segunda-feira, 26 de maio de 2025

O crente irradiação da Shekinah de Deus - Pe. Manuel João Pereira Correia, mccj

 

O crente irradiação da Shekinah de Deus

Ano C – Tempo Pascal – 6º Domingo
João 14,23-29: “Viremos a ele e faremos nele a nossa morada.”

Aproximamo-nos das festas da Ascensão e de Pentecostes. O Evangelho deste domingo, como o do domingo passado, oferece-nos um trecho do longo discurso de despedida de Jesus durante a Última Ceia. Ao anunciar a sua partida, o ambiente enche-se de tristeza. O abatimento, a perplexidade e o medo percorrem os discípulos. Jesus tranquiliza-os, convidando-os a não temer (cf. Jo 14,1.27) e promete que a sua tristeza se transformará em alegria (Jo 16,20.22).

O dom da paz e o Paráclito

Jesus procura garantir a coesão do grupo dos discípulos. No domingo passado, o Senhor entregou-lhes – e a nós – o mandamento do amor. Hoje oferece a paz: “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz.” Notemos bem: Jesus não deseja a paz, Ele a dá! Aquela que fora a sua paz, agora a entrega a nós. Uma paz tão forte e profunda que nem mesmo a perseguição a pode suplantar.

Além disso, Jesus promete outro dom: o Espírito Santo. “O Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, Ele vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que Eu vos disse.”
Repetidamente, no seu discurso, Jesus reafirma esta promessa do envio do Espírito (Jo 14,16-17; 14,26; 15,26; 16,7-11; 16,13-15), acrescentando a cada vez novos detalhes sobre a missão do Espírito Santo, chamado a continuar a obra de Jesus.

É o Espírito Santo que torna sólida e duradoura a paz do cristão, pois Ele é o nosso Paráclito – Parákletos em grego –, ou seja, o “Advogado” que está ao nosso lado como defensor e consolador. Se o pequeno e desorientado grupo dos apóstolos, composto por pessoas humildes e analfabetas, conseguiu revolucionar a história do mundo, isso só se pode explicar com a ajuda de uma força divina: o Espírito Santo!

A angústia de uma ausência

O discurso de despedida de Jesus gira em torno do anúncio da sua partida iminente, que perturba profundamente o grupo. Quatro apóstolos fazem quatro perguntas a tal propósito. O número quatro é símbolo de totalidade e universalidade (como os quatro pontos cardeais). Os quatro – Pedro, Tomé, Filipe e Judas – representam cada um de nós. As perguntas que fazem a Jesus são também as nossas, aquelas que teríamos feito então e que continuamos a fazer hoje.

Entramos numa fase crítica de “mudança de época”, de contornos ainda obscuros, um desafio inédito: estimulante para alguns, inquietante para outros. Na nossa cultura ocidental, muitos crentes vivem esta crise como um “inverno eclesial” e uma “noite escura” da fé. A atmosfera daquela noite no Cenáculo pode simbolizar e iluminar o nosso presente de aparente “eclipse” de Deus.

1. Pedro: generosidade e fragilidade. A primeira pergunta é de Pedro. Ao anúncio da partida, Simão Pedro pergunta a Jesus: “Senhor, para onde vais?”. Jesus responde: “Para onde Eu vou, não podes seguir-me agora; seguir-me-ás mais tarde.” Pedro insiste: “Senhor, por que não posso seguir-Te agora? Darei a minha vida por Ti!”
Pedro é a imagem do discípulo decidido e generoso, que ama o seu Senhor, mas não leva em conta a própria fragilidade (cf. Jo 13,36-38). Quantas vezes também nós fizemos promessas semelhantes, para depois agir com covardia na hora da verdade. O Senhor não se escandaliza com a nossa fraqueza. Ele sabe esperar: “Seguir-me-ás mais tarde!”

2. Tomé: voluntariedade e incerteza. Jesus esclarece o objetivo da sua “viagem”: “Vou preparar-vos um lugar.” E acrescenta: “E do lugar para onde Eu vou, conheceis o caminho.”
Intervém Tomé, o discípulo prático e concreto, teimoso e voluntarioso: “Senhor, não sabemos para onde vais; como podemos conhecer o caminho?”
Também nós, muitas vezes, gostaríamos que o Senhor fosse mais explícito e claro na nossa vida. Com tantos caminhos atrativos diante de nós, sentimos-nos frequentemente desorientados.
Jesus responde: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim” (Jo 14,2-6). O Pai é o destino, e Jesus é o caminho para lá chegar, através da sua palavra e do seu exemplo.

