sexta-feira, 1 de novembro de 2024

VIVER E HABITAR NA COMUNHÃO DOS SANTOS - Pe. Manuel João - MC

 VIVER E HABITAR NA COMUNHÃO DOS SANTOS 

Reflexão sobre a Solenidade de Todos os Santos e a Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos 

1. No início de novembro, terminadas as colheitas, no hemisfério norte, quando a natureza começa a repousar e as árvores ganham tons de outono; quando os serenos e um pouco melancólicos pores do sol convidam a olhar ao longe... a tradição cristã dedica um momento especial de comunhão com aqueles que nos precederam na peregrinação da vida. Este período começa a 1 de novembro com a celebração da solenidade de Todos os Santos. A festa foi instituída pelo Papa Gregório IV em 835, mas suas raízes remontam ao século IV, com a comemoração coletiva dos mártires cristãos. Nesta festa, que une a terra e o céu, regozijamo- nos com aquela “grande multidão, que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas” contemplada por São João no Apocalipse (7,9). 

2. No dia seguinte a Todos os Santos, 2 de novembro, celebramos a Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos, uma tradição nascida no meio monástico no século X. Foi o abade beneditino Santo Odilon de Cluny que a introduziu em 998, a seguir à festa de Todos os Santos. Esta celebração espalhou-se gradualmente até se estender a toda a Igreja Católica no século XIII. A memória dos fiéis defuntos é, ainda hoje, uma das ocasiões mais sentidas, caracterizada pela oração – em especial a celebração eucarística –, pela visita ao cemitério, pela decoração das sepulturas com flores e pelo acendimento de velas. A atenção aos familiares e amigos falecidos continua durante todo o mês de novembro. 

3. Neste contexto, parece oportuno referir a festa de Halloween, celebrada a 31 de outubro e ligada a Todos os Santos e à memória dos Fiéis Defuntos, criando uma espécie de “tríduo”. Halloween é a contração do inglês “All Hallows’ Eve”, ou seja, “véspera de Todos os Santos” ou noite de Todos os Santos. Esta comemoração, nascida no ambiente cristão ocidental, transformou- se ao longo dos séculos numa celebração laica, frequentemente influenciada por costumes pagãos e com traços macabros, às vezes inquietantes, associados ao esoterismo e ao satanismo. Propagada na América pelos colonos irlandeses e escoceses, espalhou-se para muitas outras culturas entre o final do século XX e o início do século XXI, transformando-se numa festa carnavalesca. Apresentada muitas vezes como uma festa para crianças, é na verdade uma forma de neocolonialismo cultural com fins comerciais, que corre o risco de esvaziar o sentido das festas cristãs e de banalizar a realidade da morte, que se tornou um tabu na nossa sociedade. 

4. A comunhão dos Santos é uma das realidades mais belas da nossa fé. A festa de Todos os Santos abre-nos as portas do Paraíso para contemplar a alegria e felicidade de todos os nossos irmãos e irmãs – de todos os tempos e espaços, religiões e crenças, línguas, raças, povos e nações – que gozam da glória celestial. Não se trata apenas dos “santos ao nosso lado” ou dos cristãos que chegaram à pátria celestial, mas de todos os membros do Reino de Deus, santificados pelo sangue do Cordeiro (Ap 7,14). 

5. A “comunhão dos santos” não é uma idea abstrata, mas uma realidade muito concreta. Os santos, habitantes do Paraíso, não vivem “em descanso eterno” ignorando os nossos sofrimentos e lutas diárias contra o mal. No Céu não há ócio, mas atividade. Se o Pai “está sempre a trabalhar” (Jo 5,17), como poderiam os seus filhos permanecer inativos, indiferentes ao nosso sofrimento? Viver e habitar na comunhão dos santos significa tomar consciência desta maravilhosa solidariedade, abrir-nos a ela e participar na ação do Céu sobre a terra. 

6. A comunhão não estaria completa sem pensar nos nossos irmãos e irmãs falecidos que ainda não atingiram a visão beatífica, meta e supremo anseio do coração humano. Este é o 

significado da Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos, que se segue a Todos os Santos. A Igreja peregrina na terra lembra-os com carinho, reza por eles com confiança e participa da sua purificação com a sua intercessão. Sempre que celebramos a Eucaristia, recordamo-los na oração eucarística: “Lembra-te também dos nossos irmãos e irmãs que adormeceram na esperança da ressurreição e, na tua misericórdia, de todos os defuntos: admiti-os à luz da tua face” (Oração Eucarística n. 2). 

7. Nesta ocasião, somos incentivados a lembrar com maior frequência e com solicitude fraterna todos os fiéis defuntos, especialmente os nossos familiares e amigos com quem mantemos uma relação de afeto e gratidão. É uma oportunidade para fortalecer o nosso laço de comunhão com eles, pois a morte não quebra os laços de amor, mas os purifica e fortalece. Mesmo que a memória de algumas pessoas possa ser dolorosa pelas dores e injustiças sofridas, este período pode representar um tempo de graça para nos reconciliarmos com elas, curar as nossas feridas e sanar as nossas recordações. À luz do Amor, eles próprios estão agora bem conscientes do mal cometido e, arrependidos, imploram o nosso perdão e rezam por nós. 

8. As celebrações de 1 e 2 de novembro, prolongadas por todo o mês pela memória dos nossos queridos defuntos, são uma proclamação da nossa fé pascal. A graça destas celebrações permite-nos professar com maior consciência: “Creio na comunhão dos santos, no perdão dos pecados, na ressurreição da carne, na vida eterna”. Além disso, a imersão na Vida de Cristo Ressuscitado, primícias dos vivos, exorciza o nosso medo da morte. A esperança cristã conduz-nos a um processo de transfiguração da morte, até que, como São Francisco, possamos considerá-la “irmã morte”. 

9. A contemplação dos santos e a experiência de comunhão com os falecidos leva-nos a comparar a nossa vida com a vida futura e definitiva. A beleza da comunhão dos santos, se realmente vivida, leva-nos a mudar os nossos parâmetros de vida: o cristão que olha para o Céu não permite que sejam os critérios mundanos a guiar a sua existência. Se o nosso olhar é iluminado pela Luz, comprometemo-nos a colaborar para a realização do Reino de Deus na terra, promovendo a paz, a justiça e a fraternidade universal. 

10. Em relação ao Purgatório, é necessário purificar esta doutrina das visões acumuladas pelo imaginário cristão ao longo dos séculos. Após a morte, encontramos-nos fora do tempo e do espaço, e não é possível “imaginar” o Purgatório, mas apenas pensá-lo. O Catecismo da Igreja Católica trata este tema de forma sóbria, mas essencial (nn. 1030-1032), falando de “purificação final ou purgatório”. São Paulo, em 1 Coríntios 3,10-17, diz que “o fogo provará a qualidade da obra de cada um” e que alguns serão salvos “quase passando pelo fogo”! Tudo em Deus, no entanto, é graça. Até o Purgatório! É o suplemento de misericórdia para nos tornar “puro amor”. Podemos pensar que o “fogo purificador” seja o fogo do Espírito, que continua em nós a sua obra de santificação e, ao mesmo tempo, seja também o fogo da paixão da nossa alma, que anseia pela visão beatífica e sofre ao sentir-se ainda “distante”. Porque “forte como a morte é o amor, tenaz como o reino dos mortos é a paixão: as suas chamas são chamas de fogo, uma chama divina!” (Cântico dos Cânticos 8,6). 

P. Manuel João Pereira Correia, mccj 

 

 

 

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