31º Domingo do Tempo Comum (Ano B)
Marcos 12,28-32: “Escuta, Israel!”
Dar um coração à lei!
Já passaram três dias desde a chegada a Jerusalém. No
domingo passado, percorremos o último trecho da estrada, subindo de
Jericó na companhia dos Doze e da multidão de peregrinos. Entre eles
estava Bartimeu, o cego de Jericó que Jesus curou, símbolo de todos
nós.
O Senhor passa os últimos dias da sua vida entre o Templo e Betânia, uma
aldeia na periferia da cidade. Durante o dia, permanece no Templo, onde
ensina o povo que o escuta de bom grado (11,18). À noite, com os seus,
retira-se para Betânia, como hóspede de amigos.
Estamos no terceiro dia da sua estadia na cidade santa, o
destino final do seu ministério. Este dia é particularmente intenso e
começa com um sinal: a figueira seca desde as raízes (11,20-26), símbolo
de uma vida estéril e do poder da oração. No Templo, Jesus confronta-se
com os chefes religiosos, que contestam a sua autoridade para ensinar
naquele lugar (11,27-33). A eles, Jesus conta a parábola dos vinhateiros
homicidas (12,1-12). O destino de Jesus já está traçado: as autoridades
decidiram eliminá-lo e só procuram a ocasião e um pretexto. Segue-se,
então, uma série de armadilhas para o colocar em dificuldade: primeiro
sobre o tributo a César (12,13-17) e depois sobre a ressurreição dos
mortos (12,18-27). Este é o contexto do trecho do Evangelho de hoje.
Pontos para reflexão
1. Perdidos no labirinto das leis
“Aproximou-se de Jesus um escriba e perguntou-Lhe: ‘Qual é o primeiro de todos os mandamentos?’”
Segundo Mateus e Lucas, este doutor da Lei também queria pôr Jesus à prova (Mateus
22,35; Lucas 10,25). Qual era, neste caso, a armadilha? Para a
mentalidade comum da época, o grande mandamento era o terceiro do
Decálogo: a observância do sábado, pois o próprio Deus o tinha observado
após o “trabalho” da criação (Génesis 2,2). Os adversários esperavam
que Jesus respondesse assim, para o acusarem: “Então, por que tu e os
teus discípulos não respeitam o sábado?”.
Para o evangelista Marcos, porém, a pergunta do escriba era sincera e pertinente.
Com a intenção de regular toda a vida segundo a lei de Deus, os rabinos
tinham identificado 613 preceitos na Torá (Pentateuco), além dos dez
mandamentos: 365 negativos (proibições, correspondentes aos dias do ano
solar) e 248 positivos (prescrições, correspondentes aos órgãos do corpo
humano, segundo a crença da época). Um verdadeiro labirinto! Num
emaranhado de leis como este, sentia-se a necessidade de discernir o que
era verdadeiramente essencial.
2. O amor é a lei!
“Jesus
respondeu: O primeiro é este: ‘Escuta, Israel: O Senhor nosso Deus é o
único Senhor. Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com
toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças’”.
Jesus não cita nenhum dos dez mandamentos, mas
eleva-se do plano legalista ao nível do amor. Refere a profissão de fé
do “Shema Israel”, “Escuta, Israel” (Deuteronómio 6,4-5, ver a primeira
leitura), a oração que todo judeu recita três vezes ao dia (de manhã, à
noite e antes de dormir).
“O segundo é este: ‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo’. Não há nenhum mandamento maior que estes.”
Ao “primeiro” mandamento, Jesus acrescenta um “segundo” tirado de Levítico 19,18. Esta combinação de textos da Torá é original e própria de Jesus.
Qual é a relação entre os dois mandamentos? Santo
Agostinho comenta: “O amor a Deus é o primeiro que é mandado; o amor ao
próximo é o primeiro, porém, a ser praticado”. No Novo Testamento, esta
síntese da lei nos dois mandamentos não é mencionada noutro lugar e
parece inclinar-se para o amor ao próximo: “Isto vos mando: amai-vos uns
aos outros” (Jo 15,17). Para São Paulo, “toda a lei encontra a sua
plenitude num só preceito: amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Gl
5,14) e “o pleno cumprimento da lei é o amor” (Rm 13,10). O amor pelo
irmão é o espelho e a prova do amor de Deus. Quem diz que ama a Deus e
não ama o irmão é mentiroso (1 Jo 4,20-21). Os “dois amores” são, na
verdade, inseparáveis.
3. “Amarás!”: dar um coração à lei
Em ambos os textos citados por Jesus, a palavra-chave é o imperativo “Amarás!”. O
amor torna-se, assim, a chave da Lei. Os deuses pagãos desejavam
adoradores submissos, escravos; o Deus de Jesus Cristo, por sua vez,
quer filhos livres, capazes de amar. O verbo “amar” (ahav em
hebraico) aparece no Antigo Testamento 248 vezes (Fernando Armellini).
Dir-se-ia que é um número simbólico, pois corresponde ao número de
preceitos positivos (coisas a fazer), segundo a tradição rabínica.
Poderíamos dizer que a única coisa a fazer sempre (365 dias por ano!) é
amar.
A Torá, que emanava do coração de Deus, tinha
perdido o seu espírito original e, em vez de servir o homem, tinha-se
transformado num fardo pesado. Jesus veio para devolver o coração a tudo
o que é humano. Agora, no coração da Lei, podemos redescobrir o Seu
Coração!
P. Manuel João Pereira Correia, mccj
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