3. Filipe: idealismo e concretismo. Jesus acrescenta ainda: “Se me conhecestes, também conhecereis o meu Pai; desde agora o conheceis e o vistes.”
Imagino que o grupo tenha ficado bastante perplexo com esta afirmação do Mestre, perguntando-se entre si quando teriam visto o Pai. É certo que Jesus falara continuamente do Pai, chegando a dizer que Ele e o Pai eram “um só” (Jo 10,30). Mas o Pai, na verdade, nunca O tinham visto!
Então intervém Filipe e pede: “Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta!” (Jo 14,8-10). Filipe, a meu ver, é o tipo de discípulo bom, idealista e simples. Também nós, por vezes, gostaríamos de “ver” sem mediações. No entanto, Jesus insiste: é preciso passar pela mediação do Filho. “Quem me vê, vê o Pai”; “Crede-me: Eu estou no Pai e o Pai está em mim.”

4. Judas: pragmatismo e impaciência. O quarto discípulo a intervir é Judas, não o Iscariotes, talvez Judas Tadeu ou um primo de Jesus. Quando Jesus fala de se manifestar a eles, aos discípulos, ele exclama, um tanto surpreso: “Senhor, como se explica que Te manifestarás a nós, e não ao mundo?”
Judas é o tipo de discípulo pragmático e impaciente com o rumo que os acontecimentos estão a tomar. A sua é uma observação bastante justa e razoável, diríamos. Eles, os discípulos, já O conheciam e acreditavam n’Ele. Jesus deveria manifestar-se com sinais e prodígios aos que ainda não criam.
A mesma coisa já Lhe tinham dito os seus parentes: “Se fazes estas coisas, manifesta-Te ao mundo” (Jo 7,3-5). A mesma, exata coisa diríamos muitos de nós hoje. Com crescente preocupação vemos diminuir o número de crentes, muitas vezes ridicularizados e perseguidos. Os valores evangélicos têm cada vez menos influência na sociedade. A guerra e a injustiça alastram... E Deus permanece em silêncio!

A surpresa de uma nova presença

O trecho do Evangelho de hoje apresenta a resposta de Jesus a Judas.
Começa com uma revelação extraordinária: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e viremos a ele e faremos nele a nossa morada.”
Aquele que os céus não podiam conter; que no passado se limitava a visitar os seus amigos Abraão, Jacó, Moisés...; que Se fazia presente na Arca da Aliança; que consentiu estabelecer a sua morada (Shekinah) no Templo; que nos últimos tempos Se tornara “Emanuel”, Deus no meio de nós... agora dá um passo ulterior e estabelece a sua Shekinah no coração do crente!

É algo inaudito, uma realidade misteriosa, íntima e profunda, que talvez ainda não tenhamos interiorizado. São Paulo percebeu isso muito bem quando afirmou que somos o Templo de Deus (cf. 1Cor 3,17 e 6,19; veja também 2Cor 6,16; Ef 3,17; Rom 8,11).

Talvez achemos isso grande demais para ser verdade. Ou, quem sabe, temos receio de ser acusados de pietismo, de intimismo ou de espiritualismo? Contudo, não há um “evangelho” mais belo e, ao mesmo tempo, mais revolucionário. O coração do crente – movido pelo amor e por uma fé operosa – torna-se uma espécie de rede (web) de relações de comunhão e de interação entre a humanidade e Deus.

Mas não pensemos que Deus espera uma recepção cinco estrelas! Basta-Lhe um coração simples e aberto: com uma mesa, uma toalha e uma flor fresca; o pão e uma jarra de água fresca (ou melhor ainda, uma garrafa de vinho!) sobre a mesa; algumas cadeiras em volta; e a porta entreaberta, convidando o viandante.

A cada um de nós cabe a fantasia e a criatividade para traduzir tudo isso em gestos concretos e num estilo de vida. Então seremos a irradiação da Shekinah, da Morada de Deus, testemunhas da Ressurreição!

Pe. Manuel João Pereira Correia, mccj

 

 




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