legado, o testamento
deve ser aberto após a sua morte. Jesus deixa a sua herança, os seus
bens, a nós, seus herdeiros. A sua herança por excelência é o mandamento
do amor, tema da passagem evangélica de hoje.
1. Uma palavra une as três leituras de hoje: NOVO ou NOVIDADE.
Na
primeira leitura, dos Actos dos Apóstolos, encontramos a notícia
contada por Paulo e Barnabé à Igreja de Antioquia, que os tinha enviado
em missão: “como Deus tinha aberto a porta da fé aos gentios”;
Na
segunda leitura, tirada do Apocalipse, João vê “um novo céu e uma nova
terra” e “a cidade santa, a nova Jerusalém, que desce do céu, vinda de
Deus”, e ouve a Voz que diz: “Eis que faço novas todas as coisas”;
No Evangelho, Jesus dá-nos “um mandamento novo”.
Vivemos
numa sociedade onde predomina o tédio, sobretudo entre os jovens.
Precisamos de estímulos constantes, de novidades, para tornar os nossos
dias mais atraentes. Infelizmente, muitas vezes confundimos novidade com
diversidade. As novidades que nos são propostas são muitas vezes uma
reciclagem do antigo, pelo que envelhecem rapidamente, deixando-nos
desiludidos e insatisfeitos.
Por
outro lado, as verdadeiras novidades assustam-nos porque perturbam os
nossos princípios e o nosso modo de vida. Exigem que “nasçamos de novo”,
como disse Jesus a Nicodemos (João 3,3).
Se
isto é verdade para cada cristão, é igualmente verdade para cada
comunidade cristã e para toda a Igreja. A fidelidade à Tradição não pode
dissimular a tentação de cair no passado, em tradições antigas e
ultrapassadas. A acusação feita à Igreja de estar ancorada ao passado
deve fazer-nos questionar a nossa abertura ao sopro inovador do
Espírito.
A
escuta e o acolhimento da Palavra, que nos propõe a novidade, exigem de
nós uma grande abertura de mente e de coração. O perigo é o de nos
fecharmos ao novo, o que traz sempre alguns estragos à nossa vida. Pior
ainda seria se esta Palavra ressoasse nos nossos ouvidos como “velha”,
só porque a ouvimos tantas vezes! Peçamos, pois, ao Senhor que faça de
nós “odres novos” para recebermos o seu “vinho novo”!
2. Uma nova GLÓRIA
“Quando Judas saiu [do Cenáculo], Jesus disse: 'Agora o Filho do Homem foi glorificado, e Deus foi glorificado nele'”.
Ao
escutar o Evangelho de hoje, a nossa atenção dirige-se imediatamente
para o “mandamento novo”, mas esta novidade é introduzida por uma outra,
incompreensível, chocante e escandalosa, porque parece subverter a
nossa visão da realidade.
Quando
Judas sai para o entregar, em vez de exprimir tristeza e dor, Jesus
fala de “glorificação” - e fá-lo cinco vezes. Jesus liga a sua glória, e
a glória de Deus, à traição de Judas! De que glória se trata, então? A
de ser levantado na cruz, porque a cruz é a manifestação máxima do amor
de Deus.
Judas
encarna a mentalidade do Messias “vencedor”; Jesus, pelo contrário,
manifesta-se como um Messias “perdedor”. O verdadeiro Messias adopta a
lógica do amor. “É por isso que o Pai me ama: porque dou a minha vida
para a retomar” (Jo 10,17), disse o Bom Pastor no domingo passado.
Esta
visão invertida da realidade é um murro no estômago quando comparada
com a nossa constante busca de “vanglória”. Perguntemo-nos, então: que
tipo de glória procuro, nos meus pensamentos, desejos, fantasias e
intenções para as minhas acções? O tipo de glória que procuramos revela
se temos fé ou não. Pois Jesus diz-nos: “Como podeis crer, vós que
recebeis glória uns dos outros e não procurais a glória que vem do único
Deus?” (João 5,44).
3. Um novo MANDAMENTO
“Filhinhos,
por mais um pouco de tempo estou convosco. Dou-vos um novo mandamento:
que vos ameis uns aos outros”. (Ver também Jo 15,12 e 15,17).
Em que consiste esta novidade?
É “nova” porque não é espontânea nem natural, não nasce do instinto.
É nova porque se caracteriza pela gratuidade e não pela reciprocidade.
É novo porque abole o velho “olho por olho e dente por dente”.
É nova porque ultrapassa a sabedoria do antigo preceito: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Levítico 19,18).
É novo porque agora o padrão do amor é Jesus: “Como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros”.
É
novo sobretudo porque nunca envelhecerá. O que vive no tempo envelhece,
mais cedo ou mais tarde. Mas o que pertence aos “novos céus e à nova
terra” não envelhece mais, porque participa da eternidade de Deus.
É
novo porque é final e definitivo, escatológico, isto é, do fim. A fé e a
esperança passarão, mas só o amor permanecerá (1 Cor 13,13). Porque o
amor é a própria essência de Deus: “Deus é amor” (1Jo 4,8). Por isso, já
não faz sentido distinguir entre o amor a Deus e o amor aos irmãos,
entre o amor “vertical” e o amor “horizontal”, porque o amor é um só.
Este tipo de amor será o critério supremo para reconhecer o discípulo de Jesus:
“Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros.”
4. Como obter este novo AMOR?
Diz-se
que o coração não pode ser comandado. Como, então, adquirir este amor?
Contemplando-o na Eucaristia, onde este amor é celebrado. “Fixando o
olhar em Jesus” (Hebreus 12,2). Contemplando com amor e ternura o
Crucificado, onde este amor se consuma. Ou, nas palavras de São Daniel
Comboni, dirigindo-se aos seus missionários:
“Mantenham
sempre os olhos fixos em Jesus Cristo, amando-o ternamente e procurando
compreender cada vez melhor o que significa um Deus morto na cruz para a
salvação das almas. Se, com fé viva, contemplarem e saborearem um
mistério de tal amor, serão bem-aventurados por se oferecerem para
perder tudo e morrer por Ele e com Ele”. (Escritos, 2721-2722)
P. Manuel João Pereira Correia, mccj