segunda-feira, 12 de junho de 2023

Man hu? O que é? Pe. João MC

 Man hu? O que é? 

Solenidade do Corpo e Sangue de Cristo
Evangelho: João 6,51-58

Sessenta dias depois da Páscoa, na quinta-feira depois da Santíssima Trindade, a Igreja celebra a Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, também chamada festa do Corpus Christi ou do Corpo de Deus. É uma das três quintas-feiras mais solenes do ano litúrgico: Quinta-feira Santa, Quinta-feira da Ascensão e Quinta-feira do Corpo de Deus. Por razões práticas, em muitos países, tanto o dia da Ascensão como o dia do Corpo de Deus são transferidos para o domingo a seguir à Santíssima Trindade.

As origens desta festa remontam ao século XIII, na Bélgica, mas recebeu um forte impulso com os milagres eucarísticos de Bolsena e Lanciano, na Itália. Esta solenidade parece quase uma duplicação da Quinta-feira Santa. E, de facto, de certa forma, é-o. Na Quinta-feira Santa, a Igreja não tinha podido exprimir toda a sua alegria e gratidão pelo dom supremo da Eucaristia, dado o contexto da paixão. Eis, portanto, a razão profunda desta festa de hoje.

RECORDA-TE!

A primeira palavra que soa aos nossos ouvidos nas leituras de hoje é RECORDA-TE:"Recorda-te de todo o caminho que o Senhor teu Deus te fez percorrer durante quarenta anos no deserto(primeira leitura, Deuteronómio capítulo 8). É um convite muito oportuno e urgente para nós, mulheres e homens desta geração, inclinados a esquecer o passado, alienados no presente, desenraizados da história e, portanto, despreocupados com o futuro. 

Esta tendência cultural ameaça também minar a identidade cristã. Nelson Mandela disse: "a memória é o tecido da identidade". Um cristão e uma comunidade cristã que não cultivem a memória de Deus e das suas obras correm o risco de perder a sua identidade e de não conseguir compreender o presente. É por isso que Moisés, no Deuteronómio, insiste tanto no binómio escuta/lembrança (ver 6,4-10.12; 8,2.14.18). 

O crente que não se lembra do Deus-libertador cai facilmente na escravidão, regressa ao Egipto e tem de fazer todo o caminho de novo! O cristão sem memória não tem o Espírito, porque a tarefa do Espírito é ensinar e recordar: "O Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, ensinar-vos-á todas as coisas e recordar-vos-á tudo o que vos tenho dito" (João 14,26). O cristão sem memória é incapaz de uma verdadeira escuta da Bíblia, que é, de facto, a memória da história da aliança de Deus com o seu povo, das "mirabilia Dei"! Sem a memória afectiva do coração, não podemos celebrar a Eucaristia, o memorial por excelência: "Fazei isto em memória de mim" (1 Coríntios 11,23-26).

UM SÓ PÃO, UM SÓ CORPO!

A segunda leitura é para mim um grande conforto: "Visto que há um só pão, nós, embora sejamos muitos, formamos um só corpo, porque participamos do único pão"(1 Coríntios 10,16-17). 

Desde 13 de Outubro de 2020, devido à minha doença (ELA), não posso comungar o Corpo e o Sangue de Cristo. Tenho de confiar naquela "só palavra" antes da comunhão: "Senhor eu não sou digno que entreis em minha morada, mas dizei uma só palavra e serei salvo". Não sei que palavra o Senhor me diz, mas a ela me confio! 

A minha condição levou-me a pensar muitas vezes nos cristãos que não podem receber a Sagrada Comunhão, sobretudo devido a problemas matrimoniais, muitas vezes sem solução. De certa forma, partilho a sua dor. Acho que a nossa atitude para com eles não é evangélica, tendo em conta que a comunhão não é uma recompensa para os "justos" ou para aqueles que são "dignos" dela, mas um remédio para os pecadores que todos somos. 

Celebrar a Eucaristia todos os dias com os meus irmãos levou-me sobretudo a reflectir sobre a dimensão comunitária da Eucaristia: um só Pão para um só Corpo! Este corpo é a Igreja, é a comunidade. Cristo dá-se a todo o corpo. Os meus irmãos são o meu corpo que comunga, através deles, o Corpo de Cristo. Isto aplica-se a mim e a todos os cristãos que celebram a Eucaristia!

MANÁ, MAN HU? O QUE É? 

O Maná que alimentou o povo de Israel no deserto é uma figura da Eucaristia, o Pão essencial para a nossa sobrevivência. Tradicionalmente, pensa-se que o vocabulário Maná provém de Man hu? ou seja: "O que é isto?", quando os israelitas se interrogaram, surpreendidos, ao vê-lo descer do céu. Pois bem, Jesus diz-nos hoje: "Eu sou o pão vivo descido do Céu... Este é o pão que desceu do Céu; não é como aquele que os vossos pais comeram, e morreram; quem comer deste pão viverá eternamente" (João 6,51-58). É ele o verdadeiro Maná. Os judeus que o ouviram ficaram escandalizados. Nós, infelizmente, não! Tomamos isto como um dado adquirido, mas até que ponto o levamos a sério? Os olhos do corpo vêem um pedacinho de pão, mas será que os olhos do coração, da fé, vêem outra coisa? Ou será que também estão cegos?

Exercício espiritual para a semana 

1. Antes de comungares, olha com admiração para o Pão que tens na mão e pergunta a ti mesmo: Man hu? O que é isto? E o Senhor responder-te-á: É o meu corpo!

2) "Se olharmos ao nosso redor, damo-nos conta de que existem muitas ofertas de alimento que não derivam do Senhor e que aparentemente satisfazem em maior medida... Hoje, cada um de nós pode perguntar-se: e eu? Onde quero comer? De que mesa me desejo alimentar? Na mesa do Senhor? Ou então sonho em comer alimentos saborosos, mas na escravidão? Além disso, cada um de nós pode interrogar-se: qual é a minha memória? A do Senhor que me salva, ou a do alho e das cebolas da escravidão? Com que memória sacio a minha alma?" (Papa Francisco, 19 de Junho de 2014)

P. Manuel João, Comboniano
Cidade de Castel d'Azzano (Verona) 8 de Junho de 2023

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