quinta-feira, 28 de novembro de 2024

O milagre da esperança - P.e Manuel João, MC

 O milagre da esperança

 

Ano C – Advento – 1º Domingo

Lucas 21,25-28.34-36: “Vigiai e orai em todo o tempo”

Com o primeiro domingo do Advento, inicia-se o ano litúrgico “C”, durante o qual teremos como guia o evangelista Lucas. Ao longo de cerca de doze meses, reviveremos os mistérios da vida do Senhor. Se o ano civil é marcado por ritmos e eventos específicos, o do cristão é pontuado pelos mistérios da vida de Cristo, que dão profundidade e sentido à sua história. Enquanto o ano civil tem uma direção predominantemente circular, caracterizada pela repetição, o do cristão assume uma forma em espiral: não se repete, mas convida a um aprofundamento progressivo. Um novo ano traz-nos a graça de novos começos e a possibilidade de retomar a vida com um renovado entusiasmo.

Cada ciclo litúrgico começa com o tempo do Advento. Advento, do latim Adventus, significa "vinda", a vinda de Cristo. Mas de que vinda se trata? Espontaneamente pensamos na do Natal, pois preparamo-nos para celebrar a memória do nascimento de Jesus. Contudo, o novo ano litúrgico conecta-se ao ponto final do anterior: o anúncio do regresso do Senhor como Rei do universo, Juiz da humanidade e Ômega da história. Por isso, no evangelho de hoje, ouvimos a conclusão do discurso escatológico de Jesus segundo o Evangelho de Lucas: “Então, hão-de ver o Filho do homem vir numa nuvem, com grande poder e glória”. Este mesmo trecho foi proclamado no Evangelho de Marcos há duas semanas e hoje é apresentado na versão de Lucas.

O Advento remete, antes de mais, para a atitude do cristão voltado para o futuro. Deus vem do futuro! Um futuro que não devemos temer, mas desejar, porque não representa o fim, mas o cumprimento da nossa vida e a realização das promessas divinas: “Quando estas coisas começarem a acontecer, erguei-vos e levantai a cabeça, porque a vossa libertação está próxima”. No primeiro domingo do Advento continua, assim, a ressoar a última invocação da Igreja, que aguarda o seu Esposo: “Marána tha! Vem, Senhor” (Apocalipse 22,20).

O Advento está estruturado em quatro domingos que nos conduzem ao Natal. É o segundo dos chamados "tempos fortes", como a Quaresma que prepara a Páscoa. Os quatro domingos do Advento evocam simbolicamente os 40 dias da Quaresma. Contudo, entre Advento e Quaresma existe uma grande diferença: enquanto no tempo quaresmal prevalece uma dimensão penitencial, no Advento domina a alegre expectativa.

O cristão vive no "entretanto", entre duas vindas: a de Cristo na carne e o seu regresso na glória. No entanto, neste "entretanto" há também uma terceira vinda, que se manifesta no presente. Como afirma São Bernardo num célebre sermão sobre o Advento: “Conhecemos uma tríplice vinda do Senhor. Uma vinda oculta situa-se, de facto, entre as outras duas que são manifestas. (…) Oculta é, porém, a vinda intermédia, em que só os eleitos a veem dentro de si mesmos e as suas almas são salvas por ela. Na primeira vinda, pois, ele veio na fraqueza da carne; nesta intermédia, vem no poder do Espírito; na última, virá na majestade da glória. Assim, esta vinda intermédia é, por assim dizer, um caminho que une a primeira à última”.

Pontos de reflexão

“Tende cuidado convosco!”: a trombeta do Advento
“Tende cuidado convosco, não suceda que os vossos corações se tornem pesados pela intemperança, a embriaguez e as preocupações da vida, e esse dia não vos surpreenda subitamente como uma armadilha”. Quão forte e atual é este aviso de Jesus! É como uma trombeta que tenta despertar as nossas consciências, frequentemente adormecidas, se não mesmo anestesiadas. Quantos de nós estamos realmente conscientes de que esta é a situação em que vivemos, deliberadamente procurada por poderes – não tão ocultos assim – que manipulam o destino do mundo? Querem manter-nos adormecidos, incapazes de olhar na direção em que caminhamos e indiferentes à injustiça reinante. Hoje, quem está desperto e livre é frequentemente considerado uma “ameaça”. Pois bem, a Palavra de Deus, neste tempo de Advento, é a trombeta que quer despertar-nos antes que seja tarde demais!

“Portanto, vigiai e orai em todo o tempo!”: o despertador do Advento
Manter-se desperto não é fácil. É fácil deixarmo-nos apanhar pelo sono ou pelo torpor. Para permanecer vigilante, Jesus recomenda-nos orar em todo o momento. A oração desperta-nos e aguça os nossos sentidos, tornando-nos prontos para reconhecer a vinda do Senhor, que nos visita de formas sempre novas e frequentemente inesperadas. O Advento convida-nos a reprogramar o “despertador” da oração. Isto não significa necessariamente aumentar o tempo dedicado à oração, mas antes aprender a “viver em oração”. Como fazer isso? Um modo muito simples é repetir frequentemente a invocação “Marána tha” – Vem, Senhor! – até que estas palavras ressoem constantemente entre as paredes do nosso coração.

O Advento e o milagre da esperança
A oração do Advento alimenta sobretudo a esperança. Esperar, na situação em que estamos hoje imersos, é um verdadeiro milagre. Só a oração pode obter esta graça. De facto, como é possível esperar diante de um mundo que frequentemente parece como o vale cheio de ossos secos descrito por Ezequiel? (Ez 37). Aquela que era a imagem do povo de Deus de então pode ser hoje a nossa realidade. “Eis que vão dizendo: ‘Os nossos ossos estão ressequidos, a nossa esperança desapareceu, estamos perdidos!’” Deus pergunta ao profeta: “Poderão estes ossos reviver?” Sim, é possível: “Profetiza sobre estes ossos e anuncia-lhes: ‘Ossos ressequidos, ouvi a palavra do Senhor.’”

O profeta é Cristo que vem, mas também o é cada cristão por vocação. Eis a graça a pedir no Advento: despertar e difundir a esperança.

P. Manuel João Pereira Correia, mccj

p.mjoao@gmail.com
https://comboni2000.org

 

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