1. Para mim, Jesus Cristo foi desde sempre, é e será o ser
sublime, supremo e ideal que a humanidade produziu. Enquanto Judeu, é o único
orgulho que sinto de ser da sua raça. A sua existência, as suas palavras, o seu
sacrifício e a sua fé deram ao mundo o mais nobre presente jamais recebido: o
do amor, do amor do próximo, do amor do pobre, a compaixão, a humildade, enfim
todos os sentimentos que enobrecem o ser humano… é o Homem supremo. Estas são
palavras do famoso músico Arthur Rubinstein (1887-1982).
Santa
Tereza de Avila[1]
(1515-1582), com ascendência judaica, escreveu um dos mais belos sonetos da
literatura espanhola, nascidos da sua paixão por Jesus: (…) Muéveme, enfin, tu amor de tal
manera/ que aunque no hubiera cielo, yo te amara,/ y aunque no hubiera
infierno, te temiera (…).
O Papa Francisco, no prefácio a uma Bíblia para jovens de
língua alemã, escreveu: “Gostaria de vos dizer uma coisa: hoje - ainda mais do
que no início da Igreja - os cristãos são perseguidos; qual é a razão? São
perseguidos porque carregam uma cruz e dão testemunho de Cristo; são condenados
porque possuem uma Bíblia. Com toda a evidência, a Bíblia é um livro
extremamente perigoso, tanto que nalguns países quem possui uma Bíblia é
tratado como se escondesse bombas no armário!”
Bergoglio recordou que Mahatma Gandhi, que não era cristão, tinha
afirmado: “Aos cristãos foi confiado um texto com a quantidade de dinamite
suficiente para fazer explodir em mil pedaços a civilização inteira, para virar
o mundo de cabeça para baixo e trazer a paz a um planeta devastado pela guerra,
mas tratam-no como se fosse uma simples obra literária, nada mais”.
O Papa acrescenta aos jovens. Tendes nas mãos algo divino:
um livro de fogo, um livro no qual Deus fala. Por isso recordai-vos: a Bíblia não é feita para ser posta na
estante.
Seria uma estupidez fundamentalista pensar que basta abrir a
Bíblia, para entrar naquele universo cultural, que não é um ditado divino. É a
biblioteca de um povo, de épocas diferentes, muito diferentes, com grande
diversidade de géneros literários. É indissociável do estudo e dos métodos de
interpretação[2]
Conta-se nos Actos
dos Apóstolos[3]
que um etíope, funcionário real, regressando de Jerusalém, sentado no seu coche,
lia o profeta Isaías. Filipe, discípulo de Cristo, perguntou-lhe: “compreendes
o que lês?” Como poderia, se não há quem mo explique?
2. O Novo
Testamento exprime-se em 27 livros, reconhecidos como canónicos. A grande
maioria foi escrita em grego, entre os anos 50 e 90 d.C. Cobre vários espaços
geográficos e culturais, estilos de vida e de pensamento espantosamente ricos e
diversos. As diferenças entre eles reflectem um impressionante pluralismo
teológico nas primeiras comunidades cristãs, a ponto de se ter dito que, nos
escritos da época apostólica, se pode reconhecer um “catolicismo primitivo”,
“um protestantismo primitivo” e uma “ortodoxia (oriental) primitiva”.
Esta lista canónica, ao reconhecer a validade da diversidade
de expressão teológica, demarca, ao mesmo tempo, os limites da diversidade
aceitável dentro da Igreja[4].
3. O assunto de
todos os escritos do Novo Testamento é, no entanto, Jesus de Nazaré,
reconhecido como Cristo pelas comunidades que, em seu nome, se foram formando,
não sem muitos conflitos de interpretação.
Ponto assente: Ele
não escreveu nada, nada mandou escrever nem deu o seu imprimatur a nenhum dos livros ou cartas que, sobre ele, foram
escritos. Não existe nenhuma biografia
encomendada por ele ou por ele autorizada. O cristianismo nasce no reino da
liberdade criadora!
Daqui nasceu a convicção de que acerca de Jesus de Nazaré
nada ou quase nada se pode saber de historicamente documentado. Apesar disso, surgiram,
sobretudo a partir do séc. XIX, crentes e agnósticos interessados na descoberta
do “Jesus histórico”.
Xavier Pikaza[5] tentou apresentar o
percurso sinuoso das diversas tentativas que, desde Albert Schweitzer até Senén
Vidal - passando por J.D. Crossan, Sanders , G. Theissen e J. P. Meier – procuraram
desenhar um perfil histórico de Jesus de Nazaré. Foi um esforço que ocupou
muitos especialistas do séc. XX e começos deste século. No meu entender, o pouco que foi
conseguido já é muito.
A cristologia, sem fundamento histórico, é vazia. Apesar do
enraizamento de Jesus na cultura judaica, muito plural, isso não impediu um
itinerário independente e original. Para os próprios judeus que o seguiram,
Jesus era algo de muito novo.
Foi morto, de forma planeada, pelos Sumos Sacerdotes do
Templo e pelas autoridades locais do império Romano, sob Pôncio Pilatos. Que terá havido no comportamento de Jesus para
que um derrotado seja a base e o impulso de uma esperança invencível?
10.01.2016
[4]
Julio Trebolle Barrera- A Bíblia Judaica e a Bíblia Cristã,
Vozes, Petropolis, 1999, 2ª ed. p 299
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